Terra/ BBC Three
Hayley* havia acabado de terminar um relacionamento quando trombou com um conhecido da época de escola. Ela não tinha visto Aaron* por anos, mas conversaram como se esse tempo nunca tivesse passado. Reencontrar um velho amigo era a distração de que ela precisava e, ao longo da noite, o papo virou um flerte – e eles acabaram indo para casa juntos.
“Agi de forma imatura, mas o conhecia desde quando estava no ensino médio”, diz a jovem de 24 anos. “Estávamos bêbados, e pensei que, por não ser um estranho, não haveria problema se não usasse camisinha e, obviamente, havia.”
Logo ela notou os primeiros sintomas de clamídia. Depois de ser diagnosticada com a infecção sexualmente transmissível (IST, sigla que substituiu a antiga DST segundo definição do Ministério da Saúde), Hayley ficou brava com si mesma por não ter falado sobre sexo seguro com seu parceiro.
Mas a frustração se transformou em incredulidade quando descobriu por um amigo em comum que seu parceiro aparentemente estava reclamando sobre sintomas antes do encontro. “Ele saiu por aí imprudentemente transando sem proteção.”
Durante o período em que Hayley estava fazendo sexo casual antes de conhecer seu namorado atual, ela tomava pílula, mas não usou camisinha mais do que “algumas vezes”, em parte porque considera o preservativo desconfortável, mas também porque não se sentia à vontade para tocar no assunto.
“Fui estúpida e pensei: ‘Não quero que pensem que sou puritana ou chata’. Realmente me preocupo com ISTs, mas não tinha confiança o suficiente para falar disso – tinha essa coisa de querer agradar aos homens.”
Proteção em baixa, infecções em alta
Hayley não está sozinha. De acordo com uma pesquisa do instituto YouGov e da Public Health England (PHE), a agência de saúde e serviço social do governo britânico, quase metade dos jovens de 16 a 24 anos entrevistados disseram ter feito sexo com um novo parceiro sem preservativo e um em cada dez jovens sexualmente ativos desta mesma faixa etária disse nunca ter usado proteção.
Entre 2003 e 2013, o índice de homens britânicos entre 16 e 24 anos que disseram ter feito sexo com camisinha nas quatro semanas anteriores caiu de 43% para 36%, segundo a Pesquisa Nacional sobre Atitudes Sexuais e Estilos de Vida.
Nos Estados Unidos, o uso de preservativos entre estudantes do ensino médio sexualmente ativos também caiu de 62% para 54% entre 2007 e 2017, de acordo com o Centro para Controle de Doenças (CDC, na sigla em inglês).
No Brasil, dados do Ministério da Saúde apontam uma leve queda entre 2004 e 2013 no uso regular de camisinhas na faixa etária de 15 a 24 anos, tanto com parceiros eventuais – de 58,4% para 56,6% – como com parceiros fixos – de 38,8% para 34,2%.
Realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (Pense), feita com adolescentes de 13 a 17 anos, aponta na mesma direção: 35,6% não usaram preservativos em sua primeira relação sexual.
O mesmo estudo indica que, quanto mais jovem, menos frequente é o uso da camisinha. Enquanto 31,8% dos jovens de 16 e 17 anos não usaram preservativos em sua primeira relação sexual, o índice foi de mais de 40% entre jovens de 13 a 15 anos.
Ao mesmo tempo, as taxas de algumas ISTs dispararam. De acordo com a PHE, um jovem na Inglaterra é diagnosticado com IST a cada quatro minutos.
Pesquisas também apontam que aqueles com idade entre 16 e 24 anos correm mais risco de contrair uma IST, e mais da metade dos casos de gonorréia e clamídia em 2016 ocorreram em pacientes desta faixa etária, segundo dados do sistema de saúde pública britânico, o NHS.
