Bloqueio sem data para terminar na rota do carnaval das cidades históricas e 25 mil motoristas prejudicados todos os dias pela interdição da BR-356. Esse é o saldo preliminar do avanço do risco no entorno das barragens de mineração em Minas Gerais, depois que mais represas de rejeitos da mineradora Vale tiveram elevado seu nível de alerta, com um deles projetando sua mancha de inundação sobre a rodovia federal, em caso de rompimento. O tom usado ontem pelas autoridades demonstra que a situação pode se estender até o carnaval, impondo dificuldades à vida de quem pretende passar a folia de Momo em cidades tradicionais para a festa, como Ouro Preto e Mariana. Defesa Civil, Polícia Militar e o secretário de Estado de Turismo e Cultura falaram em estudos para apontar soluções paliativas para mitigar o problema, mas não adiantaram nenhuma definição para as barreiras ao tráfego na BR-356.
O problema que afetou a BR-356 foi imposto pela barragem da Mina de Vargem Grande, em Nova Lima, segundo a Defesa Civil. Além de obrigar a restrição de tráfego na rodovia, o reservatório também exigiu a saída de 100 pessoas de suas casas, na área chamada zona de autossalvamento em caso de rompimento. Essa necessidade de evacuação foi motivada pela mudança no fator de segurança de 1 para 2 do barramento, situação que se repete em outras seis barragens da Vale nos municípios de Nova Lima, Ouro Preto e Barão de Cocais, além de uma represa da Arcelor Mittal em Itatiaiuçu. [pro_ad_display_adzone id=”44899″ align=”right”]
Quase 1,2 mil pessoas já tiveram que sair de suas casas pela mudança do nível de segurança desses reservatórios. Sobre a BR-356, o secretário de Estado de Turismo e Cultura, Marcelo Matte, reconheceu que o impacto para as cidades ligadas pela rodovia será grande. “Sabemos que Mariana já investiu R$ 300 mil na decoração da cidade e que existem 120 bonecos sendo confeccionados para o carnaval de Ouro Preto, que tem o maior baile de máscaras do Brasil. Sabemos que essas cidades dependem visceralmente de suas atividades culturais e de turismo e que vão sofrer um dano enorme com essa interdição. Estamos muito preocupados com esse impacto econômico. Estão se construindo, com avaliação técnica, uma série de alternativas para essa interdição”, diz o secretário.
O impacto gerado pelo fechamento da BR-356 se estende a cerca de 25 mil motoristas por dia, de acordo com a Polícia Militar Rodoviária (PMRV). A estimativa foi repassada à corporação pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), segundo o tenente-coronel Paulo Antônio de Moraes, que é comandante do Batalhão de Polícia Militar Rodoviária (BPMRv). De acordo com o oficial, não há um prazo para que a rodovia seja reaberta e a prioridade é preservar vidas. Entre as 17h e as 24h de ontem, o Comando de Policiamento Rodoviário (CPRv) fez um teste na rodovia e liberou o tráfego nos dois sentidos da BR-356, que voltaria a se interditada depois desse período. Uma reunião entre as autoridades e a Vale, marcada para a manhã de hoje, deve definir a situação para os próximos dias.
Por ora, motoristas que tenham como destinos localidades às margens da BR-356 terão que usar os seguintes desvios: ou pela MG-030, passando por Nova Lima, Rio Acima e Itabirito (esta última ligação por estrada de terra) ou dando uma volta maior de 80 quilômetros, pela BR-040 em Congonhas, depois Ouro Branco e por fim Ouro Preto, voltando à 356. “A gente solicita aos usuários que tenham um pouco mais de paciência, que tenham cautela ao trafegar nas vias secundárias para que preservemos a vida das pessoas envolvidas”, diz o militar.
SEM SAÍDA Ainda na tarde de quarta-feira, a Defesa Civil de Minas Gerais anunciou o fechamento da BR-356 nos limites de Nova Lima (Grande BH) e Itabirito (Região Central) pela mancha de inundação da Barragem de Vargem Grande apontar a possibilidade de invasão de uma onda de lama na rodovia em caso de rompimento do reservatório. Inicialmente, o bloqueio tinha 15 quilômetros de extensão e impôs pé no freio a motoristas na noite de quarta, entre o Km 35 (Lagoa das Codornas) e 50 (perto do portal de acesso a Itabirito).
Essa interdição afetou até a própria Vale, já que o caminhoneiro Heleno Marcelo Soares Magalhães, de 44 anos, não foi autorizado pela Polícia Militar Rodoviária (PMRv) a passar por volta de meia-noite, já no início da madrugada de ontem, quando alcançou a rodovia com uma estrutura de campo para içamento de correias que era destinada à área da mina de Vargem Grande. “Ficamos sem café, sem comida e sem nenhum apoio. Falaram que alguém da Vale viria para liberar a passagem da carga, mas isso não aconteceu”, disse ele, que conversou com a reportagem quando já estava parado na beira da estrada havia mais de 10 horas.Enquanto isso, as autoridades anunciaram que o bloqueio, antes de 15 quilômetros, tinha passado para seis, do Km 35 ao Km 41, para aliviar a vida de quem mora às margens da rodovia ou trabalha em minas próximas e poderia ficar preso, sem opção de saída.
