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Uma semana depois do incêndio que destruiu a Igreja Santa Rita de Cássia, a comunidade do distrito de Sopa, em Diamantina, no Vale do Jequitinhonha, se articula para reerguer o templo das primeiras décadas do século 19 reduzido a ruínas pelas chamas, enquanto o perigo de uma nova tragédia paira por toda Minas Gerais. O alerta de risco vem respaldado por trabalho em andamento do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) que aponta uma situação, no mínimo, preocupante: a maior parte das igrejas ou outros bens históricos e culturais estão desprotegidos ou têm segurança insuficiente no estado. Diante da vulnerabilidade, aos fiéis e frequentadores das igrejas resta rezar para que o pior não aconteça.
Os dados são assustadores. De acordo levantamento da Coordenadoria das Promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Histórico, Cultural e Turístico (CPPC) do Ministério Público, de um total de 3.539 templos de diversas religiões identificados no estado apenas 122 têm o Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB), que declara a prevenção contra incêndio, e outros 37 estão em processo de obtenção do documento. Outras 1.088 construções, por sua vez, não têm o sistema de segurança contra o fogo. Porém, o número de igrejas desprotegidas pode ser muito maior, já que os responsáveis pelos demais 2.112 templos não forneceram as informações a respeito dos equipamentos, de acordo com o MPMG.
Incluindo outros bens públicos e particulares, em Belo Horizonte e no interior, o Ministério Público listou 6.620 imóveis para averiguação das condições de segurança contra o fogo, em estudo iniciado logo após o incêndio no Museu Nacional, no Rio de Janeiro, ocorrido em 2 de setembro de 2018. O órgão diz que “está refinando a pesquisa, mas que, até o momento, apurou-se que apenas 256 desses imóveis têm o AVCB e outros 57 estão em processo de obtenção. Também já se sabe que 1.879 imóveis certamente não possuem AVCB”. Ainda são desconhecidas as condições de um total de 4.218 imóveis, diz o órgão responsável pelo levantamento.
“Os dados nos mostram o grande trabalho ainda a ser feito pelo MPMG e órgãos públicos competentes no sentido de exigir o cumprimento da legislação preventiva”, avalia a coordenadora da CPPC, promotora de Justiça Giselle Ribeiro de Oliveira. “Os imóveis de interesse cultural, em geral, apresentam fragilidades e uma necessidade de cuidados especiais, principalmente por seu valor coletivo para a sociedade. Proprietários e Poder Público têm que se unir para efetiva proteção preventiva desses bens, em prol de toda a sociedade”, afirma a representante do Ministério Público.
O risco de incêndios que recai sobre as igrejas e outros bens tombados pelo patrimônio histórico é ressaltado pelo presidente da Associação das Cidades Históricas de Minas Gerais, José Fernando Aparecido (MDB), prefeito de Conceição do Mato Dentro. “A situação (de risco) das igrejas e do casario histórico em Minas é uma recorrente. Precisa ter um incêndio de grande proporção para se alertar mais uma vez para um problema que não se resolve? Há igrejas que têm proteção contra incêndio, mas outras estão largadas à própria sorte”, lamenta.“A (destruição da) Igreja de Santa Rita de Cássia, no distrito de Sopa, em Diamantina, reforça, mais uma vez, a necessidade de adotarmos políticas públicas de proteção, de combate a incêndio, de prevenção e de segurança do nosso rico patrimônio histórico tombado em Minas e no Brasil”, salienta.
José Fernando lembra que Minas Gerais tem praticamente 60% do patrimônio histórico tombado brasileiro, sem falar naqueles realizados pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG). “Portanto, é uma situação em que a gente precisa ter muito cuidado. É preciso uma política de pública nos níveis dos governos federal e estadual e das prefeituras, além de providências dos donos dos imóveis, sejam eles particulares ou da Igreja Católica, que é detentora da propriedade de grande parte dos templos tombados no estado. É necessário que haja uma integração para enfrentar o problema de forma conjunta com o Corpo de Bombeiros e com as defesas civis dos municípios”, defende.
No fim de setembro, houve uma troca na Superintendência do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em Minas Gerais, da qual foi exonerada Célia Corsino, com mais de 30 anos na área, sendo nomeado para o lugar dela Jeyson Dias Cabral da Silva, formado em jornalismo e ex-assessor de um vereador em Juiz de Fora. A mudança causou indignação, com protestos dos prefeitos das cidades históricas e profissionais que atuam no setor.
O presidente da Associação das Cidades Históricas comentou: “Quero ressaltar a importância do Iphan na política de proteção dos nossos bens tombados. Uma mudança no Iphan nos preocupa, uma vez que Célia Corsino fez um bom trabalho e tem conhecimento técnico profundo sobre a questão da proteção do nosso patrimônio público. Mas vamos continuar trabalhando em parceria com quem quer que esteja no comando do Iphan em Minas Gerais”.
Por sua vez, o Iepha informou que programa para o estado nos próximos anos inclui “projetos estratégicos para a prevenção de riscos ao patrimônio cultural, voltados para a instalação de sistemas de Monitoramento contra Intrusão e de sistemas de Prevenção de Combate a Incêndio e Pânico”. Em nota, o instituto lembra que, em 2018, após o incêndio ocorrido no Museu Nacional do Rio de Janeiro, foi realizado no âmbito do estado “um diagnóstico de avaliação nas instituições públicas de cultura para identificar a existência de infraestrutura voltada para prevenção e combate a incêndio e pânico”. Acrescenta que, em decorrência dessa iniciativa, foi definida a prioridade de investimento de R$ 1,4 milhão no Sistema de Prevenção e Combate a Incêndio e Pânico de nove imóveis, em cinco municípios mineiros, “priorizando edifícios pertencentes ao Estado de Minas Gerais e que possuem acervos de bens móveis e integrados”.
Em relação ao incêndio ocorrido na Igreja de Santa Rita de Cássia, o instituto informa que “manifestou apoio técnico às ações necessárias para a recuperação desse valioso bem cultural, protegido por tombamento municipal”. Informa ainda que vai integrar uma comissão coordenada pela prefeitura de Diamantina para definições técnicas da recuperação do templo.