Casos de ‘supergonorreia’, uma cepa da doença resistente aos antibióticos mais comuns, foram registrados no Reino Unido neste ano e no ano passado. E a sífilis também está em ascensão – em 2017, houve um aumento de 20% em relação a 2016, confirmando a tendência de alta nos últimos dez anos.
Embora os casos de clamídia tenham caído 2%, especialistas em saúde sexual alertam que cortes de orçamento podem estar impedindo os britânicos de acessar os serviços de diagóstico, embora o governo afirme que mais testes domiciliares são ofertados hoje em dia.
O Ministério da Saúde aponta que, no Brasil, o hábito de não usar camisinha teve um impacto direto no aumento de casos de HIV entre jovens. Na faixa etária de 20 a 24 anos, a taxa de detecção subiu de 14,9 casos por 100 mil habitantes, em 2006, para 22,2 casos em 2016. Entre os jovens de 15 a 19 anos, passou de 3,0 para 5,4 no mesmo período.
O governo tem um programa que oferece camisinhas masculina e feminina, lubrificantes, informação e aconselhamento a jovens de forma gratuita. Então, se os preservativos estão amplamente disponíveis e ainda são a única forma de contracepção que protege contra a maioria das ISTs, por que não são usados por todos?
Novas formas de contracepção
Um possível motivo para o declínio da popularidade dos preservativos é que outras formas de contracepção se tornaram mais populares com o tempo. O NHS notou um aumento na busca por contraceptivos reversíveis de ação prolongada (LARCs, na sigla em inglês), como implantes, injeções e dispositivos intrauterinos (DIUs).
O índice de mulheres que recorreram ao NHS por razões de contracepção que utilizavam um LARC subiu de 23% para 41% na última década. O implante contraceptivo só foi disponibilizado em 1999 e tem crescido em popularidade desde então.
Enquanto isso, o preservativo não teve uma grande mudança de design desde os anos 1950. Não há consenso entre especialistas sobre quando o primeiro modelo foi criado, mas se sabe que, na era medieval, era feito de intestinos de animais.
Os primeiros preservativos de borracha foram criados em meados do século 19. Inicialmente, foram projetados para cobrir apenas a cabeça do pênis – só depois passaram a revesti-lo completamente. As primeiras versões de látex – mais finas do que as de borracha – não foram produzidas até o início do século 20.
Hoje em dia, os preservativos são oferecidos em uma ampla variedade, com diferentes texturas e sabores. Há até mesmo versões que brilham no escuro. E há ainda o preservativo feminino, lançado em 1992, mas que nunca realmente fez sucesso.
Mas por que a popularidade deles está aparentemente caindo agora?
Menos medo do HIV
“Nos primeiros anos em que era sexualmente ativo, o fantasma do HIV era enorme”, diz Samuel*, hoje com 27 anos, sobre o medo e o estigma que cercavam o vírus quando ele estava no final da adolescência.
Além de ver a mídia tratar menos dos perigos do HIV nos últimos anos, Samuel, que é gay, também aponta para a disponibilidade de PrEP (profilaxia pré-exposição), uma droga que previne a infecção por HIV, e o desenvolvimento de medicamentos antiretrovirais que tornam o vírus indetectável e intransmissível. Hoje, as taxas de diagnóstico de HIV estão no seu nível mais baixo desde a virada do milênio.
Uma pesquisa encontrou uma ligação entre a adoção de PrEP e o declínio no uso de preservativos entre homens australianos com mais de 16 anos. O estudo com 17 mil homens que fazem sexo com homens descobriu que índice de uso de PrEP entre homens que não têm HIV aumentou de 1% para 16% entre 2013 e 2017, enquanto o uso consistente de preservativos caiu de 46% para 31%.
“Nossas descobertas sugerem que a rápida adoção de PrEP afetou o uso do preservativo”, disse o líder do estudo, Martin Holt, ao jornal britânicoThe Guardian. “No entanto, é muito cedo para tratar dos efeitos a longo prazo do aumento do uso de PrEP.”
