G1
O Senado aprovou nesta quarta-feira (26/06) o projeto que estabelece um pacote de medidas anticorrupção no qual foi incluída a punição para juízes e integrantes do Ministério Público que cometerem abuso de autoridade.
O projeto foi aprovado pela Câmara em 2016 e como sofreu alterações no Senado terá de ser reanalisado pelos deputados.
A proposta tem origem em um texto de iniciativa popular apresentado em 2015 e defendido pelo Ministério Público, conhecido como o projeto das 10 medidas contra a corrupção.
O pacote recebeu mais de 2 milhões de assinaturas de apoio. Quando passou pela Câmara, foi alterado por deputados. À época, as mudanças foram alvo de críticas, e a Câmara foi acusada de desfigurar o projeto.
Desde 2017, o texto estava parado no Senado. Há duas semanas, o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG) apresentou relatório ao texto, modificando vários pontos.
Esse parecer foi aprovado mais cedo, nesta quarta, pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado e seguiu para análise do plenário.
A análise do projeto acontece três semanas depois de o The Intercept revelar mensagens atribuídas ao ministro da Justiça, Sérgio Moro, e a integrantes da Lava Jato. Segundo o site, as mensagens mostram que Moro, ainda como juiz, orientou a atuação de procuradores, o que ele e o Ministério Púbico negam.
Abuso de autoridade
Pelo texto aprovado pelo Senado, o magistrado incorrerá em abuso de autoridade se:
- proferir julgamento quando impedido por lei;
- atuar com “evidente” motivação política;
- expressar opinião, por qualquer meio de comunicação, no meio do processo (só poderá se manifestar por meio do voto ou decisão);
- exercer outro cargo (ser professor está autorizado);
- for sócio de empresas (pode ser somente acionista);
- receber recompensa (financeira, por exemplo) por atuação em processos.
O projeto prevê que integrantes do Ministério Público cometerão abuso de autoridade se:
- instaurarem processo sem provas e indícios suficientes;
- recusarem a praticar sua função;
- receberem incentivo financeiro no decorrer do processo;
- atuarem como advogados;
- expressarem, por qualquer meio de comunicação, “juízo de valor indevido” no meio de processo que ainda não foi concluído (o integrante do MP poderá fazer críticas nos autos, em obras técnicas ou ao dar aulas);
- atuarem com “evidente” motivação político-partidária.
O texto também prevê punição para juízes e procuradores que violarem alguns direitos de advogados, como o de se comunicar com o cliente reservadamente.
Punições previstas
Conforme o texto aprovado pelo senado:
- a autoridade que violar as regras estará sujeita à pena de detenção de 6 meses a 2 anos, além de multa;
- a detenção será aplicada em condenações mais leves e não admitirá o início do cumprimento em regime fechado.
Pela proposta, estará configurado o crime de abuso de autoridade quando o juiz ou o procurador atuar com a finalidade específica de prejudicar uma pessoa ou de beneficiar a si mesmo ou a terceiros, por “mero capricho ou satisfação pessoal”.
O texto determina ainda que a divergência na interpretação da lei e das provas não configurará abuso. Na prática, esse item visa evitar a chamada “criminalização de hermenêutica” ou seja, da interpretação das leis.
Outros pontos
Ainda de acordo com o projeto:
- qualquer pessoa poderá denunciar um magistrado se identificar abuso de autoridade;
- se a pessoa não tiver documentos que comprovem o crime, precisará indicar o local onde as provas podem ser encontradas;
- os crimes de abuso de autoridade serão processados por ação penal pública.
Repercussão
Em uma rede social, o coordenador da força-tarefa da Operação Lava Jato, Deltan Dallagnol, criticou o projeto, chamando a proposta de “retrocesso”. Disse que a redação tem “pegadinhas” e citou o trecho sobre queixa subsidiária.
Para Dallagnol, esse ponto cria a possibilidade de o investigado “investigar e acusar o próprio investigador”.
À colunista do G1 e da GloboNews Andréia Sadi, o relator Rodrigo Pacheco (DEM-MG) negou que a proposta tenha “pegadinha”. Afirmou que o texto “pune excessos”.
Caixa 2 eleitoral
O projeto também tipifica o crime de caixa 2 eleitoral, que consiste em não declarar recebimento de dinheiro em campanha eleitoral.
Atualmente, não há legislação que defina esse crime. Quando um político o comete, é enquadrado em artigo do Código Eleitoral sobre falsidade ideológica, com pena de até cinco anos de reclusão.
O crime, conforme o projeto, será classificado por “arrecadar, receber ou gastar o candidato, o administrador financeiro ou quem de fato exerça essa função, ou quem atuar em nome do candidato ou partido, recursos, valores, bens ou serviços estimáveis em dinheiro, paralelamente à contabilidade exigida pela lei eleitoral”.
A pena será reclusão de dois a cinco anos. Se a fonte do dinheiro for ilegal, proveniente de crime, as penas podem aumentar de um a dois terços. Quem fornecer ou doar os recursos também pode ser punido.
Compra de votos
O projeto também criminaliza a compra de votos. O texto inclui, no Código Eleitoral, reclusão de um a quatro anos e multa para quem “negociar ou propor a negociação” de voto em troca “de dinheiro, ou qualquer outra vantagem”.
Corrupção como crime hediondo
O texto inclui a corrupção e outros crimes na lista dos hediondos, que têm penas mais severas
Segundo a proposta, serão considerados crimes hediondos:
- peculato: desvio de recursos públicos pelo político ou funcionário que o administra;
- corrupção ativa: consiste em oferecer dinheiro ou bens para que o político faça algo em seu favor;
- corrupção passiva: solicitar ou receber vantagem indevida;
- corrupção ativa em transação comercial internacional;
- inserção de dados falsos em sistema de informações;
- concussão: exigir vantagem indevida;
- excesso de exação qualificado pelo desvio: quando um funcionário público exige um pagamento que ele sabe, ou deveria saber, que é indevido;
- quando a vantagem ou o prejuízo para a administração pública for igual ou superior a dez mil salários mínimos vigentes à época do fato.