Berço da mineração no Estado, Itabira, na região Central, lida há anos com a angústia da exaustão mineral. Não é de hoje que a cidade corre contra o tempo para encontrar alternativas econômicas que diminuam o impacto do fim da exploração de minério de ferro pela mineradora Vale.
Projeções da companhia dão conta de que as minas exploradas na cidade devem ser esgotadas em até oito anos.
E é com a missão de estruturar um plano de diversificação e autossuficiência econômica para a cidade que Marco Antônio Lage (PSB) assumiu a Prefeitura para o mandato 2021-2024.
Com vasta carreira executiva na área de comunicação, passou pelo corpo diretivo de importantes empresas mineiras, como a Fiat e a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) e diz conhecer bem os diferenciais que uma cidade deve ter para atrair investimentos privados.
Eleito com quase 51% dos votos válidos de Itabira, Lage é o quinto entrevistado do DIÁRIO DO COMÉRCIO, em uma série em que o veículo busca conhecer os principais desafios e metas dos prefeitos eleitos em algumas das principais cidades-polo do Estado.
Em conversa exclusiva ele detalhou o plano, cuja proposta é que se torne um case para outros municípios mineradores de Minas Gerais e do Brasil. Cinco vertentes econômicas serão trabalhadas para a diversificação: turismo, logística, agronegócio, educação, medicina.
Qual avaliação do governo anterior?
O ponto positivo é que deixaram as finanças equilibradas, até porque Itabira é o oitavo Produto Interno Bruto (PIB) do Estado. O negativo foi o abandono das demais competências do poder público, como saúde, educação, esporte, ação social, e desenvolvimento urbano. A segurança é o que está um pouco melhor. Há muito trabalho a ser feito, e o principal, e o grande desafio de Itabira é a diversificação econômica, em função da exaustão mineral, prevista para daqui a oito anos. Um trabalho que não foi feito ao longo das longas últimas oito décadas em que a mineradora Vale vem explorando o minério na cidade.
E o que pretende fazer neste sentido?
É preciso desenvolver um plano em conjunto com a própria Vale, o governo do Estado e o governo federal para que a cidade busque sua emancipação econômica. A exaustão mineral pode ser catastrófica para o município. Nada foi feito neste sentido, exceto o campus da Universidade Federal de Itajubá (Unifei), que foi criado exatamente com esse objetivo de se criar um polo de conhecimento e, a partir dele, um polo científico e tecnológico em prol do desenvolvimento de outros segmentos econômicos em Itabira. Mas esse processo foi suspenso nos últimos anos. Ou seja, temos muito trabalho a ser feito em vistas a reduzir os dois principais medos que a população itabirana tem para além da pandemia de Covid-19: as barragens e o esvaziamento no período pós-mineração.
Isso norteará sua gestão entre 2021 e 2024?
Seguirei dois pilares fundamentais: a busca pela atração de novos players econômicos em prol da diversificação do município; e o cuidado com a população em áreas fundamentais, como saúde, educação, segurança pública, desenvolvimento urbano, que contribuirá para o primeiro, pois uma cidade bem cuidada, naturalmente, atrai investimentos. Já estive do outro lado por muitos anos como diretor de multinacional e sei que nenhum investimento é feito se não tivermos uma cidade bem cuidada, uma população bem educada e serviços públicos de uma maneira geral funcionando bem. Por isso, digo que o investimento em pessoas traz um duplo benefício: o social e o econômico. O que atrai investimentos são exatamente as facilidades ao investidor e o ambiente propício para os negócios.
Você vislumbra oportunidades em quais áreas?
A mineração, ainda que novas reservas não sejam confirmadas, continuará com o beneficiamento do minério. A Vale estruturou isso aqui há quase oito décadas, durante o governo Getúlio Vargas, para explorar o minério de Itabira, naquela que foi a primeira grande mina aberta do País, e vai continuar beneficiando aqui o minério do território vizinho. Além disso, há outras cinco vertentes econômicas que podem ser importantes para nossa diversificação: o turismo, a logística, o agronegócio, a educação e a medicina.
O que pretende para o turismo?
Temos um grande potencial no turismo cultural e literário, inclusive pelo fato de sermos a terra natal de um dos maiores poetas do Brasil e do mundo: Carlos Drummond de Andrade, que precisa ser mais bem explorado. Há também o turismo ecológico, que já tem avançado muito, pois estamos em uma região rural muito bonita, de picos e cachoeiras. E o próprio turismo da mineração, cuja ideia é criarmos um museu de mineração, quem sabe o maior museu de mineração a céu aberto do mundo, que poderá atrair muitos turistas.
E para a logística?
Passa pela cidade uma das ferrovias mais eficientes do mundo, que é a Vitória a Minas, que liga Itabira ao porto de Vitória, no Espírito Santo, e isso poderá ser, seguramente, um ponto fundamental para criação de um hub logístico na cidade. Principalmente agora que a duplicação da BR-381 avançou e a região também poderá ser ligada à Capital e ao grande centro industrial de Minas Gerais, a Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), em pouco mais de uma hora com a estrada duplicada.
Quais as iniciativas para o agronegócio?
Temos um território de 1.260 quilômetros quadrados e 90% desta área é rural e muito pouco explorada, participando hoje com 1% da receita do município. Estamos falando de uma terra muito fértil que antes da mineração, por exemplo, foi a maior região produtora de banana do Estado. É um grande potencial que pretendemos estimular.
E para a educação e medicina?
