Seis meses após o rompimento da barragem da Vale, em Brumadinho, na Grande BH, completados hoje, as consequências da tragédia na saúde da população são graves e, pior, podem estar apenas começando. A média mensal de medicamentos para transtornos psiquiátricos, distribuídos na rede pública, aumentou quase 30% após o desastre. Há remédios em que o uso mais que dobrou.
Os fármacos são utilizados para o tratamento de psicose, depressão e alucinações. Porém, só a partir de agora será possível identificar quem, de fato, desenvolveu transtornos crônicos. Segundo a psicóloga Vanuse Braga, coordenadora das equipes de saúde mental do município, os impactos emocionais devem se estender ainda pelos próximos 20 anos, inclusive em quem não foi diretamente atingido pela lama.
“O agravamento da condição mental aparece neste momento. No início, é comum apresentar sinais de tristeza, ansiedade. Aos poucos, parte das pessoas consegue retomar a vida e a rotina, mas para algumas, isso não passa. Vamos ver qual será essa parcela”, diz.
Principais sintomas relatados pelos moradores são insônia, depressão e desequilíbrio entre excesso e escassez de apetite. Presidente do Conselho Regional de Psicologia, Stela Maris Bretas diz que a pessoa fica sem saber o que será do futuro. A especialista afirma que o aparecimento dos transtornos mentais depende do contexto no qual a pessoa está inserida
É muito sofrimento
Funcionário afastado de uma terceirizada da mineradora, Edilson Ferreira, de 49 anos, passou a tomar remédios para depressão e chegou a infartar após o rompimento da barragem. Ele trabalhava na manutenção da estrutura, mas não estava no local no momento da ruptura. No desastre, perdeu amigos e parentes, incluindo um primo, cujo corpo ainda não foi localizado.
“Fiquei muito desesperado, mexeu demais com meu psicológico. Tínhamos um vínculo de afeto, respeito e amor. Hoje, tomo oito comprimidos por dia e tenho dois stents (próteses que evitam obstrução dos vasos sanguíneos) no coração. Estou um pouco melhor, mas é porque preciso tocar o barco”, conta.
Crises de choro e dificuldade para dormir fazem parte da rotina de Antônio França Filho, de 56 anos, que trabalhava na mina. Para sobreviver, se agarrou a uma viga de ferro. O irmão dele, Rone França, de 46, diz que a ansiedade é recorrente. “Quando tem crise, a gente o leva para sair”.
Para o prefeito Avimar Barcelos, Brumadinho se tornou uma “cidade em sofrimento”. “O município perdeu a vida, muitas pessoas estão fora do seu estado normal, até quem não perdeu familiares. A situação é muito grave e não vai se curar da noite para o dia”.
Planejamento
Em nota, a Vale informou que disponibiliza profissionais nos pontos de apoio e que o atendimento psicossocial segue planejamento da Secretaria Municipal de Saúde.
A Secretaria de Estado de Saúde (SES) disse que articula ações com o Conselho Regional de Psicologia (CRP) e organizações não governamentais, como Cruz Vermelha e Médicos sem Fronteiras, além de se reunir com representantes dos atingidos para traçar estratégias de cuidado coletivo e organizar capacitações para profissionais da saúde que atuam na localidade.
Até o momento, a tragédia deixou 248 pessoas mortas e outras 22 estão desaparecidas. Os trabalhos de resgate continuam, com 164 bombeiros por dia no local do rompimento.
Estado
Desde o rompimento da Barragem da Mina do Córrego de Feijão, uma série de ações para atender vítimas e familiares tem sido realizada, segundo o governo de Minas. Em nota, o Estado garantiu que também reivindica reparações socioambientais e socioeconômicas.
Uma das medidas adotadas foi a antecipação a Brumadinho de R$ 3,2 milhões, montante que faz parte de um acordo firmado entre o governo estadual e os municípios. O valor só seria liberado em 2020.
O Executivo ainda disse que as obras para a nova captação de água no rio Paraopeba, tomado pela lama da barragem, devem ser concluídas em setembro. “O que garante segurança hídrica à Região Metropolitana de Belo Horizonte”.
Em relação ao atendimento psicossocial à população, o Estado afirmou que faz a gestão, juntamente com a Coordenação Municipal de Saúde Mental de Brumadinho, das ações de acolhimento. Além disso, determinou protocolos para monitorar o sangue dos moradores, com a implantação de um laboratório da Fundação Ezequiel Dias (Funed) na localidade.
Por mês, cerca de 700 atendimentos são feitos pelas equipes de saúde mental criadas após a tragédia; grupo tem terapeutas ocupacionais psicólogos, psiquiatras, e assistentes sociais.
Conhecimento dos riscos
Perícias da força-tarefa montada pelo Ministério Público, por conta do rompimento da barragem, devem ser concluídas entre 60 a 90 dias. Conforme o órgão, há provas de que a mineradora conhecia “riscos inaceitáveis” de falha na estrutura.
“Temos documentos demonstrando que a Vale, como empresa, sabia dessas péssimas condições de segurança. Não há a mínima disposição do MP de blindar quem quer que seja. Vamos, agora, definir as responsabilidades individuais”, diz o procurador-geral, Antônio Sérgio Tonet. Segundo ele, a partir desse relatório será possível responsabilizar criminalmente a companhia.
Dentre os materiais a serem periciados estão laudos das mortes e de lesões corporais, fornecidos pelo Instituto Médico-Legal (IML), e análises de equipamentos eletrônicos, como computadores e celulares, além de informações colhidas em depoimentos ao longo do processo. <CS9.5>“Objetivo é que todos os culpados sejam responsabilizados”, diz a promotora de Justiça e coordenadora da força-tarefa que reúne as áreas socioambiental, socioeconômica e criminal, Andressa de Oliveira Lanchotti.
Retorno
Em nota, a Vale afirmou que as inspeções realizadas não detectaram “anomalias que apontassem para um risco iminente de rompimento”. As vistorias ocorreram em 8 e 22 de janeiro. A última declaração de estabilidade apresentada à Agência Nacional de Mineração (ANM) data de 21 de dezembro de 2018.