A PrEP está disponível no NHS na Escócia e em alguns locais no País de Gales e na Inglaterra como parte de um projeto de teste, e também pode ser comprada pela internet. No Brasil, pode ser obtida gratuitamente no Sistema Único de Saúde (SUS) desde o fim de 2017.
Problemas de ereção
Mas abrir mão da cautela pode realmente ser broxante em alguns casos. Pesquisas americanas sugerem que o risco de gravidez indesejada e de contrair ISTs também pode reduzir a excitação de algumas pessoas, especialmente mulheres.
Esse é o caso de Laura*, de 24 anos. Ela sempre usou preservativos, mas esteve com um parceiro recentemente que não tinha uma camisinha à mão. Ela acabou contraindo verrugas genitais. Agora, sempre se protege com um novo parceiro ou com quem não está se relacionando exclusivamente.
Mas há gente para quem o constrangimento e a ansiedade que sentem ao usar preservativos podem resultar em problemas de desempenho. Nos oito anos desde que Josh*, de 26 anos, perdeu a virgindade, ele usou preservativo apenas uma vez. Sua antipatia surgiu depois de tentar usar camisinha com a primeira namorada.
“Não consegui ter uma ereção adequada. Acho que foi principalmente por nervosismo. Então, nunca usamos.” Ele admite agora que isso se deu em parte por suas preocupações com seu desempenho.
Cynthia Graham, professora de saúde sexual e reprodutiva da Universidade de Southampton, na Inglaterra, explica que problemas de ereção enquanto usa preservativos são mais comuns em homens mais jovens e mais velhos.
Um estudo de 2015 feito por pesquisadores americanos e britânicos com 479 homens heterossexuais com idades entre 18 e 24 apontou que quase 62% dos participantes relataram algum problema de ereção ao usar preservativo.
Preocupar-se que um preservativo causará perda de ereção pode fazer com que a profecia se cumpra, diz Graham. “Este é um dos mitos sobre a sexualidade masculina: que você deve sempre ter uma grande ereção. Se a ereção diminui um pouco quando se está colocando o preservativo, isso não significa que não será recuperada.”
Uma maneira de lidar com o problema é encontrar uma variedade de preservativos que funcione para você, diz Graham, cuja pesquisa mais recente está focada em maneiras de encorajar homens jovens a usá-los.
Algumas mulheres também relatam sentir dor ao usar preservativo, diz a especialista. “Há mulheres que afirmam sentir um desconforto real e, às vezes, dor.” Algumas relatam que os preservativos “ressecam”, algo que pode ser evitado com lubrificante extra, diz Graham.
Outra queixa que ela ouve regularmente – de homens e mulheres – é que preservativos reduzem o prazer sexual. “A perda de sensibilidade pode refletir o fato de as pessoas não estarem testando diferentes tipos de preservativos”, explica ela.
Estigma entre mulheres que fazem sexo casual
Hayley sente que ainda há um estigma associado à compra de preservativos, especialmente entre mulheres jovens. “Trabalhei em uma loja e notei que a maior parte do tempo que os preservativos eram comprados por homens. Mesmo que as mulheres queiram assumir o controle da situação, é preciso ter confiança para sair e comprá-los por conta própria.”
Graham diz ainda que algumas mulheres se preocupam que podem “perder um parceiro” se não estiverem dispostas a fazer sexo sem camisinha.
Cicely Marston, professora de saúde pública da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres, diz que o declínio do uso de preservativos pelos jovens não é necessariamente devido à falta de informação sobre os riscos.
“Há um estereótipo do jovem ignorante, como se não usar se resumisse a ser apenas uma escolha estúpida, mas essa percepção desconsidera o contexto social deles. Talvez eles se preocupem em não parecer estar ‘preparados demais’ para a hora do sexo ou saibam que seu parceiro não tem uma IST.”
De acordo com Marston, muitas pessoas temem parecer presunçosas ao ter um preservativo consigo.
