Em dois anos, Cassimiro Gonçalves dos Santos Neto, de 39 anos, se desentendeu com a família, terminou o noivado, perdeu o emprego, foi morar em um abrigo público e passou no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) para o curso de engenharia mecânica da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Cassimiro é um dos 37 homens que vivem na unidade de acolhimento Professor Fábio Alves, administrado pela Prefeitura de Belo Horizonte, no bairro Carlos Prates, na Região Centro-Sul, dedicado a pessoas em situação de rua e em vulnerabilidade social.
Ele dorme na cama de cima de um dos quatro beliches que fazem parte do seu quarto. “O cara que dorme embaixo tem que ter coragem porque sou um cara pesado”, brincou Cassimiro.
Em 2017, ele trabalhava como técnico em mecânica, tinha uma noiva e uma casa. Mas depois de brigar com a mãe, entrou em depressão e começou a beber. “Aí eu tive só azar”, contou. O noivado acabou e ele tentou morar com irmãs no interior, mas sem sucesso. “Não ia no serviço, aí perdi o emprego, perdi dinheiro. Amigos também, já não existiam mais. Aí fiquei praticamente sem ninguém”, disse Cassimiro.
Cassimiro Gonçalves Neto, morador de abrigo público, passou na UFMG para engenharia mecânica — Foto: Thais Pimentel/G1
Depois de vender todos os móveis e eletrodomésticos, ele ficou sem condições de pagar o aluguel. “Tudo foi se perdendo e eu fiquei sem nada”.
Desesperado, procurou ajuda com a assistência social da prefeitura e foi parar no Abrigo São Paulo, no centro da cidade. Lá, ele decidiu voltar a estudar. Se matriculou no programa de Ensino de Jovens e Adultos (EJA) e terminou o ensino médio. Os professores o incentivaram a fazer o Enem.
Todo o tempo livre que tinha, Cassimiro passava estudando na Biblioteca Pública Estadual Luis de Bessa, na Praça da Liberdade.
Em dezembro, ele foi transferido para a unidade de acolhimento Professor Fábio Alves que funciona como uma residência. Há refeições diárias, lavanderia, armários e oficinas. No primeiro dia, Cassimiro viu um folheto sobre um concurso público do governo de Minas Gerais e decidiu se inscrever.
Cassimiro começou a gostar de estudar depois de adulto. Quando criança, a escola era sinônimo de sofrimento, já que a mãe o batia sempre que errava as lições.
“Eu comecei também a ganhar meu dinheiro muito cedo. Mesmo cego de um olho, de nascença. E aprendi muito em oficinas mecânicas. Aí fiz curso técnico em mecânica. Daí eu pensei no vestibular para engenharia. Nunca imaginei que poderia entrar na UFMG. Foi uma explosão”, disse. “Agora eu tenho que arrumar um emprego porque eu preciso me manter na faculdade pagar para as questões práticas da escola, celular, calculadora, computador. Estou na batalha agora, não venci ainda”, completou.
Além do trabalho, o técnico quer reatar os laços com seus três filhos. “Eu tenho mais contato com o mais velho, mas por causa de tudo que passei ainda é um processo”, contou.
Agora, ele sonha ter sua própria casa.