O governo de Minas Gerais e a mineradora Vale avaliaram hoje (10) que houve avanços importantes nas negociações sobre o processo de reparação dos danos causados na tragédia de Brumadinho (MG).
A terceira audiência judicial para discutir o principal acordo envolvendo o desastre foi realizada ontem (9) no Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Embora perdurem pontos de divergência, algumas questões foram pacificadas entre as partes.
Ocorrida em janeiro de 2019, a tragédia se deu a partir do rompimento de uma barragem da Mina Córrego do Feijão, de responsabilidade da Vale. Cerca de 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos vazaram da estrutura, gerando morte, destruição e danos a comunidades e ao meio ambiente de Brumadinho e de outras cidades da calha do Rio Paraopeba. Desde então, foram resgatados 259 corpos de vítimas da tragédia e ainda há 11 desaparecidos.
Segundo o secretário-geral de Estado do governo de Minas Gerais, Mateus Simões, já há um consenso sobre a governança do processo reparatório. Ficou decidido que o acordo vai detalhar três tipos de projetos. Aqueles de recomposição do meio ambiente poderão ser conduzidos pela Vale sob fiscalização e controle de órgãos públicos. As obras de infraestrutura do estado e dos municípios atingidos deverão ser geridos pelo Poder Executivo, cabendo à mineradora arcar apenas com os custos.
Por fim, os projetos para reparar as comunidades atingidas deverão ser elaborados por meio da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, que ficará responsável por realizar audiências públicas nas cidades afetadas.
“Foi proposta a criação de fundos públicos, por leis que estabelecerão a forma de gestão e de fiscalização do recurso. Tudo o que diz respeito aos atingidos vai ser remetido à Assembleia Legislativa, e lá será garantida a participação democrática e o controle social do uso desses fundos”, afirmou Mateus Simões.
Acordo
A primeira audiência em busca de acordo ocorreu no dia 22 de outubro e a segunda no dia 17 de novembro. Além do governo de Minas Gerais e da Vale, participam das tratativas o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), o Ministério Público Federal (MPF), as defensorias públicas do estado e da União e a Advocacia-Geral da União (AGU). O TJMG chegou a autorizar que os atingidos escolhessem cinco representantes para acessar à sala de audiência, mas eles recusaram já que não teriam nem direito à fala nem acesso aos documentos que orientam as discussões. Eles reclamam que não estão sendo ouvidos no processo e criticam a falta de transparência nas negociações.
Sem dar muitos detalhes sobre os assuntos tratados, a Vale divulgou nota onde disse estar empenhada em construir um acordo global. “Houve avanços sobre pontos relevantes de um possível acordo”, registrou a mineradora.
O MPMG também divulgou um comunicado falando em avanços na governança do processo reparatório. “Foram definidos principalmente pontos relacionados a instrumentos de fiscalização efetivos para que as ações e projetos de reparação sejam cumpridos e que haja a participação dos atingidos na definição de tais iniciativas”, diz o texto. Segundo o órgão, caberá à Assembleia garantir que os atingidos participem de forma direta da decisão sobre a destinação dos recursos dos fundos públicos.
Um resultado concreto da audiência de ontem foi a prorrogação por mais um mês do pagamento do auxílio emergencial aos atingidos. Ele está agora assegurado até o fim de janeiro. Tais repasses, que não se confundem com as indenizações individuais, foram estabelecidos inicialmente por um ano em um acordo firmado poucas semanas após a tragédia de Brumadinho. Desde então, ele já foi prorrogado quatro vezes. Conforme dados da mineradora, cerca de 106 mil pessoas vêm recebendo esse auxílio mensal.
Ponto-chave
A governança do processo reparatório era, desde o início, um ponto-chave das negociações. O governo de Minas Gerais, o MPMG e o MPF manifestaram discordância em ter como referência a experiência da Fundação Renova. Trata-se da entidade que atua na reparação dos danos da tragédia no município mineiro de Mariana, ocorrida em 5 de novembro de 2015 após o rompimento de uma barragem da Samarco deixar 19 mortos e causar impactos sociais, econômicos e ambientais em diversos municípios da Bacia do Rio Doce, até a foz no Espírito Santo.
A Fundação Renova foi criada conforme acordo firmado em março de 2016. Participaram das negociações a Samarco, suas acionistas Vale e BHP Billiton, o governo federal e os governos de Minas Gerais e do Espírito Santo. Na época, o MPMG e o MPF foram contra os termos negociados. Eles avaliam que a estrutura da Fundação Renova permite que suas decisões sejam, em última instância, controladas pelas mineradoras.
As discussões continuam e uma nova audiência já foi agendada para 17 de dezembro. Dois assuntos estarão entre as pendências a serem tratados nessa nova data. Um deles envolve os prazos para realização dos projetos.
O outro tema que estará na pauta é o volume de recursos que a Vale deverá destinar à reparação. Um estudo da Fundação João Pinheiro, instituição de pesquisa e ensino vinculada ao estado de Minas Gerais, estimou as perdas econômicas em R$26 bilhões. Calculando mais R$ 28 bilhões para cobrir danos morais sociais e coletivos, o governo mineiro e as instituições de Justiça pleiteiam um total de R$54 bilhões. Na audiência do dia 17 de novembro, segundo Mateus Simões, a Vale propôs um valor de R$ 21 bilhões.
Manifestação
Enquanto ocorria a audiência, centenas de atingidos se manifestavam do lado de fora do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. A principal crítica diz respeito à falta de transparência. Como as negociações se dão sob o princípio da confidencialidade, apenas os participantes das tratativas têm conhecimento dos detalhes. Não são de conhecimento público os projetos que estão sendo pactuados para a reparação.
“Exigimos que a participação dos atingidos seja garantida em todas as fases do referido acordo, incluindo-se na elaboração, para que sua eventual celebração não represente retrocesso aos direitos já consagrados e garantidos”, postou nas redes sociais o Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB). Para a entidade, sem assegurar a participação na construção dos pontos do acordo, os termos estabelecidos acabarão criando uma participação de fachada, onde os atingidos somente vão ter direito a opinar depois que tudo já estiver decidido.
As três organizações que foram escolhidas pelos próprios atingidos da tragédia de Brumadinho para assessorá-los – a Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (Aedas), o Núcleo de Assessoria às Comunidades Atingidas por Barragens (Nacab) e o Instituto Guaicuy – vêm defendendo que todos os termos do acordo sejam tornados públicos. Também cobram a criação de espaços abertos para discuti-lo.