A aprovação da reforma eleitoral na Câmara dos Deputados pode retomar parte das regalias concedidas aos partidos. Caso seja sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro sem vetos, o texto do PL 5029/19 dificulta a transparência na prestação de contas, facilitando o caixa 2, na avaliação do cientista político Eduardo Coutinho, da UFMG. A nova redação também permite aumentar o valor do Fundo Eleitoral em até 48% em relação às eleições de 2018.
Após o Senado barrar as mudanças por temor de reação popular, os deputados revalidaram os benefícios. E jogaram a responsabilidade no colo de Bolsonaro. O presidente tem 15 dias para sancionar ou vetar o texto, contados a partir da última quinta-feira, dia 19. Para que as novas regras sejam válidas para as eleições municipais de 2020, é preciso publicação do aval no Diário Oficial da União um ano antes do pleito, ou seja, até 4 de outubro deste ano.
Pelo menos dois pontos podem dificultar a transparência eleitoral. Um deles permite a anistia de multas por desaprovação de contas de campanha, enquanto o outro autoriza pagamento de advogados para membros do partido investigados e que tenham relação com as eleições, inclusive quitações através de doações de pessoas físicas, sem limites de valor.
“Teoricamente, seria difícil punir partidos, se as contas estiverem erradas. Além disso, a autorização para pagar advogados, sem limite de gastos, com o Fundo Partidário, é sintomática. É uma brecha para gastos serem maquiados, para a criação de caixa 2”, adverte o cientista político Eduardo Coutinho, da UFMG.
O deputado federal Lafayette de Andrada (Republicanos-MG) defendeu que os pontos mais polêmicos, como a necessidade de comprovar dolo para aplicar multas eleitorais, fossem retirados do texto.
“Não acho que o projeto abre brecha para partidos e candidatos maquiarem gastos. Cada partido não poderá prestar contas através de um sistema próprio, terá que usar o do TSE, ficará tudo centralizado. E não será necessário provar a intenção de cometer o crime para aplicação de multas eleitorais. Isso facilita as punições”, avalia o deputado.
A projeção é que o Fundo Eleitoral de 2020 atinja R$ 2,5 bilhões, 48% mais do que os R$ 1,7 bilhão destinados ao pleito de 2018.
O senador Antonio Anastasia (PSDB-MG) é um dos críticos do aumento, que havia sido barrado pelo Senado. “É um projeto permeado de equívocos, de vícios, de comandos contrários à jurisprudência”.
No mesmo tom, o senador Carlos Viana (PSD-MG) considerou que o Senado “fez sua parte”, mas a Câmara preferiu ir na direção contrária.
“Nós insistimos que era desnecessário, impopular, mas não adiantou. Espero que o presidente vete esse aumento do Fundo Eleitoral, é um desrespeito”, disse Viana.
Senadores querem questionar mudanças na Justiça
Diante das mudanças promovidas pela Câmara sobre as regras eleitorais, após vários dispositivos terem sido barrados pelo Senado, um movimento intitulado “Muda Senado, Muda Brasil”, formado majoritariamente por uma coalização entre senadores da Rede, Podemos e Cidadania, decidiu entrar na Justiça questionando a constitucionalidade do Projeto de Lei 5029/19.
Os senadores afirmaram, por meio de nota, que a Câmara “rasgou o regimento interno e desrespeitou o devido processo legislativo”. Entre os cerca de 20 integrantes do grupo estão Randolfe Rodrigues (Rede), Major Olímpio (PSL), Alvaro Dias (Podemos) e o senador mineiro Carlos Viana (PSD).
“Houve um atropelamento do processo legal, por isso, o grupo tomou a decisão de acionar a Justiça, caso o presidente não vete o projeto”, diz Viana. Os senadores aguardam apenas a sanção ou veto do presidente Jair Bolsonaro (PSL) ao PL para decidir sobre a ação judicial.
Na visão do grupo, após o Senado rejeitar o projeto original vindo da Câmara e aprovar um substitutivo, os deputados federais deveriam ou ter analisado o substitutivo ou restaurado o projeto original — e não inserir uma série de dispositivos que haviam sido vetados pelos senadores, a exemplo do aumento dos recursos do Fundo Eleitoral de 2020.
“O que foi feito, tratar em separado os temas, como se fossem emendas supressivas aprovadas pelos senadores, é uma absurda ofensa ao Senado, à democracia e à sociedade, que acompanha atônita à destruição da já combalida credibilidade da política como meio adequado para resolução de conflitos”, afirmou em Plenário o líder do Podemos, senador Álvaro Dias (PR), após a aprovação do PL 5029/19 pela Câmara dos Deputados, na última quinta-feira, dia 18.