Proposta para enxugar as aposentadorias e fortalecer o caixa do Brasil, a reforma da Previdência pode puxar o Produto Interno Bruto (PIB) nacional para baixo, conforme aponta estudo da Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Com menos dinheiro circulando na praça, na primeira década o índice pode variar de -1,5 ponto percentual a 2,66 pontos percentuais em uma hipótese mais otimista, a depender dos investimentos privados que entrarão no país e da renda das famílias. A desigualdade também pode aumentar. Foca Lisboa/UFMG
Realizada por uma equipe da UFMG em parceria com um pesquisador da Universidade de São Paulo (USP), o levantamento teve como objetivo captar os impactos socioeconô-micos, pouco abordados pelo governo. “Muito se falou sobre a questão fiscal e a necessidade de economizar para aliviar o caixa do governo com a Previdência, mas a abordagem com relação aos impactos econômicos na renda das famílias ficou de fora. E isso nos incomodou”, pondera a professora da Faculdade de Ciências Econômicas (Face) e pesquisadora do Cedeplar, Débora Freire Cardoso.
Ela explica que a pesquisa simulou dois cenários. No primeiro, extremamente otimista, o investimento do poder privado no país com a reforma da previdência é similar à economia do governo com a proposta. Ou seja, para cada real economizado, outro real entra no país por meio de aportes de empresas interessadas em se instalar aqui, ou de corporações que queiram ampliar as operações.
Neste caso, se o governo conseguisse economizar R$ 1 trilhão com a reforma, o país receberia o mesmo montante em aportes na primeira década após a medida. Como reflexo, o PIB seria elevado em 2,66 pontos percentuais. Em 2020, por exemplo, a expectativa do Banco Central, conforme divulgado ontem no relatório Focus, é a de que o PIB seja de 2,2%. Se o recurso projetado fosse injetado, o índice saltaria para 4,8%.
E o contrário também foi levado em consideração. Neste caso, a reforma não atrairia recursos externos, puxando o PIB em 1,6% para baixo em uma década. E é aí que está o problema. Ainda com base no Relatório Focus, o índice cairia para 0,6% em 2020. E o motivo é simples. Com a renda afetada, as famílias deixariam de consumir, impactando diretamente comércio e indústria.
A pesquisadora enfatiza que o país não passaria ileso sem alterações nas regras que regem a aposentadoria, mas critica o texto final da reforma e o fato de alguns economistas e o governo federal, especificamente, estarem apostando “todos os ovos na mesma cesta”. “Não há garantia de que os investimentos vão responder diretamente à reforma. É uma expectativa, não uma certeza”, pondera.
Ela cita, ainda, o economista ganhador do prêmio Nobel de Economia Paul Krugman, que cunhou o termo “fada da confiança”, quando há a promessa de que a economia ressuscite por meio de uma varinha de condão, levando em consideração mais promessas do que fatos.
“Muito se falou sobre a questão fiscal e a economia para aliviar o caixa do governo com a Previdência, mas a abordagem com relação aos impactos na renda das famílias ficou fora. Isso nos incomodou”
Débora Freire Cardoso
Pesquisadora do Cedeplar
“Os investimentos esperados dependem de várias questões como infraestrutura e reforma tributária, entre outros. Não há garantia de que tudo vá se resolver após a reforma (da Previdência), é uma expectativa”, diz.
Débora afirma, ainda, que a desigualdade pode aumentar após a reforma. Um dos motivos é o fato de algumas categorias terem privilégios mantidos. Entre elas, os militares, que continuam aposentando com salário integral.
Em contrapartida, quem se aposenta pelo Regime Geral da Previdência Social (RGPS) tem vários cortes, inclusive na renda. Hoje, o teto para os trabalhadores do poder privado é de R$ 5.839,45.
“A maioria, no entanto, recebe salário mínimo. E, pelas novas regras, essas pessoas vão trabalhar mais até terem o direito de se aposentar, aumentando a desigualdade”, diz.
Por outro lado, ainda é proporcionalmente pequena a quantidade de pessoas que integram categorias do Regime Próprio da Previdência Social (RPPS) que entrou na reforma. Neste caso, houve aumento de até 22% na alíquota de contribuição.
“Como esses salários são mais altos, a alíquota maior faz com que esses contribuintes ajudem a reduzir a desigualdade. Mas ainda são poucas pessoas, quando levamos em consideração a quantidade de categorias que ficaram de fora”, lamenta Débora.
“Não validamos esse estudo. O que trava o investimento é o elevado nível de incerteza e a reforma da Previdência reduz o déficit fiscal e a percepção de insolvência”
Daniela Britto
Gerente de Economia da Fiemg
Para economistas, rendimento do brasileiro não corre risco
Embora a reforma da Previdência esteja baseada em aposentadorias mais enxutas, economistas e representantes do comércio e da indústria rechaçam a possibilidade de a renda do brasileiro ser reduzida. De acordo com eles, como as pessoas trabalharão mais tempo (a contribuição deverá ser de 40 anos para aposentadoria integral), a renda será mantida. Porém, os salários pagos serão arcados pelo poder privado.
Como reflexo, os especialistas afirmam que não haverá redução do poder de compra das famílias e, consequentemente, o PIB não será afetado.
“Não validamos esse estudo. O que trava o investimento é o elevado nível de incertezas, e a reforma da Previdência reduz o déficit fiscal e a percepção de insolvência, permitindo ao governo atrair investimentos e promover taxas maiores de crescimento econômico, aumentando o consumo e criando um círculo vicioso”, afirma a gerente de Economia da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), Daniela Britto.
O coordenador do curso de Economia do Ibmec, Márcio Salvato, concorda. De acordo com ele, o trabalhador ficará mais tempo no mercado de trabalho para garantir uma renda maior. “Essa economia não acontece porque o governo está pagando menos. Ela acontece porque as pessoas demoram mais a se aposentar e aliviam os cofres públicos. É possível até que o rendimento fique mais alto do que se as pessoas estivessem aposentadas”, diz.
Ele afirma, ainda, que o mercado dependia dessa sinalização para saber que é possível e rentável investir no Brasil. “O governo mostrou que consegue o apoio necessário da Câmara, mostrando que consegue negociar politicamente e sinalizando um ambiente político favorável”, observa Salvato.
A economista da Câmara dos Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte (CDL BH), Ana Paula Bastos, acredita que as mudanças na aposentadorias são necessárias para atrair os investimentos. No entanto, ela pondera que, passada a reforma da Previdência, o governo federal precisará intensificar a agenda econômica.
“As reformas estruturais têm que ser feitas para refletir na queda da taxa básica de juros, a Selic. Dessa forma, o crédito será mais amplo”, comenta.Editoria de Arte