Em pronunciamento transmitido em rede nacional na noite desta quarta-feira (leia na íntegra ao fim da matéria), o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) defendeu novamente a volta das pessoas ao trabalho e o uso da hidroxicloroquina no tratamento de pacientes com o novo coronavírus no Brasil.
Não há estudos que comprovem a eficiência da substância no combate à Covid-19. Por isso, a hidroxicloroquina ainda não é aceita mundialmente como um método de tratar a doença.
Para defender o uso da substância, Bolsonaro citou uma conversa que teve com o cardiologista Roberto Kalil Filho. Nesta quarta-feira, o médico afirmou ao jornal Folha de SP que utilizou a hidroxicloriquina para se tratar e a prescreveu a pacientes com Covid-19.
“Há pouco, conversei com o doutor Roberto Kalil. Cumprimentei-o pela honestidade e o compromisso com o juramento de Hipócrates ao assumir que não só usou a hidroxicloroquina, bem como como a ministrou para dezenas de pacientes. Todos estão salvos. Disse-me mais: que mesmo não tendo finalizado o protocolo de testes, ministrou o medicamento agora para não se arrepender no futuro”, disse Bolsonaro.
O presidente afirmou ainda que o governo brasileiro receberá até este sábado matéria-prima para a produção de mais hidroxicloroquina, em acordo comercial com a Índia. “Agradeço ao primeiro-ministro Narendra Modi e ao povo indiano por essa ajuda tão oportuna ao povo brasileiro”, disse.
As declarações do presidente contrastam com o posicionamento do próprio Ministério da Saúde, uma vez que ainda não há comprovação sobre a eficiência do medicamento no combate ao coronavírus e por conta de possíveis reações colaterais. Mais cedo, ainda nesta quarta-feira, o chefe da pasta, o ministro Luiz Henrique Mandetta, pregou cautela no uso da hidroxicloroquina.
No pronunciamento, Bolsonaro não mencionou diretamente o nome de Mandetta, de quem discorda sobre as medidas de prevenção ao coronavírus no Brasil. Porém, falou indiretamente sobre as divergências de posicionamento entre integrantes do próprio governo federal, que quase resultaram na demissão do ministro nessa segunda-feira.
“Tenho a responsabilidade de decidir sobre as questões do país de forma ampla, usando os ministros que escolhi para conduzir o destino da nação. Todos devem estar sintonizados comigo. Sempre afirmei que tínhamos dois problemas a resolver: o vírus e o desemprego, que deveriam ser tratados simultaneamente.”, disse o presidente.
Defesa da volta ao trabalho
Como tem feito desde a chegada do novo coronavírus ao Brasil, Bolsonaro voltou a defender o retorno das pessoas ao trabalho. O presidente contraria recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS) e sugere o chamado “isolamento vertical”, no qual apenas quem estiver no grupo de risco (idosos e pessoas com doenças crônicas) deve ficar em casa. Por outro lado, o Ministério da Saúde recomenda um confinamento mais abrangente, para evitar a disseminação da doença e uma consequente sobrecarga no sistema de saúde nacional.
“Tenho certeza de que a grande maioria dos brasileiros quer voltar a trabalhar. Esta sempre foi minha orientação a todos os ministros, observadas as normas do Ministério da Saúde”, disse o presidente, que ainda citou prefeitos e governadores como responsáveis por determinar medidas de isolamento em estados e município.
“Respeito a autonomia dos governadores e prefeitos. Muitas medidas de forma restritiva ou não são de responsabilidade exclusiva dos mesmos. O governo federal não foi consultado sobre sua amplitude ou duração. Espero que brevemente saiamos juntos e mais fortes, para que possamos melhor desenvolver o nosso país.”, disse.
Nesse trecho do pronunciamento, Bolsonaro voltou a tirar do contexto uma declaração do diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom, a exemplo do que havia feito há uma semana. “Como afirmou o diretor da Organização Mundial de Saúde, cada país tem suas particularidades. Ou seja, a solução não é a mesma para todos. Os mais humildes não pode deixar de se locomover para buscar o seu pão de cada dia. As consequências do tratamento não podem ser mais danosas do que a própria doença. O desemprego também leva à pobreza, à fome e à miséria. Enfim, à própria morte”, disse o presidente.
Na declaração citada por Bolsonaro, Adhanom diz: “Sou da África e sei que muita gente precisa trabalhar cada dia para ganhar o seu pão. E os governos devem levar essa população em conta. Se estamos limitando os movimentos, o que vai acontecer com essas pessoas que precisam trabalhar diariamente?”. Esse trecho foi publicado pelo presidente nas redes sociais no último dia 30, como forma de defender a volta das pessoas ao trabalho.
Na publicação, porém, Bolsonaro omitiu o trecho da declaração em que Adhanom atribui ao estado a obrigação de encontrar formas de garantir a sobrevivência das pessoas em tempos de pandemia. “Os governos precisam garantir o bem-estar das pessoas que perderam a fonte de renda”, disse o diretor da OMS, que, dias depois, voltou a defender auxílios a quem não pode trabalhar. “Peço aos governos que desenvolvam políticas de proteção econômica para as pessoas que não podem ganhar ou trabalhar em meio à pandemia”.
Ao longo do pronunciamento, Bolsonaro citou ações do governo federal para diminuir as perdas econômicas de quem não pode trabalhar durante o período de isolamento. “A partir de amanhã, começaremos a pagar os R$ 600 de auxílio emergencial para apoiar trabalhadores informais, desempregados e microempreendedores durante três meses. Concedemos, também, a isenção do pagamento da conta de energia elétrica aos beneficiários da tarifa social por três meses, atendendo a mais de 9 milhões de famílias que têm suas contas de até R$ 150”, disse.
“Disponibilizamos 60 bilhões via Caixa Econômica Federal destinados a micro, pequenas e médias empresas e à construção civil. Os beneficiários do Bolsa Família, que são quase 60 milhões de pessoas, também receberão o abono complementar do auxílio emergencial. Autorizamos, ainda, para junho um saque de até R$ 1.045,00 aos que têm conta vinculada ao FGTS”, completou.
Leia, na íntegra, o pronunciamento de Bolsonaro