Desde o fim de 2019, quando teve início, a epidemia do novo coronavírus se expandiu para além da China e a cada dia extrapola barreiras entre países. Até o momento, são 490 mortes confirmadas e mais de 20 mil pessoas infectadas. A fim de frear esse avanço tão rápido, em uma situação que foi considerada como emergência internacional pela Organização Mundial da Saúde (OMS), começa uma corrida para desenvolver formas de detectação, tratamento e vacinas em relação à contaminação pelo micro-organismo, e o Brasil participa.
Está agendada para a próxima segunda-feira reunião entre um grupo de pesquisadores e o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), com o objetivo de discutir meios e ações frente ao problema, e também em possíveis novas epidemias virais.
Iniciativa relacionada à Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), à Fiocruz-Minas e ao Parque Tecnológico de Belo Horizonte (BH-Tec), um dos projetos na pauta do encontro é o que está sendo elaborado pelo Centro de Tecnologia em Vacinas da UFMG (CT Vacinas), na capital mineira, especializado em estudos de biotecnologia. A intenção dos profissionais é encontrar modos de otimizar o diagnóstico da infecção.
Professor e pesquisador do departamento de microbiologia da UFMG, Flávio da Fonseca é um dos coordenadores do estudo para o desenvolvimento do teste. “Obviamente esse é um teste novo, já que é um problema novo. É um projeto ainda em fase inicial, de desenho. Começamos o trabalho há duas semanas. O teste de eficácia dos exames deve ser feito em quatro meses. Esse tempo depende de amostras de pessoas infectadas, o que ainda não há no Brasil, então não tem como testar”, esclarece.
O CT Vacinas é um órgão vinculado à UFMG que tem o objetivo de gerar testes diagnósticos e vacinas contra doenças infecciosas, fazendo a ligação entre o conhecimento gerado em laboratório na universidade e a iniciativa privada, que produz os kits diagnósticos para diferentes doenças.
Na reunião com o ministério, serão discutidas ações a serem adotadas pela ciência brasileira frente ao desafio do coronavírus. Mas bem antes disso a comunidade científica do país já vem dialogando sobre ações emergenciais que podem contribuir com a contenção do vírus.
A vacina também deve estar na lista da reunião, porém, como explica Flávio, é consensual entre os virologistas brasileiros que ainda não é tempo de desenvolvê-la por aqui, já que não se sabe o comportamento do coronavírus. “Para tanto, é preciso ter certeza sobre o problema. Ainda não há indícios de que o coronavírus vai se espalhar pelo mundo. É por enquanto um momento de incertezas e uma questão com muitas lacunas”, pontua. Na programação do encontro, o pesquisador espera ainda que o ministério se disponha a oferecer aportes financeiros para fomentar pesquisas sobre o coronavírus no Brasil.
No grupo de trabalho, são cerca de 25 integrantes, entre estudantes e professores. O norte da atuação é a realização de exames moleculares e sorológicos capazes de identificar o agente patológico. Um dos processos parte da análise de secreção pulmonar ou sangue, que torna possível atestar a presença do RNA do vírus no corpo. “O teste sorológico detecta anticorpos no organismo, é indicado para aplicação em massa e pode ser implementado em condições epidêmicas. O exame molecular, por outro lado, demanda uma infraestrutura laboratorial mais complicada e profissionais treinados, portanto sua aplicação é mais restrita”, explica Flávio da Fonseca. Nos dois casos, o resultado demora em torno de seis horas.
No CT Vacinas, o alicerce do procedimento parte do código genético do coronavírus, considerando a descoberta publicada por especialistas da China em janeiro. O instituto está fabricando em laboratório frações do vírus, o que é fundamental para a eficácia dos exames para seu reconhecimento no organismo.
Em algumas partes do mundo, empresas e universidades enfrentam o correr do relógio para conceber uma vacina contra o coronavírus. É o que acontece nos Estados Unidos, na Europa e na China. Entretanto, ainda que esse processo não seja tão demorado, seria preciso ao menos um ano para disponibilizar a vacina, uma vez que testes em humanos têm regras rígidas e precisam passar por diversas etapas.
Entidades como as farmacêuticas norte-americanas Moderna Therapeutics e Inovio Pharmaceuticals e a Universidade de Queensland, na Austrália, já contam com um investimento de US$ 11 milhões recebido da Coalizão para Inovações para a Preparação contra Epidemias (Cepi), órgão internacional de suporte a pesquisas. A vacina seria um fator fundamental para impedir a proliferação da doença – em muitos casos, pode levar dez anos para ser elaborada.
A vacina contra o ebola, por exemplo, chegou a testes em dois anos. No caso da Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS), outra cepa do coronavírus que atingiu a China entre 2002 e 2003, a vacina foi criada em 20 meses em um processo acelerado, mas quando ficou disponível para testes em pessoas, o problema havia sido superado.
Esse é um momento inicial, e a postura sobre como agir daqui para frente depende dos rumos futuros do coronavírus pelo mundo. “Ainda não sabemos se o problema vai se tornar uma pandemia ou não. Definimos esse sistema de diagnóstico porque o importante é estar preparado caso o vírus chegue ao Brasil”, diz o pesquisador.
“Já vivi problemas como esses em relação a outros tipos de coronavírus, e tenho uma percepção pragmática. Não se transformaram em pandemias e a minha impressão sobre o novo coronavírus é que caminha pelo mesmo tipo de desfecho. Acho que é uma infecção que será contida e com o tempo desaparecerá”, finaliza Flávio da Fonseca.