BHAZ
O Projeto de Lei (PL) 11173/18 que tramita na Câmara dos Deputados amplia de 20 para 50 o limite de pontos para um motorista ter a carteira nacional de habilitação (CNH) suspensa. Pela proposta, deixam de pontuar a carteira por infrações de trânsito os policiais, bombeiros, médicos, taxistas, motoristas de ônibus e servidores que têm entre as atividades do cargo dirigir.
Atualmente, vigora no país pelo Código de Trânsito Brasileiro (CTB, Lei 9.503/97) a punição para todos os motoristas que cometem infração com pontuação na habilitação de até 20 pontos.
A proposta é de autoria do deputado federal por São Paulo, Roberto de Lucena (Podemos). Segundo ele, os profissionais que estariam isentos de pontuação “devem ter tratamento diferenciado perante a lei dada a sua natureza, não devendo ser computada qualquer pontuação em suas CNH pelas infrações cometidas”, disse Lucena ao Portal da Câmara dos Deputados.
O PL 11173/18 de alterar de 20 para 50 pontos na CNH é visto com temor e críticas por especialistas em trânsito e vai contra a premissa da Lei 13.614/2018, que criou o Plano Nacional de Redução de Mortes e Lesões no Trânsito (Pnatrans), que propõe um novo desafio para a gestão de trânsito no Brasil e para os órgãos integrantes do Sistema Nacional de Trânsito (SNT): o de reduzir em, no mínimo, à metade o índice nacional de mortos por grupo de veículos e o índice nacional de mortos por grupo de habitantes, em 10 anos. [pro_ad_display_adzone id=”44899″ align=”right”]
“Temos em torno de 60 mil mortos por acidentes de trânsito por ano no Brasil, números similares aos de crimes”, diz o professor Márcio José de Aguiar, coordenador das disciplinas de transporte e trânsito da Universidade Fumec, em Belo Horizonte. Quando da elaboração do CTB, Aguiar participou como consultor em uma assessoria da Câmara dos Deputados.
“Àquela época, tivemos muitas contribuições de diversos técnicos do Brasil, principalmente de especialistas de São Paulo, onde a estrutura de tráfego viário é grande. Muita coisa passou, e deveria ter sido corrigida ao longo dos anos. E sempre existiu uma pressão muito grande para reduzir o valor de multas no país. Na minha visão, os valores ainda são muito brandos, mexe pouco no bolso. É inacreditável que até hoje não conseguimos fazer com que as pessoas que bebem não dirijam”, observa.
Para Márcio Aguiar, flexibilizar a legislação existente é “um absurdo, pois a matança no trânsito vai continuar”. Ele se diz indignado com a proposta. “Me causa indignação um parlamentar que não tem amparo técnico propor uma alteração dessa natureza. As questões do Código de Trânsito deveriam estar sendo estudadas por equipes técnicas. Há uma situação ínfima de fiscalização, sem agentes com competência para esse fim em todas as cidades. Se essa proposta passar, é possível afirmar que estaremos dando um passo para trás. Temos de nos inspirar no melhor e não no pior. Torço para que o projeto de lei não seja aprovado”, acrescenta Aguiar.
Constam no Pnatrans inúmeros dados sobre o impacto dos acidentes nos cofres públicos. Pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), intitulada Impactos Sociais e Econômicos dos Acidentes de Trânsito nas Aglomerações Urbanas, de maio de 2003, apontou os custos das ocorrências de trânsito em R$ 5,3 bilhões por ano nas aglomerações urbanas brasileiras.
Já o Mapa da Violência 2013: Acidentes de Trânsito e Motocicletas apresentou custos atualizados, tomando como referência dezembro de 2011, no valor de R$ 10,6 bilhões. Em seu relatório geral de 2013, publicado em 2015, a Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP) estimou, para 2013, que os valores chegariam em R$ 17 bilhões.
Ainda segundo a proposta do deputado Roberto Lucena, “veículos de polícia, ainda que descaracterizados e mesmo veículos particulares de policiais federais, civis ou militares terão livre circulação, estacionamento e parada. Hoje, esse benefício é garantido para ambulâncias, viaturas policiais e de bombeiros oficiais e os particulares que atendam necessidade pública, como ambulâncias”, diz o texto do Portal da Câmara.
