Em clima de muita comoção e com perguntas cujas respostas permanecem um mistério, foram sepultados ontem os corpos das quatro vítimas do acesso de fúria que levou Rudson Aragão Guimarães, de 39 anos, a assassinar a facadas a ex-namorada, antes de matar a tiros três pessoas em uma igreja evangélica de Paracatu, município de 92 mil habitantes no Noroeste de Minas, a 502 quilômetros de Belo Horizonte. O homem agiu, segundo suspeita a Polícia Civil local, movido pela fúria contra o pastor do templo, Evandro Rama, que o havia afastado há cerca de dois meses da comunidade por “má conduta”.
Em Paracatu, foram sepultados Antônio Rama, de 67, pai do pastor da Igreja Batista Shalom; Marilene Martins de Melo Neves, de 52; e Rosângela Albernaz, de 50. Eles estavam no interior da igreja, no Bairro Bela Vista, quando Rudson os atacou, atingindo a todos com disparos na cabeça. Antes disso, o homem havia esfaqueado a ex-namorada Heloísa Vieira Andrade, de 59. Ela estava em uma casa da família do próprio Rudson, que fica a três quadras da igreja.
A mulher também orava, ao lado da mãe e da irmã de Rudson, quando recebeu um golpe no pescoço e morreu no sofá da sala de estar do imóvel, segundo a polícia. O corpo dela foi enterrado em Uberlândia, no Triângulo Mineiro, sua cidade natal. A motivação para o assassinato da mulher e sua ligação com a fúria contra o líder religioso é o principal mistério do massacre.
As investigações devem mostrar, nos próximos dias, a ligação entre a morte da ex-companheira do atirador e a perseguição ao pastor da Igreja Batista Shalom.
Apesar de Heloísa Andrade ter sido a primeira vítima, até o momento as apurações indicam que o principal alvo era o pastor Evandro Rama. Durante o ataque de Rudson, o religioso conseguiu escapar da morte pulando um muro da igreja. Fraturou um tornozelo e teve de ser internado no Hospital Municipal de Paracatu. Após passar por cirurgia, seu quadro clínico é estável, mas ele permanece sob cuidados da equipe médica.
Consternação As cerimônias de despedida reuniram dezenas de familiares e amigos dos mortos. Ainda sem acreditar no massacre, a cozinheira Maria Aparecida Loures, de 57, reconheceu que terá de ser forte para aceitar a morte de Antônio Rama, com quem era casada havia 40 anos. “Perdi meu companheiro de vida. Ele foi um exemplo de pai e esposo, que nunca virou as costas para a família. Era um homem de caráter”, lamentou.
Consternado, o primo de Marilene, o autônomo Renato Martins, de 45, também não se conforma. “Foi uma coisa lamentável. É impossível imaginar que alguém em sã consciência entre em um ambiente sagrado e tire a vida de várias pessoas, sem mais nem menos. Não consigo descrever o tamanho da minha tristeza. A ficha vai demorar a cair”, declarou.
A professora Iana Quirino, de 37, era da mesma igreja que as vítimas e fez questão de ressaltar a personalidade dos quatro mortos, especialmente a de Rosângela. “Ela era bastante assídua na nossa comunidade. Uma mulher ativa na obra e verdadeira serva de Deus. Sinto que perdi alguém da minha família. Ela foi uma grande companheira para todos os fiéis da nossa igreja.”
ALUCINADO Na noite da chacina, Rudson arrancou uma barra de ferro do portão da igreja para invadir o templo. De acordo com o tenente-coronel da PM Luiz Magalhães, ele parecia ter alucinações e dizia frases desconexas, como a de que havia voltado do inferno para cumprir a missão de assassinar o religioso.
“Como o pastor fugiu, ele se voltou contra os fiéis. Uma equipe da PM ia em direção à casa onde aconteceu o primeiro assassinato quando ouviu tiros na igreja. Quando chegamos, dois fiéis já estavam mortos e o assassino fez uma terceira pessoa refém. Tentamos negociar, mas ele atirou na cabeça dessa vítima. Em proteção às demais pessoas, a guarnição disparou contra ele, que foi atingido no peito. Assim, conseguimos desarmá-lo”, detalhou o militar. Pelo menos 20 pessoas participavam da reunião na igreja. Com Rudson, os militares encontraram seis cartuchos intactos.
Atrito As investigações estão a cargo da 2ª Delegacia Regional de Paracatu. A delegada de Homicídios da unidade, Thays Silva, levantou a hipótese de que Rudson tenha cometido a chacina devido a um atrito que tinha com o pastor. “Acredita-se que Rudson tenha ficado irado em razão de sua destituição de uma posição de liderança da igreja. A partir de então, teria começado a proferir ofensas ao pastor. Isso gerou uma indignação grande e chegou ao ápice ontem (terça-feira), quando ele estava bastante alterado e cometeu os crimes”, explicou.
A delegada afirmou ontem que as apurações ainda vão esclarecer muitos detalhes. O atrito entre Rudson e o religioso teria ocorrido há dois meses. Ela acrescentou que não haviam sido ainda constatadas provas materiais indicando um homicídio em virtude da condição de gênero da ex-companheira, o que caracterizaria feminicídio. “Não havia medida protetiva contra o suspeito, incidência de violência doméstica ou discriminação à mulher, mas destacamos que a motivação exata continua em apuração”, disse a delegada.
Integrante da Igreja Batista Shalom, Yuri Jordão, de 45, disse que Rudson ocupava o cargo de “intercessor”, auxiliando o pastor a conduzir orações. Segundo ele, há dois meses, após ser alertado sobre problemas pessoais do subordinado, o líder religioso o tirou da função. Teria tentado auxiliá-lo, mas Rudson não se mostrou interessado nos conselhos. A partir daí, Rudson passou abatacar a imagem do religioso em redes sociais.
O atirador já foi ouvido informalmente no hospital, onde terminou autuado em flagrante pelo crime de homicídio contra as quatro pessoas, com duas qualificadoras: motivo fútil e impossibilidade de resistência das vítimas. Já a tentativa de homicídio teve as mesmas qualificadoras com relação ao líder religioso.
Frieza “Ele alegou que o alvo principal seria o pastor, mas disse que teve a intenção de atingir os demais que acabaram mortos”, explicou a delegada. Ela destacou que, conforme as imagens do circuito interno de segurança, o suspeito foi frio, uma vez que a arma usada permite apenas um tiro por vez. “Ele recarregava, mirava e atirava”, concluiu.
A policial pretende ouvir o atirador formalmente até amanhã, assim que ele estiver em condições. Rudson seguia ontem internado sob escolta no Hospital Municipal de Paracatu e seu estado era considerado estável.