Na primeira entrevista desde que deixou a prisão, em dezembro de 2017, para cumprir regime domiciliar com o uso de tornozeleira eletrônica, o empreiteiro Marcelo Odebrecht afirmou que a obra do Porto de Mariel, em Cuba, financiada pelo governo brasileiro, foi feita a pedido do ex-presidente Lula. Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, o empresário disse, também, que essa foi a única obra em que o governo brasileiro “atuou” pela realização.
“Eu diria que, nesses 20 anos, só uma exportação teve uma iniciativa por parte do governo brasileiro e que, apesar da lógica econômica por trás, teve uma motivação ideológica e geopolítica, que foi Cuba. Em todos os países, nós íamos por iniciativa própria, conquistávamos o projeto e buscávamos uma exportação de bens e serviços. Em Cuba houve um interesse do Brasil de ajudar a desenvolver alguns projetos. E aí Lula pediu para que a Odebrecht fizesse um projeto em Cuba”, contou.
De acordo com Marcelo, a intenção de Lula, inicialmente, era de reconstruir uma estrada deteriorada no país mas o governo cubano tinha acabado de passar por um tufão e, por isso, ” desprezou a estrada, queria casas”. “Mas a gente avaliou as oportunidades e identificou que o melhor para o Brasil, economicamente e do ponto de vista de exportação de bens e serviços, era fazer um porto em Cuba”, disse.
“A obra de um porto tem muito mais conteúdo que demanda exportação a partir do Brasil. Para fazer uma estrada ou uma casa, em geral, é mais difícil fazer exportação. No caso de um porto, tem estrutura metálica, maquinário, produtos com conteúdo nacional para exportar do Brasil. O porto também seria um gerador de divisas internacionais, o que ajudaria a pagar o financiamento”, continuou.
Apesar da história, o empreiteiro nega a existência de orientações do governo para que a Odebrecht executasse projetos em outros países. “Não tinha. Normalmente, era a gente que conquistava os projetos e tentava reforçar a importância política desse projeto. O único país que a gente percebeu que houve uma boa vontade maior, uma atuação, um esforço maior do governo para ajudar a aprovar o crédito [do BNDES] foi na questão de Cuba. Em todo esse período foi o único que eu percebi. E, a meu modo de ver, considerando aquela época, não foi uma aposta errada”, afirmou.
Marcelo relatou, ainda, que o petista “vendia bem o Brasil” e que a Odebrecht buscava “se beneficiar” das viagens do ex-presidente a outros países, mas ressaltou que ele não defendia apenas a Odebrecht. “A gente queria se beneficiar da ida do Lula para reforçar os links com o país e, por tanto, melhorar a nossa capacidade de atuar lá. Mas, ao mesmo tempo, quando Lula chegava ele não defendia só a Odebrecht. A gente se esforçava, passava notas para o Lula. O pessoal [da Lava Jato] achou várias das minhas notas. Porque a gente fazia questão de deixar claro o que a Odebrecht já fez em outros países para Lula, Dilma [Rousseff] e Fernando Henrique [Cardoso].”
Sobre a suposta “caixa-preta” do banco de fomento, o empresário disse que, pelo menos com a Odebrecht, isso não acontecia. “Em relação a gente [Odebrecht] com certeza não tem caixa preta. O pessoal diz que o BNDES praticou políticas, principalmente de juros baixos e condições favoráveis de financiamento, que eram incompatíveis com o mercado”, finalizou.