Na educação, a partir da própria unidade da Unifei, estimular a retomada da criação de um polo de conhecimento e na medicina, estruturas de alta complexidade para atender a macrorregião de Itabira, que representa quase 500 mil habitantes. São áreas que vemos como alternativas econômicas para que a cidade possa reverter o medo de esvaziamento e ter grandes oportunidades de negócios e investimentos.
Como seu governo avalia e o que pretende para a questão fiscal?
Itabira ainda é um município com receitas bastante interessantes, em torno de R$ 650 milhões por ano, o que a coloca como uma das dez maiores de Minas Gerais. De toda maneira, pretendemos fazer um plano estratégico de longo prazo, com uma visão para 30 anos, plano detalhado para dez anos e ações efetivas para os próximos quatro anos. Isso permitirá que os investimentos sejam realmente destinados às plataformas que vão garantir o desenvolvimento de vertentes econômicas promissoras no futuro. Nossa ideia é investir em infraestrutura, capacitação humana, qualidade de vida, cultura, área social e em todos os demais aspectos que acreditamos que serão preponderantes para a diversificação econômica da cidade. Isso será mapeado, planejado e discutido com a própria Vale, que tem interesse no redesenho do futuro da cidade, uma vez que para sua reputação é importante apresentar um caminho de sustentabilidade ao término do ciclo de exploração.
Qual o plano?
Nossa proposta para a Vale e para o governo do Estado é que Itabira sirva de exemplo para outras cidades mineradoras de Minas Gerais e do Brasil. Que a mineração que anda tão desgastada do ponto de vista de imagem e reputação, em função dos desastres que aconteceram em Minas, possa ter um alento na cidade, com a modernização, atualização e renovação da economia e do desenvolvimento para que se sustente e sobreviva depois do minério. E que este case sirva de referência. Mas para isso, precisamos contar também com a sensibilidade do governador Romeu Zema (Novo) para que Itabira seja contemplada por parte dos investimentos do pacote de R$ 37 bilhões de compensação da mineradora. A cidade não teve uma barragem rompida, mas há 80 anos tem suas terras exploradas pela empresa, que não construiu ao longo dessas décadas uma alternativa econômica para sua autossuficiência no momento de exaustão. Que agora o município possa contar com recursos e infraestrutura para criar o ambiente viável para novos negócios. Contamos com a participação do governo mineiro para a estruturação deste case, que pode ser exemplo para outros municípios mineradores de Minas Gerais e do Brasil.
Como estão concentradas hoje as receitas de Itabira?
O impacto da mineração é muito grande, superior a 80%, mas o comércio da cidade vem crescendo e já tem atuação em pelo menos 15% da economia. A indústria é toda puxada pelo parque industrial da mineração e seus fornecedores. De maneira geral, Itabira vive em função da mineração. Todos os negócios ocorrem a partir da mineração. Daí nossa preocupação em diversificar, nos tornar independentes e emancipados e não correr tantos riscos sob o ponto de vista econômico.
Como está o enfrentamento à Covid-19 na cidade?
Está indo bem. No ano passado a cidade oscilou entre as ondas amarela e vermelha do Programa Minas Consciente, do governo do Estado. Assim que assumimos tomamos medidas mais rigorosas para conter o avanço do vírus e a taxa de contaminação caiu, nos fazendo variar entre as ondas verde e amarela. Acreditamos que podemos nos manter entre elas até que toda a população seja vacinada e possamos estabilizar no verde com o funcionamento normal da cidade.
E do ponto de vista econômico, vocês já tem números e percepções do impacto?
Como em todo o Brasil, existem impactos setoriais muito importantes. Setores de eventos, academias, bares e restaurantes e o próprio turismo têm sido muito afetados, assim como a parte esportiva e cultural. E tudo isso movimenta as economias formal e informal. Felizmente, as obras que a Vale tem na região absorveram parte da mão de obra disponível, que é outra grande preocupação que permeia os impactos econômicos. Mas apenas parte, porque se trata de uma mão de obra não qualificada para a atividade operária de exploração mineral. De qualquer maneira, temos um plano de capacitação técnica para que, pelo menos a indústria da mineração, que está em plena atividade, possa continuar absorvendo a mão de obra local. Não conseguimos segurar a queda da economia plenamente, mas podemos realizar alguns esforços para conter o desemprego.
Vocês já trabalham em algum plano para o reaquecimento da economia? O processo passa pelo plano de diversificação econômica do município?
É exatamente isso. Nestes primeiros meses, nosso foco é o planejamento da diversificação. Alguns setores terão resultados em curto prazo, como o turismo, educação e agronegócio, principalmente. Outros serão mais a médio e longo prazos, como logística e o polo de medicina de alta complexidade. Mas o planejamento é que a gente prepare a casa e o sistema e, no pós-pandemia, alguns destes setores já estejam movimentando a cidade. O turismo é aquele que certamente dará respostas mais rápidas.
Em 2019 o Executivo municipal assinou um memorando de entendimento com um grupo chinês para investimentos vultosos na cidade em troca de royalties da mineração. Como está este projeto?
Não avançou. Primeiro porque começou com investimentos, depois passou a empréstimos, que precisariam de aprovação do Senado Federal e parou ali. Estamos na estaca zero e vamos buscar outras possibilidades e parceiros nacionais e internacionais, mas para fazer investimentos concretos nos pilares que entendemos como vocações econômicas para a cidade. Já temos tido conversas e interlocuções com europeus e americanos que possam ter algum interesse nas potencialidades da cidade.
Fonte: Diário Do Comércio