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Cifras em profusão e o pouco detalhamento do acordo comercial anunciado ontem entre o Mercosul e a União Europeia (UE) deixam dúvidas sobre como será o ganha-e-perde do tratado, embora histórico para o Brasil e Minas Gerais, segundo maior exportador do país, com parceiros europeus antigos na sua balança de comércio internacional. A expectativa é de que, como o Brasil, Minas ganhe a oportunidade de aumentar as suas exportações, uma vez estruturando melhor os seus setores de peso no mercado externo, notadamente o café,complexos da soja e outros itens do agronegócio. Isso valeria, em princípio, não só para a Europa, diante do compromisso da UE de liberar 99% das suas importações de produtos agrícolas com origem no Mercosul, mas também para outros países, tendo em vista a qualificação das vendas externas mineiras em razão do acordo.
O estado sai, ainda, favorecido com o reconhecimento de produtos “distintivos do Brasil”, de acordo com informações do Ministério da Economia. Serão assim reconhecidos pelos europeus a cachaça, queijos, vinhos e cafés, itens típicos da produção mineira e que participam da pauta de embarques regulares ao exterior. Significa reconhecer que se trata a capacidade ‘brasileira’ nesses itens e garantir que eles não sejam desbancados nos mercados alcançados, tanto quanto internamente, por concorrentes sem a mesma classificação.
Do ponto de vista das perdas, ficou a impressão de que a indústria poderá sofrer impactos desfavoráveis, com cotas não divulgadas para cruzar fronteiras e pisar na Europa. É o caso das carnes bovina, suína e de aves, açúcar, etanol, arroz e mel. A notícia provoca apreensão, avaliou ontem o presidente da Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg), Flávio Roscoe.
“É preciso entender melhor e avaliar as condições de liberação do comércio previstas no acordo. Estamos um pouco apreensivos com o impacto do acordo para a indústria, na expectativa se, de fato, tenham sido observados os interesses de ambas as partes (não só da União Europeia, mas do Mercosul)”, afirma. A indústria sucroalcooleira, segmento que participa de grande parte das exportações de Minas Gerais poderia ser afetada pelo tratado.
Mais de 90% das exportações do Mercosul para a União Europeia terão as tarifas zeradas em até 10 anos após a assinatura do acordo entre os dois blocos. De acordo com documento divulgado pelo governo brasileiro, os outros 10% das exportações terão acesso preferencial com quotas e tarifas reduzidas. Isso expõe a competição com os europeus em condições de igualdade.
A União da Indústria de Cana-de-Açúcar (UNICA) comunga das preocupações da Fiemg em nota divulgada ontem, na qual diz que ambos os blocos serão substancialmente beneficiados pela parceria comercial, mas reclama da definição de cotas de acesso ao mercado europeu. “Limita o atendimento da demanda do mercado europeu pelo setor sucroenergético”, afirma. Segundo produtor de açúcar do Brasil, Minas é também forte exportador do produto e o quarto maior produtor de etanol brasileiro.
POTENCIAL
O agronegócio, de fato, surgiu como o grande beneficiado pelo acordo com a União Europeia, que, para analistas de comércio exterior, tem o mérito de acabar com o isolamento do Mercosul. Minas conta pontos nesse aspecto, uma vez que as exportações mineiras de alimentos in natura e processados representaram, de janeiro a maio deste ano, quase 32% das vendas externas do estado.
A receita do agronegócio somou US$ 3,197 bilhões, com crescimento de 3,71% frente aos cinco meses analisados do ano passado, frente ao toral de US$ 10,075 bilhões que Minas apurou no exterior. O estado mantém parceiros comerciais tradicionais nessa área, como Itália, França e Bélgica, recorda Aline Veloso, coordenadora da Assessoria Técnica da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais (Faemg). As vendas externas dos cafés mineiros respondem por 46,8% das exportações do agronegócio do estado.
“Como as nossas exportações são fortes, há potencial para expansão do embarque de uma gama ainda maior de produtos. O acordo, no geral, traz mais transparência de regras e pode promover melhor ambiente de negócios e atração de investimentos para o estado e o país”, afirma Aline Veloso. Em contrapartida, a especialista lembra que adequações de produtos devem ser demandadas, assim como melhor preparação dos produtores brasileiros. “É um caminho natural, tendo em vista a estrutura mais robusta que as exportações podem ganhar”, afirma a especialista da Faemg. As negociações para o tratado levaram 20 anos.
DESTINO
A Europa é destino de quase 18% das exportações do agronegócio brasileiro. Entre os dispositivos do documento acertado está a eliminação de tarifas na exportação de 100% dos produtos industriais.
Segundo os órgãos do governo, o acordo permitirá ao país aumentar em quase US$ 100 bilhões as exportações para o bloco europeu. O Ministério da Economia afirmou, ainda, que o acordo representará incremento de US$ 87,5 bilhões em 15 anos ao Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. Esse incremento pode chegar a US$ 125 bilhões se consideradas a redução das barreiras não tarifárias e o aumento esperado na produtividade total dos fatores de produção. Também se espera que o aumento de investimentos no País seja da ordem de US$ 113 bilhões.Quanto aos produtos agrícolas brasileiros, suco de laranja, frutas e café solúvel terão suas tarifas eliminadas para exportação para o bloco europeu. (Com agências)
O QUE MUDA
Pontos do acordo
. A União Europeia se comprometeu a liberar 99% do comércio de produtos agrícolas. Para 81,7% deles, haverá eliminação de tarifas, e, para 17,7%, serão aplicadas cotas e outras formas de tratamento preferencial. É o caso das carnes bovina, suína e de aves, açúcar, etanol, arroz e mel, que ficarão sujeitas a cotas de acesso ao mercado europeu. Cerca de 100 produtos que não foram informados, ficaram de fora do acordo.
. A negociação estabelece prazos e procedimentos para protocolos sanitários, fitossanitários e normas técnicas, para facilitar o acesso aos mercados e evitar medidas consideradas injustificadas ou arbitrárias
. Garante maior previsibilidade e transparência regulatória devido à redução de inspeções físicas, harmonização de procedimentos aduaneiros, entre outros aspectos.
Em se tratando de bens industriais, a União Europeia vai liberar todo o seu mercado, sendo 80% na forma de liberalização imediata. Os países do Mercosul prometeram liberalizar 80% dos seus setores considerados sensíveis num prazo de até 15 anos.
Entre 10 anos, no mínimo, e 15 anos, no máximo, haverá redução tarifária de 60% da oferta de produtos industriais do Mercosul.
Estima-se que cerca de 85% das exportações do Mercosul para a UE sofrerão eliminação imediata de tarifas. Para o setor de serviços, foi estabelecido que empresas de ambos os blocos terão acesso aos dois mercados nas mesmas condições que companhias nacionais
Passo a passo
. Anunciado o acordo, o texto seguirá para revisão técnica e tradução pelas partes e, então, encaminhado para as devidas assinaturas
. O Palácio do Planalto encaminhará o acordo à apreciação no Congresso Nacional, assim como o Conselho Europeuo enviará ao Parlamento para aprovação