Não há como negar. Envelhecer é inevitável – pelo menos para quem deseja realizar o “parabéns para você” e colecionar muitos anos de vida. Mas, embora faça parte do curso natural, ainda há quem não assimile bem a chegada das rugas e dos cabelos brancos, tampouco consiga lidar com as transformações que virão na bagagem da idade.
Na última semana, uma brincadeira, febre no Instagram, propôs uma espécie de viagem no tempo. Por meio de um app que “envelhecia” o rosto das pessoas, milhares de usuários – dentre anônimos e famosos – descobriram-se modificados. Houve quem escolhesse compartilhar a experiência só por 24 horas, nos stories. Outros registraram a mudança no feed, por tempo indeterminado.
A publicitária Juliana, de 38 anos, por exemplo, relutou no princípio, mas acabou cedendo à curiosidade de participar da brincadeira. “Saber a forma como vou envelhecer é algo que vira e mexe vem à minha cabeça. A primeira impressão foi a de que fiquei parecida com minha avó paterna – uma mulher vaidosa nos primeiros anos da velhice, mas que, depois, se largou. Não quero seguir o mesmo caminho dela”, conta a moça, que preferiu omitir o sobrenome.
Desconforto
Assim como a publicitária, muitas pessoas, sobretudo mulheres, compartilharam, além do estranhamento com a imagem criada, o desconforto com a possibilidade de viver, no futuro, com as mesmas feições simuladas pelo aplicativo. O medo, na avaliação da psicóloga Daniela Queiroz, tem relação com as interpretações que costumamos dar à velhice.
“Diferentemente dos países orientais, como o Japão, os ocidentais não valorizam o amadurecimento. No caso das mulheres, a beleza é tida como referencial de poder. Para os homens, representa virilidade”, explica.
A profissional ressalta, entretanto, que ignorar a reflexão é fugir do inevitável. As projeções do IBGE para 2060 indicam que os brasileiros começarão a viver num funil etário, ou seja, com uma população maior de idosos do que de jovens – o oposto da realidade da década de 1980. A expectativa é a de que, em 40 anos, um quarto do país tenha mais de 65 anos.
Óbvio, mas leve
“Envelhecer é condição natural para todos, isso significa mudar a aparência física. E tudo bem. O mais importante dessa conversa toda é começarmos a lidar com o óbvio de uma maneira mais leve. O app mostra o quão importante é esse movimento de empoderamento feminino. As mulheres, principalmente, precisam sair dos seus entornos e colocar a cara para frente. Os homens não parecem tão receosos”, diz.
Psicóloga especialista em atendimento a mulheres, Karina Mendicino concorda. Para ela, o Desafio do FaceApp deixou transparecer crenças sociais e medos pessoais, que acabam se misturando. “Como definir o que é algo do âmago do seu ser ou socialmente imposto?”.
Na opinião dela, não estamos preparados nem mesmo para nos tornar adultos. “Vejo um despreparo cada vez maior dos jovens para as responsabilidades e frustrações da vida adulta e isso se manifesta em quadros de tristeza e depressão diante da constatação de que a vida envolve esforço e concessões. Parece haver uma ideia de que a juventude é eterna. Não estamos sendo preparados para as mudanças e as limitações da velhice”, argumenta.
Mais de 100 milhões de pessoas baixaram o aplicativo até a última quinta-feira. No Instagram, há quase 1 milhão de menções a hashtags como #FaceAppChallenge e #FaceApp.
Cabelo ‘jovem’ ilustra padrão de beleza imposto à mulher
A brincadeira virtual promoveu, em alguns, uma reflexão real sobre a valorização excessiva que se tem da juventude feminina. Motivada pela experiência do irmão, publicada no grupo de mensagens da família, a jornalista Bruna Bauer, de 36 anos, decepcionou-se ao encarar o desafio.
“Quis materializar meu ideal de velhice. Mas o fato de o cabelo não ter envelhecido (nem um pingo) me frustrou. Quando vi minha ‘transformação’, não vi a ‘versão vovó Marilinha’ (avó paterna). Vi uma imagem muito diferente da que imagino pra mim. Acredito que cada linha do rosto e cada fio de cabelo branco tenham uma história para contar. Por que os homens adoraram se ver velhos, de cabeça e barba branca, e às mulheres o aplicativo sequer deu a opção grisalha?”. Jo Moreira/Divulgação
“A vovó Marilinha (na foto) é uma mulher linda, de cabelos e rosto 100% naturais, que nunca temeu rugas, idade, maturidade e é em quem me espelho muito. Quero ser como ela ‘quando crescer’. Acho a estética envelhecida linda, mágica, encantadora, natural. E almejo envelhecer naturalmente” – Bruna Bauer, jornalista
No app, há diferenciação entre o envelhecimento proposto aos homens, que ganham, quase sempre, barba e cabelos brancos, em relação ao proporcionado às mulheres. Nelas, somente os traços faciais são alterados.
“Quando me transformei num homem e, daí, peguei a foto desse jovem para fazer a versão idosa, automaticamente os cabelos ficaram grisalhos. Se as rugas podem existir, por que os cabelos brancos não foram permitidos?”, questionou a jornalista.
Feminino x masculino
Psicóloga especialista no atendimento a mulheres, Karina Mendicino diz que, ao contrário do masculino, que simboliza o padrão da espécie humana, o feminino carece de representações não limitadas pelas ideias de beleza, servidão, docilidade, delicadeza e dedicação ao outro.
“No imaginário social, a mulher é tanto mais mulher quanto mais bela e jovem for. A feminilidade é medida pela juventude, que está associada à fertilidade. Isso revela o quanto ainda medimos as mulheres pela disposição em cumprir com seu principal papel: gerar filhos. A mulher idosa é aquela que já cumpriu a missão de enfeitar o mundo e deixar filhos à pátria. Por isso, ‘não serve mais’”, avalia. Fotos: Reprodução do Instagram