TRANSPORTE PÚBLICO O impacto se estendeu não só a motoristas, mas também a passageiros do transporte público. Morador do Bairro Estoril I, em Nova Lima, às margens da 356, o técnico em logística Rodrigo Nascimento Silva, de 29 anos, ficou sem ônibus para ir a Belo Horizonte. Ele contou que os coletivos que iam de Itabirito à capital mineira pararam de rodar. “Dependo do transporte público, pois não tenho carro. Como eles fecharam a rodovia, os ônibus de Itabirito a BH pararam e nos deixaram sem transporte. Ficamos por conta de amigos e de quem tem automóvel e pode auxiliar”, diz ele. Também moradora do mesmo bairro, a empregada doméstica Marilene de Lourdes Paiva, de 35, disse que a restrição impôs uma barreira aos coletivos que levam trabalhadores da região ao Condomínio Alphaville.
Uma situação que deixou Marilene e outros moradores preocupados foi a montagem de uma estrutura de apoio no próprio Estoril I, com tendas e banheiros químicos, além de um espaço alugado pela mineradora para concentrar reuniões e presença de autoridades municipais, como a Defesa Civil de Itabirito e Ouro Preto. “Queremos saber o que vai acontecer com essas barragens. Estamos muito preocupados com essa situação e precisamos de informações”, afirma a doméstica.
Cidades temem perda no turismo
A comunicação da mineradora Vale de interdição de trechos da BR-356, que dá acesso às cidades de Itabirito, Ouro Preto e Mariana, na noite de quarta-feira , causou surpresa à população e deixou em alerta comerciantes e autoridades municipais. A apreensão é principalmente no que diz respeito ao movimento de turistas, justo nas proximidades do carnaval. Os municípios se mobilizam para amenizar os impactos dessa medida e na tentativa de tranquilizar os que programam passar os dias de folia nessas cidades.
Uma reunião de associações comunitárias e empresariais, órgãos municipais e municipais está programada para esta manhã, às 9h, na Associação Comercial e Empresarial de Ouro Preto (Aceop). “Vamos tratar do assunto de forma coletiva, tomar um posicionamento e decidir sobre medidas efetivas”, disse a gerente da Aceop, Ercília Lima.
O secretário de Turismo de Ouro Preto e presidente da Associação das Cidades do Circuito do Ouro, Felipe Guerra, informou que começou a contatar os municípios afetados (Congonhas, Ouro Preto, Mariana, Ouro Branco e Itabirito) logo que soube da interdição. “Precisamos ainda saber se de fato ficará fechada ou não até o carnaval, informação essencial para um plano B. Ainda não nos passaram dados oficiais consolidados e aguardamos posicionamento das forças de segurança para que possamos fazer um trabalho de marketing explicando como chegar às cidades e quais as rotas disponíveis, com as devidas sinalizações. É preciso também tranquilizar as pessoas que programam vir para a região e explicar que não há barragem se rompendo em Ouro Preto”.
O carnaval, segundo o secretário, é o maior evento turístico da cidade e a taxa de ocupação de hotéis e repúblicas já está quase completa com as reservas. “É preciso explicar que não há riscos para o Centro Histórico da cidade. A localidade que foi evacuada tem quatro moradias e está a 70 quilômetros do Centro de Ouro Preto”.
De acordo com Felipe, o município recebeu 40 mil pessoas em 2018 e neste ano espera um crescimento de 25% no número de turistas. A cidade viu injetados em sua economia em torno de R$ 15 milhões no ano passado e espera que essa movimentação chegue a R$ 20 milhões na folia que se aproxima.
O prefeito de Mariana, Duarte Júnior (PPS), disse que a notícia foi muito negativa para a cidade, no momento em que se espera aquecer a economia. Ele defendeu que a Vale disponha de técnicos para monitorar as barragens, mantendo a estrada desobstruída com a operação do sistema de “Pare e Siga”, com funcionários sendo informados 24 horas para fechar a estrada em caso de alguma movimentação dos rejeitos. “Acho que não precisava de todo esse alarde, que acaba criando pânico. O carnaval de Mariana é um dos mais seguros e familiares do Brasil e nossa expectativa é de que 50 mil pessoas passem pela cidade nos quatro dias”.
A assessoria de comunicação da Prefeitura de Itabirito informou que as autoridades municipais se reuniram na tarde de ontem com a Defesa Civil para maiores esclarecimentos sobre o fechamento da via. (Elian Guimarães)
Arcelor faz acordo parcial
Após 14 dias da retirada dos moradores do distrito de Pinheiros, em Itatiaiuçu, na Região Metropolitana de BH, a ArcelorMittal, empresa responsável pela barragem de rejeitos da Mina Serra Azul, sem estabilidade garantida, concluiu negociações com atingidos e Ministério Público para atendimento emergencial às famílias. O acordo preliminar foi assinado ontem, em um hotel de Itaúna, cidade vizinha, onde estão os atingidos. O documento abrange aspectos humanitários, econômicos, ambientais e técnicos, enquanto uma solução definitiva é estudada. Foram afetadas diretamente 187 pessoas de 59 famílias. Desse total, 142 de 42 núcleos estão no hotel e outros 45 integrantes da comunidade preferiram ficar em casa de parentes na região. Cada núcleo familiar terá direito a um único abono no valor de R$ 5 mil para gastos emergenciais, que será pago em até 15 dias úteis a contar da data de assinatura do acordo, além de pagamentos mensais temporários.