EXAME
SÃO PAULO – Diante da escalada da guerra comercial entre os Estados Unidos e a China, o Brasil e demais países da América Latina têm sido colocados numa posição delicada de ter de escolher entre se alinhar ora com o Washington, ora com Pequim. Para a pesquisadora chinesa Chen Taotao, diretora do Centro Latino-Americano da Universidade de Tsinghua, uma das mais importantes da China, essa é uma situação ruim, que pode fazer com que as relações do Brasil com a China sejam prejudicadas.
A questão é importante porque a China é hoje o maior parceiro comercial do Brasil e as empresas chinesas têm colocado um volume cada vez maior de investimentos no país, especialmente no setor elétrico. Para a pesquisadora, manter uma boa relação bilateral é importante porque isso sinaliza a empresas e investidores chineses que o Brasil é um país amigável e seguro para se investir.
“Uma vez que o governo chinês tem um bom relacionamento internacional com um determinado país onde a empresa tem interesse em atuar, ela sente que o risco político pode ser reduzido”, diz a professora, na entrevista a seguir. Ela falou a EXAME durante uma visita recente ao Brasil para participar de uma conferência organizada pelo Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) e a Embaixada da China no Brasil, no Rio de Janeiro.
Nos últimos anos, houve um grande crescimento dos investimentos de empresas chinesas no Brasil. O que tem feito esses investimentos aumentarem? Quais os interesses das empresas hoje no país?
Há diversas formas de ver esta questão. Por um lado, uma pergunta seria: por que as empresas chinesas demoraram tanto tempo para se instalar no Brasil, comparado a outras empresas multinacionais de outros países? Na minha opinião, é porque, além de ser um país distante para a China, o Brasil é também um país muito complicado de se fazer negócios. Entretanto, o Brasil tem um grande mercado doméstico. Então faz sentido que muitas empresas chinesas queiram vir ao país. Só que leva um tempo para entender o mercado brasileiro. As empresas, aos poucos, foram estudando mais o país e, por fim, tomaram coragem para vir.
Uma das coisas que incentivaram o investimento foi a percepção de que o Brasil tem uma economia de mercado que também é guiada por investimentos estrangeiros diretos, e o governo atua como uma espécie de supervisor. Recentemente, fiz uma série de pesquisas para a estatal de energia State Grid, analisando a estrutura de supervisão do Brasil no setor elétrico. Fiquei com uma impressão de que o Brasil tem uma estrutura muito transparente. É um ambiente muito responsável para se fazer negócios nessa área.
E isso é bom, incluindo para as empresas chinesas?
Sim. Isso faz o setor elétrico ser muito atraente para empresas estrangeiras, incluindo a State Grid. Quando as empresas chinesas veem esse tipo de estrutura, elas veem que existe um ambiente estável, transparente e atraente, e, portanto, passam a investir mais.
Que tipo de oportunidades as empresas chinesas estão buscando quando investem no Brasil?
No início, talvez o foco estivesse mais na exploração de recursos naturais, porque o Brasil é famoso por isso. Mas depois o que as atraiu foi o grande mercado consumidor do país. E na China nós desenvolvemos um setor industrial forte, que está procurando por grandes mercados no mundo. Claro, o Brasil tem um certo tipo de estratégia nacional de desenvolvimento que tenta atrair empresas por meio do investimento, para atuar no mercado interno em vez de usar o Brasil como base para a exportação.
Isso atrapalhou no começo, por exemplo, quando uma empresa como a montadora Chery, tentou entrar no mercado importando veículos, e depois percebeu que a estratégia não era apropriada, porque o Brasil tem tarifas altas. Isso não é uma crítica, mas essa foi escolha que o Brasil fez para a sua estratégia de desenvolvimento.
Essa é uma realidade que a equipe econômica do governo parece querer mudar…
Sim. E o que acontece é que, uma vez que as empresas de manufatura chinesa passaram a se estabelecer no Brasil, elas foram seguidas por bancos chineses, que oferecem serviços para essas empresas e também abriram operações no país. E, com o passar do tempo, as companhias chinesas também aumentaram os investimentos, na forma de aquisições de empresas brasileiras.
Hoje uma parte significativa dos investimentos chineses está no setor elétrico. Podemos ver mais investimentos nos próximos anos em outras indústrias também?
No caso do setor elétrico, nós temos duas ou três grandes empresas nessa área na China. E, por causa das características do país, uma boa parte da eletricidade é gerada no oeste da China e tem de ser transportada para a região costeira, a leste, onde está a maior parte da população. Então nós tivemos que desenvolver um certo tipo de tecnologia para transmitir a energia. E é por isso nós temos a State Grid, que realmente faz essa transmissão.
Com esse tipo de alta tecnologia nas mãos, as empresas do setor acabam buscando por mercados parecidos, e o Brasil é um mercado perfeito para eles. Portanto, eu vejo uma combinação bastante forte entre os dois países no setor elétrico. Mas não saberia dizer se podemos ter uma combinação tão complementar assim em outras áreas, para outros setores.
Qual tem sido o papel das relações diplomáticas entre o Brasil e a China em facilitar ou promover os investimentos diretos?
A China é um país em que as pessoas, bem como as empresas, têm todas as razões para depender ou confiar no governo. Porque, por várias décadas, o desenvolvimento dentro da China tem sido liderado pelo governo com bastante êxito. Fora da China, há um mal entendimento de que o governo chinês guie as empresas a fazer as coisas. Não é exatamente assim. Na verdade, as empresas fazem isso porque elas confiam no governo.
Portanto, uma vez que o governo tem um bom relacionamento internacional com um determinado país onde a empresa tem interesse em atuar, ela sente que o risco político pode ser reduzido. Se o Brasil e a China tiverem um relacionamento bom e estável entre os seus governos, isso vai absolutamente ajudar as empresas chinesas a investir mais. Do contrário, a empresa teria boas razões para hesitar a vir.
A postura do presidente Jair Bolsonaro em relação à China é um entrave para esses investimentos?
Deixe me colocar assim. Na China, nós estamos enfrentando uma situação relativamente crítica e tensa no relacionamento com os Estados Unidos. Para mim, essa situação é ruim para a América Latina, incluindo o Brasil. Os Estados Unidos vão acabar pedindo para que os países da América Latina escolham um lado. Isso é injusto para os países latino-americanos. O Brasil fica numa situação embaraçosa, porque tem uma relação forte tanto com a China quanto com os Estados Unidos. É difícil para o seu país fazer essa escolha. Eu entendo isso.
Mas as palavras, as atitudes, que o seu governo tem tomado em relação à China podem ser vistas pelo mundo dos negócios de forma ruim. Acho que pode ter influência em alguns dos investimentos. Mas realmente espero que, com mais entendimento, mais diálogo entre os nossos dois países, isso possa ser corrigido num futuro próximo.
O Brasil vai sediar a Cúpula dos BRICS em novembro. A senhor acredita que o grupo dos BRICS tem tido algum papel em estreitar as relações e atrair investimentos chineses para o Brasil?
Bem. Não muito. Não muito diretamente, pelo menos. Os países dos BRICS, quando se reúnem, podem compartilhar suas experiências, porque eles são todos países grandes, em território e população. E são países em desenvolvimento, que podem aprender uns com os outros. Na China, nós estamos abrindo a nossa economia já por algumas décadas, e atraímos muito investimento estrangeiro direto. É importante mostrar essa experiência e ela talvez possa ser útil para o Brasil.