Com a maior fraqueza da economia brasileira em 2019, a produção industrial entrou novamente em um quadro de retração na primeira metade do ano e o setor manufatureiro viu sua participação no PIB (Produto Interno Bruto) encolher ainda mais, acentuado o processo de desindustrialização que já vem ocorrendo no país nas últimas décadas.
A produção industrial fechou o 1º semestre com uma queda de 1,6% e já acumula 3 trimestres seguidos no negativo, após uma pequena recuperação em 2018. Segundo o IBGE, o nível de produção da indústria em junho retrocedeu para o patamar de 2009, atingindo um volume 17,9% abaixo do ponto mais elevado da série histórica, alcançado em maio de 2011.
Apesar da relativa reação da indústria de transformação nos últimos meses, a expectativa dos analistas é que o PIB da indústria geral (que inclui também as atividades extrativas, construção civil, eletricidade e outros) deve ter ficado mais uma vez no vermelho no 2º trimestre, na comparação com o trimestre anterior, após duas quedas seguidas – de 0,7% no 1º trimestre e de 0,3% no 4º trimestre. Os números oficiais do PIB do segundo trimestre serão divulgados pelo IBGE em 29 de agosto.
“A economia não vai bem justamente porque a indústria está em um quadro de recessão. A indústria está no negativo há 3 trimestres consecutivos e isto não é pouca coisa para um setor que já perdeu muito ao longo da crise de 2014, 2015 e 2016”, afirma o economista-chefe do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), Rafael Cagnin. “Na nossa avaliação, é um ano que tem mais cara de estagnação do que de recessão, mas o risco de ficar um pouco abaixo de zero existe”.
A Confederação Nacional da Indústria (CNI) ainda não revisou a sua projeção para o PIB da indústria em 2019 (de alta de 0,4%), mas afirma que ainda não há garantia de crescimento no ano. “Estamos à beira da recessão, mas preferimos usar a palavra estagnação”, diz o economista da CNI, Flávio Castelo Branco.
Efeito Brumadinho e piora do cenário internacional
Além da recuperação lenta da economia e da ociosidade ainda elevada das fábricas, a indústria tem sido abalada neste ano pelo tombo da produção atividade extrativa mineral (queda de 13,7% no semestre), como reflexo ainda da tragédia de Brumadinho (MG) na Vale. Além disso, o setor passou a ter também as suas exportações pressionadas pela recessão da Argentina e pela guerra comercial entre China e Estados Unidos.
Na visão dos analistas, até mesmo a melhora da confiança diante da perspectiva de aprovação da reforma da Previdência e o impacto positivo das medidas de liberação do FGTS podem ser anulados pela piora do cenário internacional em meio aos temores de desaceleração global.
Desindustrialização acelera
O ritmo mais lento de reação da indústria tem levado o setor a perder peso na economia brasileira. Levantamento da economista Silvia Matos, do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), mostra que a participação da indústria na soma de todos os bens e serviços produzidos no país vem encolhendo continuamente desde 2010 para mínimas históricas.
No 1º trimestre, ficou em 21,5% do PIB ante 21,6% do PIB no final de 2018 e um pico de 29,1% no 2º trimestre de 2005. Desde 1995, quando começa a série de dados trimestrais do IBGE, a participação da indústria encolheu 5,4 pontos percentuais. No mesmo período, a agropecuária se manteve na faixa de 5% do PIB e o setor de serviços viu seu peso aumentar em 6,1 pontos percentuais, para 73,5% do PIB.
O tombo da atividade foi ainda maior que o da construção civil, cuja participação no PIB recuou de 7% em 1995 para 4,4% no 1º trimestre. Já a fatia da indústria extrativa avançou de 0,7% para 3,1% no período, e a de eletricidade, de 2,4% para 2,9%, de acordo com o levantamento.
A melhor marca do setor manufatureiro foi registrada em 1985, quando o peso da indústria de transformação chegou a 24,5%. A partir de então, entrou em trajetória praticamente contínua de queda, com exceção de um breve período de recuperação no início dos anos 2000.
Embora a perda de participação da indústria no PIB e avanço do setor de serviços seja um fenômeno mundial, a desindustrialização no Brasil preocupa não só por tornar ainda mais lenta a retomada da economia, mas também por ser considerado um processo “prematuro”. Ou seja, por acontecer a uma velocidade mais rápida do que a verificada em outros países e por ocorrer antes de o país ter atingido um maior nível de desenvolvimento e de renda per capita.
Nos países desenvolvidos, a perda de participação da indústria de transformação foi acompanhada quase sempre de um aumento de renda per capita, que resultou num avanço de setores de serviços destinados a atender uma demanda cada vez maio por atividades de tecnologia e informação, turismo e lazer, serviços financeiros e pessoais, saúde privada, educação, entre outros. Já no Brasil, os pesquisadores destacam que o espaço deixado pela indústria tem sido ocupado pelo setor de serviços, geralmente em atividades de pouca especialização.
