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O massacre no Centro de Recuperação Regional de Altamira, no Pará, que deixou mais de 50 mortos, pelo menos 16 deles decapitados, faz soar o alarme sobre a situação no sistema prisional em outros estados, incluindo Minas Gerais, onde a superlotação é realidade na maior parte das unidades. Segundo dados divulgados pelo advogado especialista em assuntos prisionais Fábio Piló, ex-presidente da Comissão de Assuntos Carcerários da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Minas Gerais (OAB/MG), o estado tem duas vezes mais detentos do que a capacidade de seus presídios: são aproximadamente 77 mil presos para 38 mil vagas. “Minas não tem esse panorama de perda de controle, mas caminha para isso”, alerta. Atualmente, 44,6% das unidades prisionais mineiras estão total ou parcialmente interditadas – ou seja, não podem mais receber internos.
As interdições foram determinadas pela Justiça exatamente devido ao excesso de pessoas encarceradas. No ano passado, em duas ocasiões o juiz titular da Vara de Execuções Criminais da Comarca de Contagem, Wagner de Oliveira Cavalieri, determinou a interdição do Complexo Penitenciário Nelson Hungria, em Contagem, na Grande BH. Com a decisão, a unidade de segurança máxima ficou impedida de receber mais presos. Entre os motivos estão a superlotação e o déficit de agentes penitenciários. Atualmente, a unidade está parcialmente interditada.
Na Região Metropolitana de Belo Horizonte, a superlotação está presente em praticamente todas as unidades prisionais, segundo o advogado. “A gente tem ainda várias unidades prisionais com a capacidade limitada. Atualmente, a Nelson Hungria está com 2,2 mil detentos, sendo que a capacidade é de 1,6 mil. Mas não é a pior unidade de Minas Gerais. Temos diversas outras. Aqui na Grande BH, o Presídio de São Joaquim de Bicas II, por exemplo, está com 2,6 mil, sendo que sua capacidade é de 890”, afirmou Piló.
Exceção
Uma das únicas unidades em que não há superlotação é o Complexo Penitenciário Público- Privado, em Ribeirão das Neves, também na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Mas isso só acontece porque o contrato da parceria público-privada prevê multa, que deverá ser paga pela empresa que administra a prisão, caso exceda o número de vagas. “Em geral, Minas tem 77 mil detentos para 38 mil vagas. E o número de presos não para de crescer. O índice de encarceramento no estado é de 7% ao ano”, disse o advogado.
A situação carcerária em Minas Gerais foi objeto um diagnóstico da Comissão de Assuntos Carcerários da OAB no fim do ano passado. Os levantamentos deram origem a um documento de mais de 124 páginas, nas quais o grupo externa preocupação com a situação prisional no estado. Porém, para Piló, apesar do nível de alerta, as unidades mineiras são diferentes das do Norte e Nordeste do país. “Aqui, temos a presença do Estado no interior das prisões. Temos presença constante dos agentes penitenciários. Em outros estados, os agentes ficam fora das muralhas, e são os presos que se organizam. Nessas unidades, perdeu-se completamente o controle”, avaliou. Mesmo assim, o advogado faz um alerta. “Em Minas, já tivemos a Ciranda da Morte, por causa da superlotação. Atualmente, não temos o panorama de perda de controle nas unidades prisionais mineiras, mas estamos caminhando para isso”, completou.
Déficit
A Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), por meio de nota, informou que a superlotação prisional é uma realidade nacional e não específica de Minas. A pasta estimou a população carcerária em Minas em cerca de 70 mil detentos, e a quantidade de vagas, de aproximadamente 40 mil. Uma grande parcela dos 197 presídios não pode mais receber detentos. “Em Minas Gerais, 88 unidades prisionais estão sob interdição, seja parcial ou total. O Complexo Penitenciário Nelson Hungria, em Contagem, está sob interdição parcial, com o teto de lotação limitado pela Justiça. Por razões de segurança, a lotação de unidades específicas não é divulgada”, comentou a pasta. “É importante destacar que a atual gestão herdou o sistema prisional carente de investimentos no âmbito de pessoal e de infraestrutura, com população carcerária bem acima da capacidade das unidades prisionais administradas pela pasta”, prossegue o texto. Ainda segundo a nota, na última gestão foram criadas para todo o sistema prisional apenas 210 vagas. “A Sejusp, contudo, está debruçada sobre todas as questões sensíveis ao sistema prisional e trabalha para concretizar a abertura de vagas e para viabilizar recursos que contemplem o investimento em tecnologia e reestruturação física das suas unidades prisionais.” A secretaria informa que a expectativa é de que até março do ano que vem sejam criadas 1.100 novas vagas, por meio de ampliações de unidades.
Os infernos de BH
A referência à Ciranda da Morte lembra um episódio que manchou de sangue a história do sistema prisional mineiro: em 1985, o Departamento de Investigações (DI) tornara-se conhecido como “Inferno da Lagoinha” e a Delegacia de Furtos e Roubos, como “Inferno da Floresta”, em uma relação com os bairros de Belo Horizonte onde ficavam. Superlotadas, as unidades passaram a sediar um macabro sorteio feito pelos presos, no qual eram escolhidos os que seriam executados para aliviar o cenário de celas extremamente cheias e carceragens transformadas em verdadeiras masmorras. Em apenas três meses foram nada menos que 15 assassinatos, que tiraram vidas e ergueram reputações criminosas, como a do Anjo da Morte: Severino Ferreira Lima, detido depois de uma simples briga na zona boêmia de BH, se transformaria no principal executor do movimento. Depois da intervenção de deputados e promotores e muita pressão, os dois “infernos” da capital foram fechados, pondo fim a meio século de operação (1958-2008). Os relatos das tragédias e a apuração sobre suas causas levariam o Estado de Minas a conquistar o Prêmio Esso Regional de reportagem daquele ano.