Aumento de 100% na criação de leitos, ocupação total das vagas, dificuldade para conseguir medicamentos, cancelamento de cirurgias eletivas, readaptação de leitos para Covid-19, realocação de funcionários de outras áreas e convocação daqueles que estavam em férias. Esses sete meses de pandemia deixaram os corredores do Hospital da Polícia Militar (HPM), na capital, movimentados como nunca.
A Polícia Militar de Minas Gerais é cautelosa e não revela dados sobre policiais que testaram positivo para Covid-19 – outros Estados divulgam a informação –, mas a rotina enfrentada pelas equipes médicas nos últimos meses na unidade hospitalar dá uma pista de como o vírus se disseminou entre as forças de segurança. Vale lembrar que o HPM atende militares e bombeiros e seus familiares.
Nesse período, a unidade hospitalar tem passado por uma completa transformação em suas alas. Em julho, o hospital atingiu o pico da demanda e chegou a ter 100% de ocupação – o índice máximo registrado em Belo Horizonte foi de 94%. Foram tantos casos de Covid-19 que foi preciso dobrar o número de leitos de UTI, passando de dez para 21. O pico na rede de saúde da capital aconteceu em meados de agosto, segundo informações da Secretaria Municipal de Saúde, quando a cidade registrou 450 óbitos por coronavírus.
A ampliação prevista inicialmente para atender os casos graves de coronavírus, que passaria de dez leitos para 18, não foi suficiente. Outros três leitos tiveram que ser criados.
Médicos e enfermeiros também iniciaram uma corrida em busca de medicamentos utilizados no tratamento de casos graves da doença. “Tivemos dificuldades em conseguir sedativos, e o que tínhamos de estoque para três meses usamos em uma semana”, informou a tenente-coronel Cheila Batista, diretora técnica do HPM. Questionada se o hospital utiliza cloroquina em pacientes com coronavírus, a militar informou que o hospital “leva em consideração a autonomia do médico”.
Eles também não revelam o número de pacientes ou de mortos com diagnóstico de coronavírus, mas confirmam que o aumento da demanda resultou até na convocação de militares que estavam em férias, além de voluntários. Nessa verdadeira operação de guerra, leitos de enfermaria tiveram que ser transformados em leitos de isolamento. A realização de cirurgias eletivas teve que ser paralisada para liberar leitos para pacientes em estado grave. Funcionários de outras áreas, como do ambulatório, foram realocados para alas essenciais.
Estabilidade
Porta-voz da Polícia Militar, o major Flávio Santiago informou que atualmente o hospital está com a demanda controlada e em decréscimo. “Mas isso é dinâmico”, completa. Pacientes que têm frequentado a unidade, no entanto, informaram à reportagem de O TEMPO que o local encontra-se bastante movimentado. “Está lotado de (casos de) Covid, principalmente de familiares de militares”, disse uma acompanhante, que pediu anonimato. Elogios à qualidade e presteza do atendimento na unidade são corriqueiros.
A estratégia elaborada pela administração do hospital foi criar alas específicas de atendimento a pacientes com Covid-19. Com isso, toda a unidade hospitalar passou por alterações em seu layout. Reformas e adaptações têm sido constantes – a licitação para revitalização das recepções, por exemplo, foi publicada no mês passado no Diário Oficial do Estado. “Está como se tivessem construído um outro hospital”, disse uma paciente.
A Covid-19 no HPM foi tema de podcast realizado pela própria corporação no mês passado. “Estamos numa guerra contra o vírus (…), os grandes aprendizados na humanidade vêm com a guerra”, comentou na ocasião o capitão Alexandre Sérgio da Costa Braga, infectologista do hospital.
Psicológico abalado requer acompanhamento
Os dados sobre Covid-19 entre agentes de segurança pública são obscuros no Brasil. Alguns Estados divulgam, outros não. Realizada entre maio e abril, uma pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública revelou que 59,7% dos policiais civis e militares de São Paulo têm medo de se infectar. Nos outros Estados, esse índice sobre para 68,8%.
Ao serem questionados se se sentem preparados para atuar em meio à pandemia, 43,9% dos policiais fora de São Paulo disseram que não. A distribuição de equipamentos de segurança é outra fragilidade levantada, pois 84,6% de policiais de fora de São Paulo disseram não ter recebido nenhum treinamento para atuar na pandemia.
Essa falta de aporte material e psicológico é ressaltada pela professora Ludmila Ribeiro, do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (Crisp), ligado à Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Segundo ela, pesquisas internacionais apontam que o policial se sentiu duplamente penalizado durante a pandemia. “Porque ele não pode se isolar, como as demais profissões, e ainda tem o receio de ser contaminado durante o contato necessário durante as abordagens policiais”, disse.
Além de vulneráveis ao contágio devido ao trabalho ostensivo, os policiais também passaram por tensionamentos com a comunidade, já que coube a eles a tarefa de fiscalizar o uso das máscaras. “Políticas de aconselhamento e apoio psicológico são importantes para esses policiais”, revelou a pesquisadora.
A reportagem perguntou à PM o número de demandas por atendimentos psicológicos durante a pandemia, mas a corporação não revelou o dado. Informou apenas uma redução no número de suicídios, sem compartilhar detalhes.
A primeira morte de PM em Minas Gerais causada por Covid aconteceu em junho, em Santa Luzia. A vítima foi o 3º sargento Edvander Rodrigues Ramos, 49. Em seguida, o capitão Ivanir Clementino de Brito, 46, que atuava em Araguari. Em agosto, o policial penal Jeferson Ramon Pereira de Abreu, 43, que trabalhava em Uberlândia, e a sargento Cláudia Cristina Santos Silva, de Uberaba, também foram vitimados.