Doze mil reais. Esse é o valor que chega a ser pago por um preso para ter um celular nas maiores penitenciárias mineiras, como a Nelson Hungria, em Contagem, na Grande BH. A entrada do telefone no interior das cadeias é facilitada por falhas na revista, ausência de tecnologia, investimento escasso e corrupção de agentes.
Só nos quatro primeiros meses deste ano, a média é de 20 aparelhos apreendidos por dia nos presídios. De janeiro a abril, mais de 2,4 mil foram recolhidos em varreduras nas celas ou no pente-fino antes das visitas. O dado é da Secretaria de Estado e Administração Prisional (Seap).
Nas mãos dos detentos, quando a fiscalização não é efetiva, os equipamentos servem para manter contato com familiares, mas também ajudam a cometer crimes, mesmo atrás das grades. Com os celulares, os encarcerados, ordenam sequestros, queima de ônibus e assaltos a bancos, dentre outros delitos.
Há pouco mais de uma semana, quatro smartphones, seis carregadores, quatro chips e uma antena para garantir o sinal nas ligações foram encontrados dentro de marmitas que seriam entregues na Nelson Hungria. Um dia antes, a Polícia Civil já havia informado que 28 sequestros foram comandados por detentos do mesmo complexo prisional, desde janeiro de 2018.
Entrega
Além de colocar os celulares em marmitas, os próprios familiares e comparsas dos presos tentam, durante as visitas, levar telefones escondidos pelo corpo. Jogar os aparelhos por cima de muros, principalmente em unidades do interior do Estado, também é comum.
Especialistas são unânimes em apontar que o cenário é gravíssimo. “É uma péssima evidência. A prisão se torna um escritório do crime. Perde a eficácia e qualquer capacidade de ressocialização”, alerta o especialista em segurança pública Luís Flávio Sapori.
O professor universitário defende que as autoridades invistam mais em fiscalização, como nos sistemas de bloqueadores de sinal. Sapori também acredita em ações focadas em unidades consideradas, segundo ele, mais problemáticas, como a Nelson Hungria, Bicas 1 e 2, em São Joaquim de Bicas, e Dutra Ladeira, em Ribeirão das Neves. “Se os recursos estão curtos, é preciso priorizar os locais com perfis mais graves de criminosos”.
A proposta é compartilhada pelo presidente da Comissão de Assuntos Penitenciários da OAB-MG, Anderson Marques. Para o advogado, a superlotação das celas – hoje são 72 mil acautelados, mas a capacidade do sistema é de 32 mil vagas – contribui para o cenário. “Isso custa a ressocialização dos indivíduos e facilita a entrada de ilícitos como drogas, celulares, armas”.
Outra problema grave apontado é o déficit no número de agentes penitenciários. Conforme a Seap, 16 mil pessoas compõem o quadro atual.
“Se um telefone é encontrado em uma cela, por exemplo, algum atendimento vai ser paralisado para intensificar a vistoria. Porque se encontrou um, vai achar mais. E isso vai atrapalhar todo o funcionamento da unidade”, acrescenta Anderson Marques.
Telefone fica com ‘chefões do crime’, que alugam para colegas
Bandidos de alta periculosidade, condenados por crimes graves e encarcerados há mais tempo são os que mais conseguem obter celulares. Alguns, não raro, “alugam” os telefones para que outros detentos façam ligações.
“É uma questão estratégica. Nem sempre vai estar com o dono. Eles pagam um valor para outro preso ficar com o aparelho, principalmente nos horários de revista”, revela o presidente do Sindicato dos Agentes de Segurança Penitenciária de Minas, Adeílton Rocha.
Conforme ele, as apre-ensões são rotineiras e diversificadas. Os modelos encontrados também são variados, dos antigos aos mais modernos. “Todos os fins de semana a gente localiza aparelhos introduzidos no corpo dos visitantes”.
Segundo ele, os recolhimentos são mais frequentes em unidades maiores. “Falta uma tecnologia de bloqueador de sinal atualizada para redes 4G e até 5G. A Nelson Hungria tem um sistema, mas está completamente obsoleto”, conta. Ele admite que há casos de corrupção, mas garante que, sempre que identificados, os responsáveis são conduzidos à polícia.
Pelo muro
Ex-presidente da Comissão de Assuntos Penitenciários da OAB/MG e estudioso do sistema prisional há 16 anos, o advogado Fábio Piló reforça que, em cidades do interior, muitos celulares são atirados por cima das muros dos presídios. “Essas unidades, às vezes, estão em lugares de grande circulação de pessoas, as muralhas são baixas”, conta.
Cadeia aos comparsas
Coordenador estadual do Instituto de Ciências Criminais do Brasil, Eduardo Milhomens explica que as pessoas flagradas tentando entrar com celulares nos presídios podem ser presas, ficando de três meses a um ano atrás das grades. “Pode responder por associação criminosa e organização criminosa”.
Milhomens reforça que agentes penitenciários que facilitam o acesso também podem responder por corrupção ativa, com pena de dois a 12 anos de reclusão.
Além Disso
Atualmente, 21 presídios mineiros têm scanner corporal e seis, bloqueadores de sinal de celular. Segundo a Seap, todos “estão ativos”. No entanto, os equipamentos demandam atualizações constantes, “feitas de acordo com a disponibilidade financeira do Estado”. Só o da Nelson Hungria é mantido pelo governo de Minas. Os demais contam com parceria com o poder judiciário. Conforme a Seap, fatos comprovados de desvio de conduta são “devidamente punidos de acordo com a legislação em vigor”. A pasta disse que denúncias recebidas são apuradas com celeridade no Estado.
Sobre a recomposição dos quadros, parte dos aprovados em um processo seletivo estão sendo convocados. Até o momento, 322 candidatos foram chamados. Pelo concurso, 3,9 mil pessoas se tornaram aptas a exercer a função. Reuniões constantes, com diversos órgãos, são feitas para tratar da superlotação. “A Seap está debruçada sobre todas as questões sensíveis ao sistema prisional e trabalha para concretizar a abertura de novas vagas e para viabilizar recursos que contemplem o investimento em tecnologia e reestruturação física das suas unidades prisionais”, informou, por meio de nota.