Quatro em cada dez escolas de Minas não têm bibliotecas, conforme o Censo Escolar. A parcela corresponde a 6.314 instituições, públicas e particulares. O dado revela que o Estado está longe de atingir a meta de universalização dos espaços nas redes de ensino, que deveria ser alcançada em 2020. Faltando menos de um ano para o prazo estabelecido em uma lei federal de 2010, os colégios municipais são os mais atrasados: apenas 42% oferecem o recurso aos estudantes.
A falta de bibliotecários em cidades do interior, o entendimento equivocado do espaço como apenas um local que reúne livros e publicações e a escassez de recursos são algumas das razões apontadas por especialistas para o cenário atual.
Os prejuízos para o aprendizado são vários, incluindo consequências como o analfabetismo funcional e a disseminação de fake news. “Todo o processo pedagógico é afetado sem o estímulo à leitura e à pesquisa”, frisa o diretor estadual do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-UTE), Paulo Henrique Fonseca.
Primeiro contato
A presidente do Conselho Regional de Biblioteconomia (CRB), Marília Paiva, que também é professora e pesquisadora de políticas públicas na área da educação na Escola de Ciências da Informação (ECI) da UFMG, explica que as bibliotecas geralmente são os primeiros locais em que crianças em situação de vulnerabilidade socioeco-nômica têm contato com a cultura letrada.
“São importantes para os alunos cujos pais não compram livros, jornais ou revistas e não leem em casa. Essas crianças só vão ter contato com a leitura e a contação de histórias na escola. Sem essa interação, muitas passam pela sala de aula, mas não sabem se expressar na língua escrita”.
Sem hábitos de leitura na família, um estudante da 9° ano, de 14, conta que os únicos títulos que folheia são os didáticos. “Não tenho muito estímulo, então nem procuro literatura”, admite. Na Escola Estadual Afonso Pena, onde estuda, na capital, há uma biblioteca com 600 títulos para mais de 900 alunos, segundo a Secretaria de Estado de Educação (SEE). A lei 12.244 obriga que os acervos das instituições ofereçam pelo menos um livro para cada matriculado até 2020.
“Vamos poucas vezes à biblioteca, mas lá não tem quase nenhum livro. Quando precisamos fazer uma pesquisa, é raro encontrarmos o que estamos procurando”, diz outra estudante, também do 9° ano.
Checagem de dados
O trabalho no local também motiva o aluno a organizar e hierarquizar informações, entendendo quais fontes são seguras e confiáveis. A mediação, realizada por bibliotecários, ajuda eles a ter “independência de busca, acesso e uso da informação”, conforme ressalta o professor Eduardo Valadares, do Grupo de Estudos em Biblioteca Escolar (Gebe) da UFMG.
“É importante melhorar as bibliotecas. Mas é muito fácil para quem vive no luxo criar leis sem conhecer a realidade das cidades e sem enviar recursos” Julvan Lacerda, Presidente da Associação Mineira dos Municípios
“Sem as bibliotecas, o aluno fica em defasagem, porque elas o estimulam a ter autonomia e a aprender a filtrar a informação. Os estudantes têm, no próprio celular, acesso a vários tipos de informações, mas eles devem saber compreender quais são as boas, de qualidade, quais fontes são confiáveis, se um texto é jornalístico, científico ou opinativo”, ressalta.
Déficit
Em Minas, há apenas um curso superior presencial de biblioteconomia oferecido por universidade pública: o da UFMG, no campus Pampulha. Uma das soluções para resolver o déficit de bibliotecas no Estado seria, conforme os professores, ofertar graduações a distância (EAD), com formação pela internet.
“É difícil fazer com que uma pessoa saia da capital para poder morar no interior, assim como é complicado alguém que não vive em BH vir fazer quatro anos de curso aqui e depois voltar para a sua cidade. Temos que ter profissionais adequados em todos os lugares”, afirma Eduardo Valadares.
Incompletas, salas de leitura não garantem aprendizado
Parte das escolas que não tem biblioteca oferece aos alunos uma sala de leitura. Em todo o Estado, são 2.096 instituições nessa situação. Embora os dois termos pareçam falar de um mesmo lugar, que concentra livros, possuem conceitos diferentes. No Censo Escolar, realizado pelo Instituto Nacional de Ensino e Pesquisa Anísio Teixeira (Inep), as salas são “espaços reservados aos alunos para consultas, leituras e estudos”. Já as bibliotecas, têm definição mais ampla: “geralmente organizado por um bibliotecário, o local dispõe de coleções de livros, materiais videográficos e documentos (em papel, filme, CD, DVD), destinados a estudo, consulta, pesquisa ou leitura”.
Uma professora de uma escola estadual de Santa Luzia, na Grande BH, que pediu para não quis ser identificada, explica que os livros ficam guardados no colégio, que não possui biblioteca. Estudantes interessados em consultar as obras devem ir até o local por conta própria. “De vez em quando, nós, docentes, fazemos projetos de leitura e pegamos alguns títulos para incentivar, mas falta o espaço dque atende a outras normas”, compara.
Especialistas garantem que não basta apenas “uma sala cheia de livros com alguém tomando conta” para garantir o aprendizado. “O bibliotecário conhece o acervo, o público, e desenvolve atividades e serviços para cada tipo de usuário. Por exemplo, clubes de leitura, que funcionam muito bem com adolescentes, não são eficazes para crianças. Nesse caso, a contação de histórias é mais adequada, porque mesmo que os mais novos não saibam ler, já estão entrando no mundo letrado por incentivo da biblioteca”, diz a presidenta do CRB, Marília Paiva.
Além Disso
BH é apontada como cidade modelo na implementação de bibliotecas escolares pela presidente do Conselho Regional de Biblioteconomia (CRB), Marília Paiva. Há a estrutura em todas as unidades de ensino fundamental da capital. Ficam de fora as 145 Escolas Municipais de Ensino Infantil (Emeis), que devem contar com o espaço até 2022, segundo a Secretaria Municipal de Educação (Smed). “Todas as Emeis têm o cantinho de leitura e em aproximadamente 20 unidades existem espaços classificados como biblioteca. Atualmente, nas instituições infantis há em torno de cinco títulos por criança”, informa nota da pasta.
Já o governo de Minas afirma que mais de 94% das 3.620 escolas da rede contam com bibliotecas ou salas de leitura. A Secretaria de Estado de Educação (SEE) diz que “estuda mecanismos de atuação na política de uso e fomento das bibliotecas das escolas públicas estaduais, com o objetivo de universalizar e melhorar as unidades já existentes”. Segundo a SEE, na escola Afonso Pena todos os estudantes podem realizar empréstimos de títulos. Além disso, há aulas de biblioteca na grade dos alunos do 1° ao 5° ano, “lecionadas por dois professores exclusivos para o conteúdo”.