Pesquisa do Centro Regional de Referência em Drogas (CRR) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) apontou que 15% da população de Belo Horizonte já experimentou alguma droga. A grande maioria não tem ideia do que é misturado nas substâncias que consome, mas a Seção Técnica de Física e Química Legal do Instituto de Criminalística da Polícia Civil (PC) de Minas Gerais, sim. As misturas vão desde de coisas simples, como lactose e fubá, a medicamentos proibidos no Brasil, como vermífugos (levamisol) e analgésicos (fenacetina), e, até mesmo, viagra, sendo que os efeitos destas substâncias podem levar à amputação do pênis e até a morte.
O Hoje em Dia esteve no laboratório que faz a maior parte dos testes em drogas no Estado, no Barro Preto, e conversou com o chefe da seção, o perito criminal Rogério Lordeiro. As substâncias apreendidas pela polícia são enviadas para análise em duas máquinas diferentes, o Infravermelho e o Cromatógrafo gasoso. Os equipamentos, que fazem em média 700 testes por mês, analisam as moléculas de cada um dos materiais e traçam um perfil de tudo o que está presente nas drogas.
As misturas
As drogas mais apreendidas ainda são maconha e cocaína, nesta ordem, sendo que, na primeira, normalmente são encontrados fungos – naturais do processo de decomposição da planta – e agrotóxicos. Já na cocaína, o número de substâncias misturadas é bem superior.
“O objetivo é aumentar o volume, usando menos cocaína e mais outras substâncias, como ácido bórico, bicarbonato de sódio, amido de mandioca, trigo. Mas há também outras coisas, como o levamisol, um vermífugo que potencializa o efeito da droga; a cafeína e outros estimulantes; e anestésicos, como lidocaína e procaína. Mas também temos presença de outros medicamentos, como a dipirona e a fenacetina”, conta o perito criminal.
Com mais substâncias misturadas, a cocaína também é a droga que apresenta mais riscos para os usuários. Segundo o professor de toxicologia clínica e diretor do Centro de Assistência Toxicológica (CEATOX) da Universidade do Estado de São Paulo (USP), Anthony Wong, as adulterações para dar mais volume, como farinha, pó de mármore e ácido bórico, dentre outras, podem causar entupimento das veias do pulmão, se a droga for injetada, ou necrose no nariz, se a coca for inalada.
“A lidocaína é misturada para tirar a dor e espasmos provocados no nariz pela cocaína. Já o levamisol é um remédio usado para matar lombriga, mas que foi tirado do mercado por causar alucinações. Ele tem como efeito a diminuição a resistência do sistema imunológico da pessoa, além de aumentar o risco de convulsões, alteração do ritmo cardíaco e rigidez dos músculos”, completa Wong.
Ecstasy
Segundo o perito da Polícia Civil, chama a atenção o crescimento do consumo de drogas sintéticas nos últimos anos. Nos comprimidos de ecstasy apreendidos no Estado, o que mais se encontram são substâncias que não têm efeito alucinógeno, mas que são utilizadas para “dar liga” nos comprimidos da droga. Além do princípio ativo, o MDMA, os comprimidos sempre trazem lactose, celulose e estearato de magnésio. Porém, muitas vezes as porções da droga vêm acompanhadas de cafeína e de sildenafil, substância que compõe o viagra.
O sildenafil é usado para criar uma droga muito popular em meio à comunidade gay de todo o mundo: o Sextase. Segundo o perito da USP, o objetivo é ter, além dos efeitos alucinógenos do MDMA, uma ereção prolongada. “O problema é que em alguns casos de ereção foi tão duradoura que houve necrose do pênis, inclusive com amputação do órgão sexual de algumas pessoas. Mas essa substância também pode causar convulsões e alteração da pressão arterial”, aponta o médico.
A cafeína, encontrada tanto no ecstasy como na cocaína, pode causar aceleração do coração, infarto do miocárdio e, consequentemente, a morte. “Tem gente que toma café com ecstasy, o que é um risco muito grande, pois tomam doses muito altas”, completa o especialista da USP.
LSD
Já nos micropontos de LSD apreendidos em Minas não são encontradas misturas, mas sim as substâncias que simulam o efeito da droga, sendo as mais conhecidas o N-Bome, N-Boh e DOB. Apesar de terem desempenho semelhante, estas substâncias podem trazer efeitos que o LSD não causa, como espamos musculares, náusea, hipotermia, amnésia e convulsões que podem levar à morte.
Wong lembra que, em 2014, um estudante da própria USP morreu após se afogar em um lago depois de consumir o chamado N-Bome. “O que acontece é que elas não têm o mesmo efeito do LSD e as pessoas acabam usando mais, porém, como provoca alucinação, há uma alteração de comportamento extremamente séria, podendo levar à morte, como aconteceu com esse aluno. O traficante não vai avisar o usuário que não é LSD”, finaliza o professor.