A reforma no sobrado de dois pavimentos que se destaca na antiga rua de Baixo, na histórica Pitangui, no Centro-Oeste de Minas, não se trata de uma obra comum. O casarão foi moradia de Padre Belchior (1775-1856), que entrou para os registros como o conselheiro que incentivou Dom Pedro I (1798-1834) a decretar a independência do Brasil.
Em 7 de setembro de 1822, às margens do ribeirão Ipiranga (SP), Dom Pedro foi abordado por um mensageiro real, que lhe entregou uma carta. Nela, Portugal determinava o retorno do imperador à Lisboa. Indignado, ele consultou o conselheiro e ouviu de Padre Belchior: “Se vossa alteza não se faz rei do Brasil, será deserdado por eles (Portugal). Não há outro caminho senão a independência e a separação”.
A frase está escrita em letras garrafais no túmulo do vigário, cujo corpo foi sepultado na matriz de Pitangui, a sétima e última das Vilas do Ouro de Minas, fundada em 1715.
“No período em que Padre Belchior esteve no Rio de Janeiro (para embarcar para Portugal para assumir o cargo de deputado na Corte de Lisboa), passou a frequentar um clube de resistência, do qual Pedro I participava. É lá que eles passam a ter os primeiros contatos e vão estreitando a amizade”, explicou o historiador Licínio Filho, presidente do Instituto Histórico de Pitangui.
Após a declaração de independência, uma assembleia constituinte foi eleita para a elaboração da primeira Constituição do Brasil. Padre Belchior foi um dos eleitos.
Imóvel tem mais de 200 anos e foi tombado pelo Iphan em 1980. Foi adquirido pela prefeitura e, após a obra, será a nova sede do Executivo Municipal
Contudo, a elite brasileira desejava uma Constituição em que o Legislativo tivesse maior poder que o Executivo, o que desagradou Dom Pedro I. O imperador deu ordem para a dissolução da assembleia constituinte e determinou a prisão de alguns deputados, entre eles o amigo Padre Belchior. “As relações e os interesses políticos colocaram esses homens (Padre Belchior e Dom Pedro I) lado a lado, mas também se tornaram antagonistas em outro momento”, observou o historiador, que comemora a recuperação do sobrado onde Belchior morou em Pitangui.
A edificação é tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e foi erguida entre 1787 e 1798. O imóvel tem estrutura de madeira associada à taipa. Há portas com ombreiras, verga em arco abatido e folhas almofadadas. “Após a reforma, prevista para ser concluída em março de 2020, será a sede do Executivo Municipal”, informou Antônio Lemos, secretário de Cultura da cidade.