Propriedades que foram cobertas por lama após a tragédia de Brumadinho (MG) estão em uma área com potencial minerário. O tema já é debatido na comissão parlamentar de inquérito (CPI) criada pela Câmara dos Deputados para investigar o rompimento da barragem da Vale ocorrido em 25 de janeiro desse ano. A existência de uma jazida na região com aproximadamente 430 mil toneladas de minério de ferro pode impactar no valor das indenizações dos moradores que tiveram seus terrenos afetados.
O potencial minerário na região vem sendo estudado pela Vale há cerca de 13 anos. As pesquisas ocorrem dentro do Processo 832.055/2006 aberto no Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), órgão extinto em 2017 e substituído pela Agência Nacional de Mineração (ANM).
No início do mês passado, a Vale solicitou o sigilo das informações desse processo. “Os dados processuais não são acessíveis ao público externo, uma vez que possuem caráter sigiloso, tendo em vista seu conteúdo de dados econômicos/estratégicos de reservas de mercado da empresa”, informa a ANM em nota.
De acordo com o órgão, se houve pesquisa em determinado local, o proprietário da terra permitiu o ingresso dos técnicos da Vale para que os trabalhos fossem realizados. “Em caso positivo de descoberta de novas jazidas, o proprietário inclusive terá direito à participação dos lucros, caso haja exploração das reservas”, acrescenta a ANM.
No entanto, a transferência dos terrenos para a Vale tem sido incluída em acordos para indenizar os donos de propriedades cobertas pelos rejeitos que vazaram da barragem da mineradora na Mina do Feijão no dia 25 de janeiro. A Defensoria Pública de Minas Gerais, que acompanha essas negociações, informa que cerca de 20 acordos já foram concluídos e homologados pela Justiça. Nesses casos, os atingidos concordaram em repassar seus terrenos à mineradora, mas eles não tinham conhecimento da existência do potencial minerário.
“Se vier a acontecer a exploração nas propriedades que eram dessas pessoas, nós vamos procurar a Vale para que novos valores sejam pagos”, afirmou o defensor público Felipe Soledade. Ele ressaltou, porém, que o simples fato de haver uma jazida mineral no terreno não dá direito à indenização adicional.
“Isso não gera diferença de valoração do imóvel. A possibilidade de ter minério ali não influencia o valor da casa ou do sítio. As pessoas nem pesquisam se há minério de ferro debaixo de seus imóveis. Ninguém compra ou deixa de comprar uma casa por conta disso”. Segundo o defensor público, a materialização do prejuízo só se daria a partir do momento em que a Vale começasse uma exploração. “Aí vamos levantar as questões básicas. As pessoas deixaram de receber royalties da mineração? Quanto foi que deixaram de receber? Nós vamos buscar a reparação desse prejuízo”, assegurou.
A transferência das propriedades para a Vale tem sido uma condição imposta pela mineradora para assinar os acordos individuais de indenização. Essa exigência não existe, por exemplo, no caso da tragédia de Mariana (MG), que ocorreu em novembro de 2015, com o rompimento de uma barragem da Samarco, joint-venture da BHP Billiton e da própria Vale. Com o apoio do MPMG, os atingidos que perderam suas propriedades nos distritos destruídos de Bento Rodrigues e Paracatu, além de receber as devidas indenizações e de serem reassentados em novas casas nas comunidades que estão sendo reconstruídas, asseguraram o direito de manter a posse de seus antigos terrenos.
Procurada pela Agência Brasil, a mineradora afirma em nota que jamais realizará atividades de exploração minerária nas áreas descritas no Processo 832.055/2006. “O objetivo da Vale é definir a destinação da área abrangida em conjunto com autoridades e moradores da região, podendo criar um corredor ecológico, dentre outras iniciativas.”
Negociações
As bases para as negociações individuais extrajudiciais entre os atingidos e a Vale estão estabelecidas em um termo de compromisso assinado em abril entre a Defensoria Pública de Minas Gerais e a mineradora. O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) chegou a criticar esse caminho para a discussão das indenizações. O órgão considera que os moradores afetados na tragédia se enfraquecem individualmente. Assim, defende um processo coletivo para estabelecer parâmetros comuns em que os atingidos sejam orientados por assessorias técnicas independentes que eles mesmo escolham.
Para a Defensoria Pública de Minas Gerais, as tratativas individuais permitem uma rápida solução e garante recursos de imediatos, afastando o risco de que a reparação demore. “De que que adianta uma criança que perdeu o pai receber um valor daqui 20 anos? O que ela pode perder de oportunidades na sua vida em todo esse tempo? Pode, por exemplo, ter a possibilidade de estudar numa escola melhor, ter um acompanhamento de sua saúde com mais qualidade. São elementos que afetam o seu desenvolvimento”, destacou Felipe Soledade.
Segundo ele, o termo de compromisso firmado entre a Defensoria Pública e a Vale inclui dispositivos que permitirão cobrar novas indenizações no futuro. Ele afirmou que somente é dada quitação sobre os prejuízos conhecidos, o que abre espaço para pleitear os valores adicionais como no caso da possível exploração minerária. “O que nós já sabíamos desde início e fizemos constar no termo é que nem todos os tipos de danos podiam ser previstos. É possível que outros prejuízos sejam descobertos com o tempo. Esses novos danos que vierem a se tornar conhecidos devem ser objetos de novos acordos e, não havendo acordos, irão ensejar ações judiciais”, disse o defensor público.