O número de moradores em situação de rua em Belo Horizonte já é maior do que a população de 411 municípios de Minas. Dados do Ministério da Cidadania referentes ao mês de janeiro apontam que a capital tem 7.824 pessoas sem-teto.[pro_ad_display_adzone id=”44899″ align=”right”]
Dentro dessa multidão crescente, mas invisível sob vários aspectos, homens, mulheres e idosos vivem no limite da luta por dignidade. O Hoje em Dia inicia hoje a série “Olhos da Rua”, que vai contar histórias de sobrevivência diante de um dos problemas crônicos da metrópole.
Realidade que, segundo especialistas, se agrava no cenário de recessão econômica persistente e pode piorar, já que as políticas de assistência social estão longe de ser prioridade na agenda política do país.
A Prefeitura de Belo Horizonte afirma que o número de pessoas em situação de rua permanece inalterado desde 2017. Para a administração municipal são 4.553 pessoas, uma vez que se trata de um “público flutuante”.
Ainda assim, o número é o dobro do que foi levantado pela PBH em 2014, quando a cidade tinha pouco mais de 1.800 sem-teto. Ou seja, crescimento de mais de 100% no intervalo de cinco anos.
Lar
Embaixo do viaduto da avenida Francisco Sales, no bairro Floresta, região Leste da capital, uma barraca de camping armada sobre um pedaço de lona é a residência fixa de Luiz e Aparecida há oito anos.
Três cachorros vira-latas e um canário belga dividem com o casal o espaço de pouco mais de oito metros quadrados, onde estão espalhados objetos de decoração, vasos com plantas e caixas de madeira que servem de abrigo para os animais de estimação.
Dentro da barraca, roupas, cobertores e um emaranhado de objetos pessoais se acumulam ao lado do colchão de solteiro sobre o qual os dois dormem todas as noites.
“A gente não dá certo com nossas famílias. Então ficamos aqui, onde estamos em paz”, conta Luiz, que ganha a vida olhando carros no Centro de BH. “Isso aqui é nossa casa, é onde está tudo que a gente tem”, conta.
Resistência
Em um terreno baldio às margens da Lagoa da Pampulha, a edificação improvisada que abriga outro casal tem cerca de três metros quadrados de área construída e é feita com pedaços de madeira, lona e plástico.
É ali que Felipe Luis de Freitas, de 28 anos, e Junia Alves, de 30, passam os dias à espera do quarto filho. Os outros três – todos nascidos nos últimos cinco anos – foram para abrigos infantis e, depois, encaminhados para a adoção.
SEM CASA – É num espaço improvisado, na Pampulha, que Felipe Freitas e Junia Alves passam os dias à espera do quarto filho
“Na rua tem covardia demais. Sempre foi assim e a politicagem nunca deixou as coisas mudarem”, analisa Felipe. “A gente comete muitos erros, mas quem está com o poder bem que podia fazer mais por nós”, critica.
“Morar nessas condições é difícil demais. O calor dentro dessa barraca é insuportável, a gente quase derrete. Meu sonho é reunir minha família de novo. Estou nessa desde os 22 anos, já cansei de viver na rua”
Felipe Luis de Freitas
Melhoria nos serviços de assistência social é desafio
Pelas calçadas da capital há também quem viva a céu aberto, sem barraca ou proteção de marquise. É o caso de João Batista, de 44 anos, e Janete Menezes, de 36, que, com exceção dos dias de chuva, dormem no canteiro da avenida Carandaí, no bairro Funcionários, região Centro-Sul de Belo Horizonte.
Ele, que veio de Rondonópolis, no Mato Grosso, mora nas ruas há 20 anos e luta contra a dependência de álcool, maconha e crack. Ela, que é de Sabará, na Grande BH, é sem-teto desde 2014 e toma o coquetel para o tratamento contra HIV. Ambos alegam que “é melhor dormir ao relento do que nos abrigos da prefeitura”.
PRECARIEDADE – João Batista e Janete Menezes vivem a céu aberto, sem barraca ou proteção de marquise
“No passado, a gente já foi roubado nesses lugares. Então não dá pra confiar”, conta Janete. “Tenho medo até de ser morto porque tem muitas pessoas que não gostam da gente por aí”, comenta João Batista, sem detalhes.
“Tenho um filho no Mato Grosso, outros dois em Uberlândia e também um neto que só conheço pelo Facebook. Na rua a gente perde a ligação com todo mundo”
João Batista
Abrigos
Belo Horizonte possui, atualmente, 1066 vagas de acolhimento institucional em abrigos e albergues, o que torna ainda mais evidente o desafio de oferecer asilo a uma população de rua que é, no mínimo, quatro vezes maior.
A secretária municipal de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania, Maíra Colares, explica que, apesar dos esforços institucionais realizados nos últimos dois anos para requalificação e ampliação dos serviços no município, ainda há muito a ser feito.
“Na última década quase não tivemos investimento em ampliação das políticas para essa população”, afirma. “Quase 90% da rede de atendimento é a mesma da década de 1990 e isso diz muito sobre essa dívida histórica que precisamos corrigir”, ressalta a secretária.
Ela destaca, ainda, que vários fatores extrapolam o poder dos governos e acabam por potencializar o problema do crescimento das populações sem-teto.
Crise
“A crise econômica, a dinâmica de violência e rompimento nas famílias é um grande problema. Há um aspecto global, colocado para o mundo, que é de conter a ida de mais pessoas para as ruas”, avalia Maíra.
Para a professora do curso de sociologia da UFMG Danielle Cireno Fernandes, o momento crítico da economia é o principal indutor do problema. “Obviamente há um aumento da vulnerabilidade. As pessoas não vão para essa vida de extremos por opção. Há um cenário que leva a isso”, afirma.