Todo veículo, caracterizado ou não, usado pela administração pública direta ou indireta também terá prioridade. Entre os benefícios está a a dispensa de cumprir a velocidade máxima da via. Esses veículos deverão estar em um cadastro específico de cada departamento de trânsito (Detran) e devem ser mantidos sob sigilo. Pelo projeto, deixam de ser consideradas infrações puníveis todas aquelas em que o condutor puder sanar no local, como parar em local proibido.
O PL tramita em caráter conclusivo e será analisada pelas comissões de Viação e Transportes; de Finanças e Tributação; e de Constituição e Justiça e de Cidadania.
“Autuações são lucrativa fonte de renda”
Uma das justificativas do deputado para seu projeto de lei é a de que houve um “voraz crescimento” nas autuações de trânsito, pois a administração verificou que as autuações constituem alta e lucrativa fonte de renda para os cofres públicos. “As penalidades de pequeno potencial ofensivo sequer deveriam perdurar, pois servem apenas para aumentar o acúmulo de autuações e consequentes recursos”, afirmou Lucena ao Portal da Câmara.
Na visão do especialista em transporte e trânsito Silvestre Andrade, falar de indústria de multa é fora de senso. “Se há uma indústria de multa, há uma indústria de infração. A multa é consequência de que algo está errado, ou seja, o condutor não está respeitando a legislação vigente. A multa é uma consequência da infração. Quem afirma uma coisa dessa quer a impunidade. Quer a perpetuação de infrações de trânsito sem que o responsável seja cobrado por isso”, critica.
Andrade critica também o item em que o PL 11173/18 exime de pontuação os trabalhadores que usam o veículo para trabalhar. “Eles devem cumprir estritamente as normas, ainda mais porque estão expostos a situações rotineiras do trânsito das cidades. São pessoas que estão mais expostas a se envolver num acidente e, por essa razão, não devem ter relevadas suas infrações, mas ter mais cuidado ao transitar. Se você estimula a infração, teremos um infrator contumaz, que saberá que ficará impune. Queremos fazer do Brasil um país mais sério e não mais permissivo”, conclui.
Pena leve seria zerada
A proposta do PL 11173/18 zera também a pontuação para infrações de trânsito leve. O CTB prevê pena de três pontos para esse tipo de infração. Assim, pelo projeto, quem cometer uma infração leve como dirigir sem documentos só terá de pagar uma multa de R$ 88,38. A proposta também reduz um ponto para cada um dos três demais tipos de infração. Assim, uma infração gravíssima gera seis pontos na habilitação, e não sete.
O texto permite que a Polícia Civil de cada estado possa ajudar na fiscalização do trânsito e na autuação de infrações. Hoje em dia, apenas as polícias militares auxiliam os departamentos de trânsito locais.
O projeto também concede isenção tributária para veículos particulares de policiais federais, civis e militares, ativos ou inativos. A isenção vale para apenas um veículo e fica vedada a alienação do bem nos primeiros 24 meses da data de compra.
Irregularidades sem fiscalização
Para o especialista Silvestre Andrade, “estamos assistindo a uma série de irregularidades e desastres no Brasil por falta de regras claras e de fiscalização de órgãos competentes”. Na sua opinião, tudo o que vem contrário à questão da segurança, não é positivo. “Afrouxar regras mais rígidas é ruim, pois impacta em uma série de outras variáveis, como no próprio Sistema Único de Saúde, na questão da estrutura viária das cidades, como postes e placas que muitas vezes são alvos das batidas. No caso dessa proposta, ela vai estimular ainda mais a infração de trânsito”, sentencia.
Segundo ele, os maiores acidentes de trânsito são registrados dentro das cidades. “Nas estradas, há menos acidentes, mas bastante violentos, principalmente por causa da velocidade. Nas cidades, são as ocorrências envolvendo as vidas humanas, em casos com motociclistas e pedestres”.
O BHAZ entrou em contato com o gabinete de Roberto Lucena, em Brasília, nesta quarta-feira (12/02), mas até a publicação desta reportagem, não obteve retorno.
Com informações da Câmara dos Deputados