Além de fazer suas próprias avaliações de risco em torno de ISTs com parceiros novos ou casuais, as pessoas também estão cientes de que os preservativos não são a única forma de prevenção da gravidez. Na verdade, Graham observa que “resultados de estudos consistentes” mostram que as pessoas tendem a mudar para outras formas de contracepção uma vez que entram em um relacionamento.
Então, alguma coisa pode ser feita para tornar os preservativos mais atraentes?
Novos tipos de preservativos
Uma pessoa que tenta responder a essa pergunta é a empreendedora americana Stacy Chin. Sua empresa está desenvolvendo um preservativo autolubrificante, uma iniciativa financiada pelo governo americano e pensado para encorajar o sexo seguro. Este preservativo permanecerá lubrificado durante pelo menos mil penetrações. O projeto está em fase de testes.
A empresa de Stacy surgiu a partir do trabalho de cientistas da Universidade de Boston, nos Estados Unidos, que respondeu a um chamado da Fundação Bill e Melinda Gates para projetos voltados para a “próxima geração de preservativos” em 2013. A fundação doou mais de US$ 1 milhão (R$ 4 milhões) para a pesquisa, mas o desenvolvimento do produto e sua aprovação podem custar muito mais e levar anos.
Um novo design já disponível é o de um preservativo de uma empresa sueca usa látex fino formado por meio de uma estrutura hexagonal forte. Isso ajuda a evitar o preservativo se rompa ou saia do lugar e permite que o calor do corpo atravesse o material. No entanto, embora possa ser comprado na internet, não está amplamente disponível nas lojas.
Enquanto há projetos que mudam os preservativos em si, a invenção do empreendedor britânico Mike Hore altera a maneira como os colocamos.
Seus preservativos vêm em pacotes com uma aba para facilitar a abertura e um aplicador que permite colocá-lo sem tocar no preservativo ou no pênis. Isso impede, por exemplo, que o preservativo seja posto do lado errado ou rasgue acidentalmente quando alguém tenta abrir a embalagem com os dentes.
De acordo com Hore, preservativos são frequentemente aplicados em momentos em que as pessoas estão distraídas e sob o efeito de “álcool ou até mesmo drogas”. Ele acredita que a melhor solução é ajustar seu design para garantir que sejam fáceis de usar, mesmo que alguém seja inexperiente ou esteja fazendo em condições adversas.
Estratégias para incentivar o sexo seguro
No futuro, os preservativos podem ser diferentes e aplicados de novas formas, mas esses modelos ainda estão longe de estar disponíveis. Então, o que pode ampliar por ora o sexo seguro?
A educação sexual deveria nos ajudar a nos comunicarmos melhor sobre sexo e a nos ensinar a cuidar de nossa saúde, mas a realidade é muitas vezes diferente.
Jovens entrevistados por Mark McCormack, professor de sociologia da Universidade de Roehampton, na Inglaterra, em um estudo financiado por uma fabricante de preservativos disseram que a educação sexual é básica demais e lhes ensinou pouco além de como colocar um preservativo – e essa aula muitas vezes ocorreu depois de fazerem sexo pela primeira vez.
Na pesquisa realizada com 30 pessoas, foram levantadas questões como o fato de a educação sexual não tratar das emoções ligadas ao ato sexual ou não incluir informações sobre sexo não heterossexual.
McCormack elogia a decisão do governo britânico de tornar a educação sexual compulsória nas escolas públicas do país a partir de setembro do próximo ano – os relacionamentos serão debatidos desde o ensino básico, enquanto o sexo estará no currículo do ensino médio.
Ele acrescenta que a educação sexual não deve se concentrar apenas em “reduzir os danos” mas também em envolver discussões sobre prazer, relacionamentos e o impacto da internet. “Se você entrar e disser ‘você deve usar preservativos’ de uma forma que não se conecte com a vida dos jovens, perde credibilidade.”