O adolescente congolês Bienvenu sonha em ter uma loja de roupas, mas passa os dias dirigindo ilegalmente um mototáxi na movimentada Kinshasa para sustentar a família durante a pandemia de Covid-19.
Dirigindo no trânsito e esquivando-se dos policiais na capital da República Democrática do Congo, o jovem de 16 anos trabalha como mototaxista mesmo sendo menor de idade – legalmente, ele só poderia fazer isso aos 18 anos – desde que seu tio perdeu o emprego em uma agência de viagens, há cinco meses.
Bienvenu – cujo nome completo foi omitido – é uma das milhares de crianças congolesas que, segundo estimativas de instituições de caridade, ingressaram na força de trabalho no último ano devido ao novo coronavírus. Com o fechamento das escolas, elas se viram obrigadas a trabalhar para ajudar a colocar comida na mesa em casa.
Bienvenu quer parar de dirigir, mas seus parentes agora dependem de sua renda.
“Não é minha escolha fazer este trabalho. Decidi fazer isso para ajudar minha família, com a bênção do meu tio… todas as noites trago meus ganhos para casa”, disse à Reuters sentado em um estacionamento enquanto procurava clientes.
Sem um sistema de transporte público confiável, uma rede informal de mototáxis – conhecida como Wewa – se tornou a principal forma de transporte de muitas pessoas em Kinshasa. Esses veículos costumam transportar famílias inteiras e grandes entregas pelo trânsito.
“Se eu conseguir encontrar um emprego seguro, quero pedir demissão. Sonho um dia em ser um grande comerciante de roupas”, disse Bienvenu. Trabalhando seis dias por semana, a maior parte de seus ganhos vão para o proprietário do mototáxi. Do total que recebe com as corridas, ele fica com cerca de 3 mil francos congoleses, o equivalente a US$ 1,50 por dia, ou R$ 8,60.
Nas ruas de Kinshasa – uma metrópole extensa de 17 milhões de habitantes – inúmeras crianças vendem de tudo, desde sacos de batatas fritas a máscaras faciais. A quantidade de meninos e meninas nessa situação cresce a cada dia devido às consequências econômicas da Covid-19, explicam os defensores dos direitos da criança.
Cerca de três quartos dos 90 milhões de congoleses vivem em extrema pobreza, sobrevivendo com menos de US$ 1,90 por dia (ou R$ 10,80). Segundo o Banco Africano de Desenvolvimento, a economia do Congo depende das exportações e pode ser afetada de forma particular pela pandemia.
O país é um importante produtor global de cobre e cobalto e a mineração representa cerca de um terço da produção nacional. A pandemia diminuiu a demanda por metais no ano passado, levando ao fechamento de minas e cortes de empregos, mas preços estão se recuperando.
Com mais crianças procurando emprego para sustentar suas famílias, trabalhar para um proprietário de mototáxi é a opção mais lucrativa e atraente, de acordo com Annie Bambe, chefe do Fórum de ONGs para os Direitos da Juventude e da Criança do Congo (FODJEC).
“No começo, é como um jogo e depois se torna um trabalho”, disse Bambe. “Os adultos devem se recusar a andar em mototáxis conduzidos por crianças… os proprietários devem parar de usar crianças para ganhar dinheiro.”
“Ninguém se levanta para condenar esse trabalho”, acrescentou.
Sem escolha?
A Comissão Nacional de Segurança Rodoviária, parte do Ministério dos Transportes do país, disse que tinha recursos limitados para deter motoristas menores de idade e que a polícia de trânsito não poderia “regular a situação”.
Todos devem se envolver, em particular os prefeitos e chefes de bairro, para desencorajar essas crianças de dirigir”, disse Jean Bome, secretário executivo da comissão.
Antes da pandemia, cerca de 15% das crianças de 5 a 17 anos no Congo estavam envolvidas em trabalho infantil – principalmente de alto risco – revelou um relatório de 2019 do Instituto Nacional de Estatística.
A partir dos 15 anos de idade, os adolescentes do Congo podem fazer trabalho leve por um máximo de quatro horas por dia com a aprovação de inspetores do trabalho, mas a idade legal para dirigir é de 18 anos.
Garotos como Bienvenu têm táticas para fugir de multas ou não serem detidos.
“Tento não chegar a encruzilhadas onde posso facilmente cruzar o caminho dos policiais de trânsito. Se eu for parado, sei como negociar com eles”, disse Bienvenu, explicando como ele pagou subornos no valor de aproximadamente 5 mil francos para evitar punição.
Um proprietário de mototáxi, Patrick Maeja, disse que não contratava crianças, mas sabia de vários outros que faziam isso porque viam jovens motoristas como trabalhadores e confiáveis.
E o chefe da Associação de Mototaxistas do distrito de Tshangu, em Kinshasa, Jean-Pierre Kagangu disse que não tolerava motoristas de mototáxi menores de idade, mas reconheceu que a pandemia não deu a algumas crianças escolha a não ser trabalhar.
Kabangu ofereceu alguns conselhos para elas.
“Os motoristas menores de idade são colocados para circular em distritos periféricos e não dirigir na avenida, o que é muito perigoso”, disse Kabangu, cuja associação apoia motoristas de mototáxi e ajuda a mediar disputar com a polícia de trânsito.
Bambe, da FODJEC, afirma que os pais também são culpados por não impedirem que seus filhos trabalhem como mototaxistas.
“Para muitos pais, o importante é que a criança traga de volta os rendimentos de seu trabalho no final do dia.”
Isso soa verdadeiro para Joel, de 17 anos, que começou a dirigir o mototáxi do seu pai em dezembro, enquanto a escola estava fechada. Agora, com o retorno das aulas, ele pretende fazer malabarismos para conciliar trabalho e educação.
Joel disse que às vezes se sente envergonhado quando seus colegas de classe o veem dirigindo o mototáxi, mas lembra que deve trabalhar para sustentar sua família.
“Eles não sabem que esse trabalho me permite estudar”, disse Joel – cujo nome completo também foi ocultado – enquanto consertava um pneu furado em uma garagem. “É o pão com manteiga da minha família”.
Fonte: CNN BRASIL