Um tipo de infecção ainda desconhecido da maioria das pessoas está começando a preocupar oftalmologistas. Trata-se de uma doença chamada ceratite, especificamente a que é causada por um protozoário de nome científico Acanthamoeba spp. e atinge, na maioria dos casos, quem usa lentes de contato. A procupação dos médicos é justificada pela facilidade de contágio e pelos problemas sérios que essa infeccção pode causar, podendo levar, inclusive, à perda do globo ocular.
A oftalmologista Denise de Freitas, do Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO) e professora da Escola Paulista de Medicina (EPM) alerta que os casos diagnosticados de Acanthamoeba spp. não são raros: “Hoje, atendemos de dois a três pacientes por semana, o que é um número muito alto”, afirma a especialista em entrevista à versão brasileira do site da emissora britânica BBC.
Ainda de acordo com a médica, esse é o pior tipo de infecção que uma pessoa pode ter nos olhos. Após o tratamento, 25% dos pacientes terminam em situação de cegueira parcial ou total, e outros 25% necessitam de transplante de córnea; em alguns casos, inclusive, não há, sequer, possibilidade de cirurgia, resultando em substituição do globo ocular por próteses de acrílico ou vidro, informa a BBC.
Além desses problemas, a infecção por Acanthamoeba spp. pode provocar outras doenças oculares, como glaucoma, catarata, inflamação da retina e queda da pálpebra. Alguns pacientes podem, também, desenvolver depressão por causa das consequências gravíssimas da doença.
Denise de Freitas lamenta, na entrevista à emissora britânica, que as pessoas infectadas com ceratite causada pela Acanthamoeba spp. buscam ajuda médica tardiamente – cerca de dois meses após o início dos sintomas, em média, e isso dificulta o tratamento. Segundo a oftalmologista, o diagnóstico é difícil e, quanto mais rápido os medicamentos começam a ser administrados, mais chances os pacientes têm de se recuperar, assim como ocorre com a maioria das doenças.
Sintomas
Os principais sintomas da ceratite provocada por Acanthamoeba spp. são muito semelhantes aos de uma conjuntivite, por isso, é extremamente importante buscar atendimento médico ao sentir desconforto, ardência, coceira, sensibilidade à luz e lacrimejamento, independente de ser nos dois olhos ou somente em um.
Além disso, a especialista do CBO e da EPM destaca que esses sintomas pioram muito com o passar do tempo, consequentemente provocando dor aguda ao ponto da pessoa infectada passa a ter dificuldade de fazer atividades cotidianas, como dormir, trabalhar e, até mesmo, se alimentar.
Causas
Curiosamente, a infecção por Acanthamoeba spp. ocorre, principalmente, numa situação que é corriqueira: exposição à água, independente de qual é a origem (torneira, chuveiro, piscina, banheira, etc.) . Vale lembrar, novamente, que a doença atinge, sobretudo, quem usa lentes de contato. Isso ocorre porque o protozoário causador do problema se instala no produto, ainda com mais facilidade se forem lentes gelatinosas, de acordo com a BBC. Portanto, é fundamental retirar as lentes ao ter contato com água e somente lavá-las com produtos específicos para essa finalidade, sempre seguindo corretamente as instruções de uso.
Keila Monteiro de Carvalho, professora da Faculdade de Ciências Médicas (FMC) e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), recomenda, ainda, outros cuidados para evitar a infecção: substituir diariamente a solução de limpeza das lentes, trocar o estojo a cada três meses e ficar atento ao prazo de validade determinado pelo fabricante das lentes, substituindo-as antes do vencimento.
Outro fator de risco é não higienizar corretamente as mãos antes de tocar nas lentes, informa a emissora britânica.
Tratamentos
De acordo com a professora da FMC e da Unicamp, o tratamento da ceratite provocada por Acanthamoeba spp. é realizado por meio de colírios e, além de longo, ainda não é totalmente eficaz. Alguns desses medicamentos sequer existem no Brasil, e precisam ser importados da Europa ou dos Estados Unidos, explica a especialista à BBC.
Ainda em entrevista à emissora britânica, a especialista diz que o mapeamento genético do protozoário causador da doença, que foi realizado recentemente, deve nortear o surgimento de novos tratamentos.
Caso em Belo Horizonte
A reportagem da BBC cita um caso de infecção por Acanthamoeba spp. ocorrido com o engenheiro mineiro Kaell Braga, de 37 anos. Em 2016, após assistir um jogo do Atlético-MG, clube do qual é torcedor, válido pela Copa Libertadores, ele lavou suas lentes utilizando água da torneira, em vez da solução de limpeza. Provavelmente foi isso que fez com que o engenheiro tenha contraído a doença.
Ele recebeu o diagnóstico em junho daquele ano e só se curou totalmente em 2018. Em entrevista à emissora britânica, ele relata que o tratamento começou com o uso de colírios que deveriam ser utilizados, praticamente, a cada hora, até mesmo, de madrugada. “Minha visão foi totalmente afetada, eu não enxergava nada e também sentia uma dor absurda no olho. Tive de me afastar do trabalho por um tempo (foram sete meses de licença médica)”, conta Kaell Braga à BBC.
Ainda de acordo com a reportagem, ele se curou da ceratite em alguns meses, mas a utilização prolongada dos colírios resultou em danos sérios à sua córnea. Por causa disso, o engenheiro belo-horizontino tentou diversos tratamentos para tentar regenerar o órgão, mas nada adiantou e ele precisou ser submetido a um transplante.
Atualmente, ele possui a visão prejudicada no olho afetado, mas consegue levar uma vida, relativamente, normal. “Consigo fazer atividades básicas e, até, dirigir”, diz o engenheiro à emissora britânica.