AO MINUTO
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Quando já parecia certa sua eleição como novo presidente argentino, o advogado e professor Alberto Ángel Fernández, 60, ergueu um brinde com a namorada, a jornalista Fabiola Yañez, e amigos. Mas ele não disse “saúde” enquanto encostava o copo nos dos demais.
“Um minuto de silêncio para Macri que está morto”, comemorou.
Os outros riram. Era o final do sonho de reeleição de Mauricio Macri e a ascensão do kirchenista Fernández, mais um presidente ligado ao futebol eleito no país. O canto do “minuto de silêncio” foi retirado das arquibancadas e usado por diferentes torcidas para zombar dos rivais.
Alberto Fernández toma posse nesta terça (10/12) e terá como vice Cristina Kirchner, mandatária entre 2007 e 2015. Ela foi criadora do Futebol para Todos, política de Estado em que o governo comprava os direitos do Campeonato Argentino para transmiti-lo na TV Pública ou repassá-lo para as emissoras amigas do regime.
Uma das primeiras medidas de Macri, ao assumir o cargo, no final de 2015, foi acabar com esse modelo. Fernández sinaliza não ter a intenção de retomá-lo.
O esporte é metáfora que costuma ser usada pelo novo presidente. Quando ouviu o pedido de um jornalista para que definisse a si mesmo, disse ser apenas um “hincha del Bicho” (torcedor do Bicho), apelido do seu clube do coração, o Argentinos Juniors.
Ao ser anunciada a chapa da candidatura com Cristina Kirchner como vice, afirmou ser o mesmo que usar a 9 para fazer os gols com Lionel Messi ao lado. Na mesma noite, apareceu no gramado do estádio Diego Armando Maradona, do seu clube do coração, para ser aplaudido pelos torcedores e ganhar de presente uma camisa antes do empate com o River Plate em 1 a 1.
“Em um dia como hoje, nós de Argentinos ganhamos a América. No domingo, os argentinos ganharão o futuro!”, tuitou dias antes do pleito presidencial, data também do aniversário da conquista da Libertadores pela equipe, em 1985.
Fernández sequer deveria ser torcedor do Bicho. Toda sua família acompanha o Boca Juniors. Foi alvo de inveja de colegas de escola quando recebeu de presente, ainda criança, uma cadeira cativa em La Bombonera. Mas ele estudava no colégio Avelino Ferreira, a dez quadras da Paternal, casa dos Argentinos Juniors. Os seus melhores amigos iam ao estádio ver o time. Ele começou a a fazer o mesmo.Confessa ter invadido o campo em 1981, quando a equipe mandou o San Lorenzo para a segunda divisão.”Alberto sempre quis fazer mais parte do futebol do que da política”, analisa Luis Segura, candidato a presidente da AFA (Associação de Futebol Argentino) em chapa que tinha Fernández como coordenador de campanha.
Tratou-se do pleito que entrou para a história do esporte no país em 2015. Apesar do quórum de 75 pessoas, o placar final terminou empatado em 38 votos. Alguém havia votado duas vezes.
“Pqp. Isso é impossível, 38 a 38 é impossível. O que vamos fazer?”, disse perplexo, olhando para o papel do resultado, Armando Pérez, que comandava uma junta administrativa da entidade após a morte de Julio Grondona, em 2014.
Foi o momento que abriu caminho para que Claudio Tapia, representante dos clubes do acesso e mandatário do pequeno Barracas Central, da 3ª divisão do país, virasse o nome forte do futebol argentino.Esta eleição não é um assunto que agrade a Fernández.
Embora ele diga não ser o futebol um assunto prioritário para o Estado, sua eleição e o retorno do kirchenismo ao poder trazem a expectativa de ligação maior entre os clubes e a Casa Rosada, sede do governo. Macri, ex-presidente do Boca Juniors, manteve seus contatos esportivos com a agremiação da qual é fã confesso, indicando dirigentes ou nomes ligados a estes a cargos no segundo escalão.
Cristina Kirchner e seu marido, Néstor, presidente da República entre 2003 e 2007 e morto em 2010, utilizaram o futebol como política pública. Fanático pelo Racing e às turras com o Grupo Clarín, dono do canal Torneos y Competencias, que transmitia os jogos da liga local, Néstor foi a mente por trás da elaboração do Futebol para Todos.
Como as partidas passavam apenas em emissora a cabo para assinantes, Cristina chamou as emissoras do Clarín de “sequestradores dos gols”.
No governo dela foi criada a Hinchadas Unidas Argentinas, grupo que unia barras bravas de diversas agremiações. Estes contaram com apoio logístico e financeiro do Estado para viajar aos Mundiais de 2006 (na Alemanha) e 2010 (África do Sul). Alguns foram recebidos na Casa Rosada, e Cristina chegou a dizer que os barras, núcleo dos torcedores mais violentos do país, “não eram tão ruins assim.”
“Meu amor pelo Argentinos sempre vai existir, mas a Argentina tem problemas maiores que o futebol. O que desejo é que os dirigentes cheguem a um acordo em várias coisas. O Estado não vai sair em socorro do futebol. Não é prioridade”, disse o político após vencer a eleição, em entrevista à rádio FM Cielo de La Plata.
É uma promessa considerável em um país em que futebol é política, como definiu o presidente Carlos Menem (1989-1999).