Desde 2010, o ensino a distância (EAD) se tornou o motor por trás da expansão no ensino superior brasileiro, e uma área se destaca entre as demais: a carreira docente, que inclui os cursos de pedagogia e das outras licenciaturas. Em 2017, quase dois terços dos novos universitários nos cursos de formação de professores se matricularam na modalidade EAD, segundo um estudo divulgado nesta quinta-feira (15) pelo Movimento Todos pela Educação.
Os dados de 2017 são os mais recentes disponíveis, mas mostram que o salto foi de 34%, em 2010, para 61%, de acordo com o levantamento, feito com base no Censo da Educação Superior do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).
Veja abaixo como a expansão da formação de professores a distância cresceu no período até se tornar majoritária:
Teoria x prática
“A profissão de professor é essencialmente uma prática, a função dele é garantir a aprendizagem dos alunos. Pra isso, ele precisa conhecer profundamente como os alunos aprendem. Não basta pra ser professor só saber o conteúdo, ele tem que ensinar o conteúdo”, diz Gontijo.
As duas modalidades de licenciatura exigem que os estudantes façam estágio prático em escolas durante a formação, um ponto que o documento considera, ao lado das discussões de estudos de casos reais, “de extrema importância” para formar um bom professor.
Mas, segundo Gontijo, no EAD, a qualidade dessa prática pode ficar comprometida pela falta de acompanhamento de um professor tutor ou de debates presenciais com professores e com os próprios colegas, além do risco maior de que o estágio seja apenas “pró-forma”, e as horas mínimas obrigatórias não sejam cumpridas.
“A formação de professor tem que ser toda voltada pra prática. Não adianta ler um texto sobre o que fazer quando os alunos da sala estão agitados, ele não vai aprender lendo o texto.”
Qualidade da formação
O estudo do Todos pela Educação também comparou indicadores de qualidade da formação de professores da modalidade EAD com a modalidade presencial, mas ressalta que ambas “precisam de melhorias significativas”.
Tanto os dados do Censo da Educação Superior quanto os do Enade, o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes, mostram que o perfil socioeconômico dos dois grupos de alunos é diferente – em geral, Gontijo diz que quem estuda a distância vem de família com renda mais baixa ou precisa trabalhar e, por isso, tem menos tempo para se dedicar aos estudos.
Por isso, para fazer essa comparação, o estudo analisou as notas do Enade de estudantes que tinham o mesmo perfil, e a única diferente entre eles era se estudavam a distância ou presencialmente.
O resultado aponta que a probabilidade de um estudante de licenciatura EAD estar entre os 25% dos alunos com notas menores no Enade 2017 é de 30,2%. Já quando se trata de um aluno do curso presencial, essa probabilidade é para 21,6%.
Considerando o grupo oposto – os 25% de alunos com as notas mais altas, a probabilidade de um aluno EAD estar nesse grupo cai para 19,7%, assim como a chance de um aluno presencial ser incluído sobe para 28,4%.
“Mesmo com todas as dificuldades da formação de professor no Brasil, o aluno estar no presencial oferece mais chance de estar entre as maiores notas”, disse Gontijo.
Na contramão dos outros países
Ele ressalta, ainda, que o Brasil acaba indo na contramão de outros países que se destacam em rankings mundiais de educação. Ele cita como exemplo dois exemplos de vizinhos sul-americanos que, na edição de 2015 do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa, na sigla em inglês), tiveram avanços maiores que o Brasil nas provas de leitura, matemática e ciências.
“Chile e Peru, que são os que mais avançam no Pisa na nossa região, não têm EAD para professores”, explicou ele. Segundo o estudo, no Chile, a formação de docentes a distância já está proibida. No Peru, novos cursos a distância não poderão ser abertos a partir de 2020. México, outro país da região à frente do Brasil no ranking, também só forma seus professores em caráter presencial.
Já entre os países com desempenho mais alto, o documento cita a Austrália como o que mais tem alunos de licenciatura estudando a distância. Lá, 25% das matrículas na área são EAD, contra 48% no Brasil (considerando os calouros e os demais estudantes matriculados), a maior parte na rede privada.
163% de crescimento em oito anos
Aqui, a pedagogia e os demais cursos de licenciatura são um dos motivos que fizeram o EAD tomar a dianteira da expansão do ensino superior. Entre 2010 e 2017, o número de novos alunos na área cresceu 163% a distância, e recuou 14% na modalidade presencial.
No total, 4,1 milhões de pessoas começaram uma graduação na área de docência nos últimos oito anos, e 1,9 milhão delas (46% do total) optaram pelo EAD.
Isso acontece pela confluência de alguns fatores. Não só existe uma grande demanda por novos professores (e para que pessoas que já dão aula consigam diploma na área de licenciatura em que lecionam), mas os custos de se manter um curso a distância de licenciatura são menores do que em algumas carreiras que demandam, por exemplo, equipamentos de laboratório. Além disso, outras áreas que também têm alto número de matrículas no presencial, como o direito, não podem ser oferecidas na modalidade EAD, devido, em parte, à pressão das categorias profissionais.
No caso da formação de professores, o coordenador de projetos do Todos pela Educação afirma que o Brasil deveria repensar se a crescente participação do EAD é o caminho para suprir a demanda por educação de qualidade nas escolas.
Para Gontijo, a modalidade EAD é importante para um país continental como o Brasil principalmente para dar acesso ao ensino superior a pessoas que vivem em áreas remotas do Interior. “Mas essas são situações de exceção, 61% é um número muito alto”, diz ele.
Tendência para o futuro
Gontijo afirma que o estudo usou os dados mais recentes disponíveis, até 2017, mas que os especialistas esperam que a participação das vagas do EAD no total de estudantes de licenciaturas deve aumentar nas próximas edições do Censo.
O motivo, segundo ele, são as medidas de flexibilização do ensino a distância publicadas em 2017 pelo governo de Michel Temer. Em um decreto, o governo passou a permitir que faculdades possam oferecer um curso EAD mesmo que não tenha ativo um curso presencial equivalente. Além disso, as instituições privadas que já tenham um polo a distância autorizado ganharam a permissão de abrir novos polos sem precisar de autorização individual, como acontecia antes.
O que são as licenciaturas?
O Censo da Educação Superior divide os cursos de graduação em uma série de áreas, e uma delas é a formação de professores. Essa área inclui a pedagogia e os demais cursos conhecidos como licenciatura que preparam o estudante para dar aulas de uma determinada disciplina. Outras áreas oferecem cursos de bacharelado ou de tecnólogo, por exemplo.
Há cursos de licenciatura nas seguintes disciplinas:
- artes
- biologia
- ciências
- ciências humanas
- dança
- educação física
- educação religiosa
- filosofia
- física
- geografia
- história
- línguas estrangeiras modernas
- língua portuguesa
- matemática
- música
- pedagogia
- química
- teatro
Somando todos esses cursos no Censo da Educação Superior, o estudo do Todos pela Educação mostra que, em 2017, um a cada cinco novos alunos escolheu algum tipo de formação docente como curso de graduação (veja abaixo). Segundo Ivan Gontijo, coordenador de projetos do Todos pela Educação, os números desmentem o senso comum de que os jovens atualmente não querem ser professores.
Só o curso de pedagogia, por exemplo, foi o que teve mais ingressantes e concluintes em 2017.