Três dias numa fila de espera para conseguir entrar na balsa que corta as águas do Rio Amazonas é apenas o início de uma longa viagem que visa garantir que todos os mineiros comecem a ser vacinados contra a Covid em 2021. Bastante aguardada, a encomenda de 50 milhões de seringas e agulhas adquiridas pelo governo mineiro está, há semanas, escoando da Zona Franca de Manaus, no Amazonas. Numa viagem que pode durar até 20 dias, os caminhões percorrem demorados caminhos até chegar ao almoxarifado da Secretaria de Estado de Saúde (SES), em Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte. Na atual corrida que governos travam em busca de agulhas e seringas, Minas saiu na dianteira.
Vencer a fila da balsa no Amazonas é apenas o primeiro desafio. Em seguida, os veículos que saem semanalmente tomados por milhões de seringas entram no meio de transporte sobre as águas. Lá se vão mais oito dias de viagem até Belém, capital paraense, mas o percurso depende do nível do rio – se a maré estiver baixa, pode levar mais tempo ainda. Passados os 1.606 quilômetros do trecho fluvial, a saga se transfere para o chão firme.
De Belém, os caminhões seguem cortando o interior do país até chegar a Belo Horizonte, percorrendo um trajeto de aproximadamente 2.700 quilômetros. “A logística é um pouco complicada”, explica Leandro Reis, diretor da Multifarma, uma distribuidora instalada em Vespasiano que venceu a concorrência estadual de 45 milhões de unidades – uma compra complementar de 5 milhões é de responsabilidade de outro fornecedor.
O governador Romeu Zema (Novo) chegou a anunciar que a encomenda seria totalmente entregue até dezembro. Os fornecedores, no entanto, dizem que tudo será entregue na capital mineira até meados de fevereiro ou março.
Ainda assim, Minas Gerais está em posição confortável sobre a aquisição de insumos necessários à vacinação anti-Covid. Atualmente, outros estados estão correndo contra o tempo para tentar comprar seringas e agulhas. O Rio de Janeiro aguarda uma remessa inicial de 8 milhões de seringas que ainda não chegou. O governo de São Paulo teve três pregões de seringas fracassados e prevê outros 27 processos de compra até o fim do ano, o que deve garantir mais 50 milhões de seringas a serem agregadas às 11 milhões de unidades já existentes nos estoques.
A cautela mineira, portanto, surtiu efeito. Ao custo final de R$ 35 milhões, o pregão feito em setembro trouxe tranquilidade ao planejamento da SES. Quando a vacina for aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a previsão do governo estadual é ter toda a estrutura pronta para início da imunização de forma imediata. “Minas se organizou para vacinar seus cidadãos”, testemunha o diretor da Multifarma. Com 35 anos de existência e experiência em campanhas estaduais de imunização passadas, é a primeira vez que a distribuidora trabalha com uma quantidade tão imensa de seringas.
Enquanto os técnicos mineiros faziam seu trabalho, outros governos perderam o compasso, criando um desnivelamento na demanda. “Até esse mês não havia nenhuma sinalização de compra”, confirma Walban Souza, diretor de assuntos corporativos da Becton Dickinson (BD), outra fabricante. Agora a empresa participa das concorrência da União e do governo paulista.
Juntas, as milhões de seringas e agulhas compradas por Minas são fabricadas pela Saldanha Rodrigues (SR) – a multinacional BD e a brasileira Injex são as outras fábricas situadas no Brasil. Para dar conta dessa e de outras encomendas – a empresa tem quase 800 clientes ativos -, a indústria entrou em funcionamento de três turnos, ou seja, a fabricação de agulhas e seringas ocupa as 24 horas do dia sem parar, o que resulta em 60 milhões de seringas feitas ao mês.
Quem for comprar agora, vai ter que esperar
Mesmo essa imensidão de seringas já produzidas não dá conta da demanda que tem chegado às empresas devido à iminente vacinação contra a Covid. Estima-se que o mercado interno consuma cerca de 1,5 bilhão de unidades por ano. Governos que não se anteciparam agora terão dificuldades na compra. Só o edital do Ministério da Saúde federal prevê a aquisição de 330 milhões de seringas.
“Os estados que lançarem novo edital hoje terão problema”, alerta Michel Siufi, gerente comercial da Saldanha Rodrigues, a fornecedora da Multifarma que prefere vender insumos diretamente para distribuidoras. Segundo ele, as encomendas feitas agora só serão atendidas em 90 dias. “Minas Gerais lançou edital mais cedo, fez empenho e garantiu o estoque. Se antecipou e fez um trabalho louvável”, elogia o executivo.
As agulhas da Zona da Mata
Milhões das agulhas que provavelmente serão utilizadas na vacinação anti-Covid Brasil agora estão sendo feitas em Juiz de Fora. A cidade da Zona da Mata ocupa lugar relevante na fabricação de insumos de imunização desde os anos 1950. Uma fábrica artesanal de seringas que já havia na cidade acabou sendo comprada pelos norte-americanos da BD em 1956. Assim nascia uma das primeiras fabricantes do componente no Brasil, hoje com 500 empregados na cidade mineira. Na década de 1980, o grupo BD adquiriu outra indústria em Curitiba, gerando uma reorganização da produção. “As agulhas, seringas de vidro e cateteres são feitos em Juiz de Fora, enquanto as seringas de plástico saem de Curitiba”, explica Walban Souza, diretor de assuntos corporativos da companhia, empresa que afirma fornecer insumos para as campanhas de vacinação do governo federal há anos.