“O setor de serviços é o mais importante no mundo todo e é natural que a indústria perca participação, a tendência estrutural é isso. A questão toda é que o Brasil se desindustrializou de uma maneira muito rápida e com uma taxa de crescimento muito baixa. Então não tem muito espaço de realocação de fatores. É muito mais difícil crescer e ter ganhos de produtividade pelo setor de serviços, porque ele é intensivo em trabalho”, observa Matos.
O setor industrial se destaca dos demais no Brasil não só por pagar salários médios mais altos, como também por seu efeito multiplicador na economia, pela capacidade de reduzir custos e agregar valor a produtos básicos e por desempenhar um papel estratégico na dinamização de todo o setor produtivo, como ofertante e demandante de tecnologias e inovação.
Cálculos da CNI mostram que, em média, um aumento de R$ 1 na produção industrial se multiplica pela produção da própria indústria e dos demais setores da economia, resultando em uma aumento adicional de R$ 1,40.
Trabalho
A estagnação da indústria de transformação também ajuda a explicar a lenta recuperação do mercado de trabalho. Embora a participação no PIB tenha caído para o patamar de 11%, o segmento ainda concentra 18,7% dos empregos com carteira assinada no país.
O número de trabalhadores formais no segmento, que chegou a atingir 8,5 milhões no final de 2013 está praticamente estacionado em 7,2 milhões desde 2017, de acordo com números do Ministério da Economia. O encolhimento reflete não só a alta ociosidade como também a dificuldade de sobrevivência das empresas. Dados da Serasa Experian mostram que, desde 2013, mais de 9,3 mil indústrias tiveram a falência decretada no Brasil.
Caso mais grave de declínio prematuro
Estudo divulgado recentemente pelo Iedi aponta o Brasil como o caso mais grave de declínio prematuro da indústria no período entre 1970 e 2017, quando o peso da atividade manufatureira na economia caiu quase pela metade, superando a desindustrialização observada em países como Argentina, Filipinas e Rússia.
Considerando uma lista de 30 países que representam cerca de 90% da indústria de transformação mundial, o Brasil registrou o 3º maior retrocesso desde a década de 70, ficando atrás apenas para a desindustrialização registrada no período na Austrália (de 16,5% do PIB para 5,9% do PIB) e Reino Unido (de 17,4% para 9,1% do PIB). Esses dois últimos, países que, diferentemente do Brasil, já tinham alcançado um renda média elevada no momento que a indústria começou a perder espaço para os serviços na estrutura produtiva, observa a pesquisa assinada pelos economistas Paulo Morceiro e Milene Tessarin, da Fipe/USP.
O estudo observa ainda que o declínio industrial não é um fenômeno mundial e que, além da China e Coreia do Sul, países como Indonésia, Malásia, Índia, Turquia e Polônia também conseguiram registrar um crescimento expressivo do parque industrial, sustentado por inovações tecnológicas e internacionalização de suas empresas.
Baixa produtividade e outros entraves
Muito além do “fator China”, o retrocesso da indústria brasileira, segundo os analistas, está diretamente relacionado à baixa produtividade do país e problemas estruturais crônicos gerados pelo chamado “custo Brasil”, que inclui elevada carga tributária e de custo do trabalho, burocracia, baixa taxa de poupança, entre tantas outras desvantagens competitivas.
“Para não correr o risco de encolher ainda mais, a indústria precisa superar os seus problemas de produtividade e competitividade, com reformas estruturais e uma agenda focada em inovação e educação”, afirma Castelo Branco.
Os economistas chamam atenção também para baixa participação do Brasil no comércio mundial e nas cadeias globais de produção.
“O Brasil segue como um país relativamente fechado, com a indústria muito voltada para o mercado doméstico. Para exportar muito, a indústria também tem que importar muitos insumos intermediários de outros países, faz parte do jogo. Proteger a indústria não é a saída para aumentar a participação no PIB”, afirma Matos.
Outro obstáculo para a retomada da indústria nacional é a baixa participação nos setores mais intensivos em tecnologia. “Perdemos um pouco o bonde da microeletrônica, da 3ª revolução industrial lá nos anos 80. Além disso, outros setores que deveriam ter surgido não vieram e é isso que compromete a onda que estamos vendo agora e que está sendo chamada de indústria 4.0”, afirma Cagnin.
O economista vê, entretanto, uma nova janela de oportunidade para a indústria brasileira. “Nem tudo passa pela microeletrônica. Há novas atividades surgindo em que o Brasil pode entrar, como os químicos verdes, que são a união entre o agro e o setor químico. Hoje em dia as tecnologias são mais abertas, existe muito mais cooperação e tem como se inserir”, acrescenta.
Para Matos, do Ibre/FGV, tanto a recuperação da indústria como a retomada do crescimento do país dependem não só de reformas estruturais como também de uma agenda pró-produtividade, que estimule o investimento em capital humano e inovação em todos os setores da economia.
“Não é só uma questão de agenda de industrial, mas de uma agenda de país. Isso vale também para serviços inovadores. A indústria demanda cada vez mais serviços associados, como a produção de softwares”, afirma. “Estamos falando hoje de uma indústria muito mais intensiva em capital e em inovação, mas ainda estamos distante dessa indústria 4.0”, diz.