O plano de vacinação contra a Covid-19 de São Paulo, que será anunciado nesta segunda (7) pelo governador João Doria (PSDB), prevê o início da imunização no dia 25 de janeiro. Serão vacinados primeiro profissionais de saúde, pessoas com mais de 60 anos e grupos vulneráveis como indígenas e quilombolas.
Há vários focos no plano, que tem como base a óbvia expectativa de que a Coronavac, a vacina chinesa que será feita localmente no Instituto Butantan, funcione e esteja aprovada pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
O estudo acerca da eficácia da Coronavac será divulgado até semana que vem e, se tudo correr como espera o governo, seu registro será pedido imediatamente na Anvisa.
A vacinação será escalonada para as duas aplicações necessárias da Coronavac. O grupo profissionais de saúde/indígenas/quilombolas receberá sua primeira dose em 25 de janeiro e a segunda, em 15 de fevereiro.
Quem tem 75 anos ou mais, 8 de fevereiro e 1º de março. De 70 a 74 anos, 15 de fevereiro e 8 de março. De 65 a 69 anos, 22 de fevereiro e 15 de março. Por fim, de 60 a 64 anos, 1º de março e 22 de março. Outras fases da vacinação ainda serão anunciadas.
Num movimento politicamente relevante, serão oferecidas 4 milhões, das 46 milhões de doses que o estado planeja ter à disposição em janeiro.
A linha de corte para a primeira leva de vacinação, 60 anos ou mais, decorre do fato de que 77% das mortes por Covid-19 no estado foram nessa faixa etária. No Censo de 2010, o grupo equivalia a 11,5% dos paulistas. Hoje São Paulo tem 46 milhões de habitantes.
Há vários focos do plano. Um objetivo é checar cada uma das 4.700 Unidades Básicas de Saúde do estado, que são administradas pelos municípios. O estado de geladeiras para vacinas e a taxa de ocupação delas são a prioridade – a Coronavac precisa ser armazenada em temperaturas de 2 a 8 graus centígrados.
Além disso, há a questão dos insumos. Está prevista uma compra de EPIs (Equipamentos de Proteção Individual), como máscaras cirúrgicas e luvas descartáveis, além de garantir o estoque de seringas
para a aplicação do imunizante.
A capital, por exemplo, já se adiantou e comprou 10 milhões de seringas, para usar em suas 468 UBS.
Há uma significativa inflação neste mercado, cortesia da demanda criada pelo novo coronavírus. Para ficar num exemplo comezinho, a caixa com cem luvas cirúrgicas era encontrada no mercado paulista por R$ 20 no começo do ano. Hoje custa quase quatro vezes mais.
O temor central do Palácio dos Bandeirantes é repetir o pesadelo logístico que foi a compra emergencial de respiradores chineses no começo da pandemia, com carregamentos parados em aeroportos de outros países, levando ao cancelamento de entregas.
O alto custo do plano fez com que os estados do Consud, consórcio que reúne os estados do Sudeste e do Sul, conversassem sobre a eventualidade de fazer compras conjuntas e pedissem auxílio ao Ministério da Saúde.
A pasta comandada pelo general Eduardo Pazuello não demonstrou interesse nas tratativas, segundo pessoas com acesso às conversas. São Paulo, que tem um orçamento de R$ 23,7 bilhões para o ano que vem na saúde, decidiu bancar sua parte, mas ainda há a possibilidade de cooperação.
O plano, finalizado durante as últimas três semanas, pretende deixar o estado pronto para distribuir duas doses da Coronavac, vacina desenvolvida pelo laboratório chinês Sinovac.
Das 46 milhões de doses na mão do governo em janeiro, 6 milhões estão chegando prontas da China e as restantes serão formuladas a partir de insumos chineses no Butantan – algo que começa nesta segunda. Depois devem chegar mais 15 milhões de doses.
O imunizante já teve sua segurança e capacidade de produzir resposta imune atestadas nas fases 1 e 2 do seu ensaio clínico, ocorridas com 50 mil voluntários na China. A fase 3 está sendo finalizada no país asiático, no Brasil e em locais como Indonésia, Turquia e Bangladesh.
No caso brasileiro, o estudo com 13.500 voluntários coordenado pelo Butantan já atingiu o número mínimo de infectados para estipular sua eficácia: são separados entre os doentes os que receberam o imunizante e os que tiveram placebo aplicado.
Doria estima que o resultado do estudo brasileiro e o envio à Anvisa do pedido de registro ocorram até o dia 15. Como disse em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo na semana passada, o temor é de que o órgão haja politicamente.
O tucano é o principal governador de oposição ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido), e é virtual candidato ao Planalto em 2022. Ambos os líderes divergem no trato da pandemia, com Doria associando sua imagem à responsabilidade sanitária e Bolsonaro buscando minimizar a doença.
A nova frente de embate é a vacina. Bolsonaro chegou a comemorar quando um suicídio de voluntário levou a Anvisa a paralisar os testes da Coronavac sem aviso prévio, o que foi visto no governo paulista como um ato político.
Antes, fizera críticas à “vacina chinesa” e sua rede de apoiadores na internet insiste na tese de que “paulistas serão cobaias”, o que não faz sentido se os testes forem positivos e houver aprovação do imunizante.
Como deverá requisitar o registro definitivo da Coronavac, para a qual está sendo montada uma fábrica nova no Butantan, o governo paulista teme que a Anvisa, com direção bolsonarista, procure “pelo em ovo” para atrasar o cronograma de Doria.
A letargia do Ministério da Saúde, que prevê só começar a vacinar em março e não especificou com qual fármaco, preocupa estados – pelo menos oito já procuraram Doria para eventual compra da Coronavac, mas o conselho dos secretários da área se diz preocupado com a descentralização.
A oferta que Doria fará de vacinas a outros estados reforça a nacionalização da questão. O próprio governador afirmou, na entrevista da semana passada, que seu nome pode ser favorecido se a Coronavac for um sucesso –ressalvando que a busca pelo imunizante era uma questão de prioridade de saúde pública, não política.
O governo federal, apesar da atitude de Bolsonaro, investiu R$ 2 bilhões numa parceira para trazer a vacina da AstraZeneca/Universidade de Oxford, que está atrasada devido a problemas em sua fase de testes.
Pazuello admite comprar qualquer imunizante, mas favorece o britânico porque já tem um acordo assinado no qual ele é vendido a preço de custo (US$ 3,75 a dose, antes US$ 10,4 da Coronavac e até US$ 25 de outras).
Além do episódio da suspensão dos testes, feita sem conversa com o estado, um sinal preocupou as autoridades de saúde na semana passada. A Anvisa estimou dar seu OK aos insumos da Sinovac entre o fim de dezembro e o começo de janeiro, mas depois emitiu nota não se comprometendo com prazos.