*Por O Tempo
O Brasil registrou queda inédita na taxa básica de juros ao longo da década de 2011 a 2020, com uma taxa Selic que passou de 10,75% para 2% ao ano neste período.
Apesar da expectativa de que ela volte a subir, passada a pandemia, o país pode fechar a próxima década com uma taxa média inferior à verificada nos dez anos que se encerram daqui a poucos dias.
O Banco Central calcula que a taxa de juro real de equilíbrio no país, aquela que permitiria um crescimento não inflacionário, seja de 3% ao ano. Considerando a meta de inflação dos próximos três anos, isso equivale a uma taxa básica em torno de 6,5% ao ano.
Na década 2001-2010, a taxa média praticada pelo BC foi de 15,6% ao ano. No período 2011-2020, recuou para 9,3% ao ano, patamar ainda elevado para os padrões internacionais e influenciado pelas taxas acima de 10% em boa parte do período 2011-2016.
Em relação aos juros bancários, a taxa média passou de 42% no final de 2000 para 35% em 2010 e 27% em 2020.
A queda dos juros nos últimos anos não foi um fenômeno apenas brasileiro. Pelo contrário, foi uma tendência mundial que demorou a se materializar por aqui.
Países emergentes já praticavam taxas abaixo de 5% em 2011. Na época, economias desenvolvidas já tinham juro próximo de zero, no contexto de incertezas trazidas pelas crises de 2008 nos EUA e da Europa no começo da década.
No mundo desenvolvido, a expectativa é que os juros continuem abaixo da inflação (juro real negativo) pelos próximos anos, uma vez que as taxas baixas não têm sido suficientes para estimular essas economias e trazer riscos inflacionários.
A redução dos juros no mundo desenvolvido é um fenômeno verificado desde a década de 1980 e é alvo de estudo de economistas como Larry Summers, ex-secretário de Tesouro dos Estados Unidos, que falava na “estagnação secular”, e Ben Bernanke, ex-presidente do banco central dos EUA, o Federal Reserve.
O trabalho sobre o tema desenvolvido pelo ex-diretor do BC brasileiro Carlos Viana de Carvalho e pela diretora do BC Fernanda Nechio também é citado como referência.
Em resumo, esses estudos tratam de uma queda estrutural da taxa de juros ligada a uma situação de excesso de poupança em relação às necessidades de investimentos.
O envelhecimento da população, por exemplo, faz com que as pessoas poupem mais para sustentar seus gastos por um período mais longo, principalmente após a aposentadoria.
A piora na distribuição de renda nos países desenvolvidos também acaba por concentrar recursos nas camadas de renda mais alta, que tendem a consumir menos e poupar mais, proporcionalmente, em relação aos mais pobres.
Além disso, a evolução tecnológica e o direcionamento de parcela cada vez maior da renda para serviços fazem com que os investimentos sejam menos intensivos em capital.
“Temos razões para acreditar que, ao longo dos próximos anos, vá se manter essa situação de juros estruturalmente baixos. Há um horizonte de três, quatro ou cinco anos em que não há expectativa de alta nos EUA”, afirma o diretor do Asa Investments e ex-secretário do Tesouro Nacional, Carlos Kawall.
“No caso da Europa, que não conseguiu sair daquele juro negativo de antes da crise e onde a inflação está flertando com zero, menos ainda.”
Ele lembra que o Federal Reserve, o banco central dos EUA, já indicou
que não deve subir os juros antes de 2023, período em que a taxa ficaria próxima de zero. E que alguns economistas avaliam que essa situação possa perdurar até a metade da década.
No Brasil, a estimativa de mer- cado é que a Selic volte a subir no próximo ano ou em 2022 e che-gue a 6% em 2023. “Se a gente for na linha de mais consolidação fiscal e reformas estruturais, esse juro [no Brasil] pode ser mais baixo”, afirma Kawall.
André Loes, sócio e economista da Kairós Capital e ex-presidente do FGC (Fundo Garantidor de Créditos), afirma que com a inflação perto da meta o país pode ter uma Selic entre 5% e 7% ao ano, baixa para padrões brasileiros.
Loes cita quatro fatores que foram determinantes para a queda dos juros no Brasil, mesmo antes da pandemia, além do ambiente externo favorável.
Segundo ele, houve um amadurecimento do regime de metas de inflação após mais de 20 anos, que ajudou a colocar as expectativas próximas às metas. Ele cita ainda a forte recessão de 2015 e 2016, que fez com que os preços de serviços finalmente cedessem, e um ajuste fiscal gradual a partir daquele ano.
“No nosso caso, o grande risco em relação à dificuldade de manter os juros em níveis mais baixos que os do passado tem a ver com o fiscal, se a gente tiver uma ruptura de regime fiscal e uma sensação de que a trajetória de sustentabilidade de dívida pública está ameaçada”, afirma Loes.
Sobre o forte movimento de migração de investimentos da poupança e fundos que acompanham variação da taxa básica nos últimos anos, ele avalia que ainda há espaço para essa realocação de recursos –para títulos privados ou renda variável–, mesmo com uma Selic em torno de 6% ao ano.
“A gente ainda não chegou nem na metade desse processo de realocação, em um Brasil com taxas de juros permanentemente mais baixa do que a gente se acostumou durante décadas”, afirma Loes.
Paulo Gala, CEO e economista da Fator Administração de Recursos, afirma que os dois fatores que explicam a queda dos juros no Brasil para o nível atual são o desemprego elevado, que fez a inflação despencar, e o nível de reservas que ajudou a evitar uma desvalorização maior do real.
Gala avalia que a taxa básica deve subir para zerar o juro real, que atualmente está negativo, mas afirma ver um nível para a Selic inferior ao consenso de mercado.
Para ele, depois de o Brasil ter juros reais negativos durante a crise gerada pela pandemia, os próximos anos devem ser marcados por um período de juro real zero, considerando inflação na meta, nível ainda elevado de ociosidade da economia e uma política fiscal restritiva.
“Vamos dizer que a inflação convirja para 3,5%, e a Selic chegue a 3,5% daqui um ano e meio. Acima disso eu acho que é muito difícil. Não consigo enxergar o juro real positivo no Brasil dada essa situação calamitosa que a gente vive”, afirma Gala.