Entre janeiro de 2019 e o mesmo mês de 2020, das 533 mulheres que passaram por audiências de custódia e atendiam aos critérios objetivos para substituir a prisão preventiva por domiciliar, 25% não conseguiram a conversão no estado do Rio de Janeiro. O número faz parte da segunda edição do relatório Mulheres nas Audiências de Custódia no Rio de Janeiro, elaborado pela Defensoria Pública do estado e divulgado nesta quinta-feira (11).
Na pesquisa anterior, que avaliou dados entre agosto de 2018 e fevereiro de 2019, entre as 552 mulheres que passaram pelas audiências, 43% não conseguiram a mudança. Para a defensora Lúcia Helena Barros de Oliveira, coordenadora de Defesa Criminal da Defensoria Pública, embora o percentual represente uma modificação, o dado é significativo.
“Ainda assim, quando se fala em 25% de decisões em que não temos a concessão da prisão domiciliar, quando deveria ter, é um percentual bem significativo”, disse em entrevista à Agência Brasil.
O estudo indicou também que em 58 do total de 331 termos de audiências de custódia em que houve citação à violência, ou 17,5% dos casos de informação, essas mulheres indicaram agressões físicas com tapas, golpes no ombro, enforcamento, empurrões e chutes, entre outros. Na visão da defensora, esse número pode ter subnotificações por causa do medo de relatar as agressões. “É um percentual alto, e a gente está cada vez mais com um olhar bastante atento a isso. Não só com o que diz respeito à violência física no momento em que são presas. Não se pode conceber que haja agressão frente aos dias atuais e às garantias constitucionais”, disse ela.
A publicação traça um perfil completo das mulheres que foram entrevistadas pela Defensoria Pública durante as audiências de custódia, que é o caso das que não têm advogados. Com base em uma análise qualitativa dos documentos produzidos pela audiência, buscou-se identificar como se deram as decisões judiciais em que pelo menos uma vez houve referência ao termo prisão domiciliar e afins. No total, foi apurado que havia alguma referência à prisão domiciliar em, aproximadamente, 65% das decisões judiciais de mulheres que permaneceram presas, mas atendiam critérios objetivos para prisão domiciliar.
A pesquisa destaca, que de alguma forma, a questão foi incluída durante a audiência de custódia e, mesmo assim, as custodiadas continuaram presas. “Nota-se, ainda, que a maior parte dos documentos produzidos em audiência de custódia e que citam a prisão domiciliar resultam em prisão preventiva. O relatório demonstra, portanto, que a medida da prisão domiciliar é mais comumente citada para ser afastada. Essa tendência se confirma, ao observar que aproximadamente 17,8% apenas das decisões que concedem liberdade provisória para mulheres que atendiam requisitos legais do Artigo 318-B fazem referência à prisão domiciliar”, diz o texto do relatório.
Segundo a defensora, o pedido de prisão domiciliar ou de revogação da prisão pode ser novamente apresentado. “Pode haver um novo pedido de prisão domiciliar ou mesmo de liberdade com revogação da prisão preventiva”, afirmou, acrescentando que a revogação da prisão preventiva pode ser acompanhada de aplicação de medidas cautelares. “Pode ser que a pessoa tenha uma medida de comparecimento mensal ao fórum. Pode ser que haja alguma medida cautelar diversa da prisão”.
Legislação
Em 2016, a Lei n.º 13.257/2016 acrescentou ao Artigo 318 do Código de Processo Penal a possibilidade de substituição da prisão preventiva pela domiciliar no caso de gestante e mulher com filho de até 12 anos incompletos. Em 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF), após julgamento de um habeas corpus coletivo, determinou que a substituição passaria a ser dever do juiz, e não mais uma possibilidade de concessão a todas as mulheres gestantes presas, puérperas ou mães de crianças até 12 anos incompletos ou deficientes. Estão fora da conversão os casos de crimes praticados por essas mulheres mediante violência ou grave ameaça, contra seus descendentes ou, ainda, em situações excepcionalíssimas, as quais devem ser devidamente fundamentadas pelos juízes que negarem o benefício.
Nas audiências, o juiz ou juíza pode conceder a liberdade, relaxar a prisão, pode converter a prisão em domiciliar e a prisão em flagrante em preventiva. Dependendo do resultado da audiência de custódia, pode ter o início de uma ação penal do Ministério Público. Se houver a denúncia, começa o processo no qual a mulher passa a se defender. Para Lúcia Helena, a não conversão das prisões provoca um impacto na família dessas mulheres, sobretudo na relação com os filhos.
A defensora afirmou que grande parte das mulheres que passam pelas audiências públicas nas centrais de custódia de Benfica, na zona norte do Rio, de Volta Redonda, no sul do estado, e de Campos dos Goytacazes, no norte fluminense, sofre a acusação de tráfico de drogas e de crimes previstos no Estatuto do Desarmamento, incluindo o porte de armas. “A gente vê um endurecimento voltado sobretudo por causa do crime de que essa mulher está sendo acusada. Há também mulheres respondendo por furto”, lembrou.
O objetivo de dar continuidade a esses estudos é indicar que diversas coordenações e outros segmentos da Defensoria estão unidos para tentar procurar caminhos para diminuir cada vez mais esse percentual e meios para garantir os direitos dessas mulheres”.
Polícias e Justiça
A assessoria de imprensa da Secretaria de Estado de Polícia Militar informou que aguardava a divulgação do relatório pela Defensoria Pública para fazer uma avaliação sobre os casos de agressões no momento da prisão. “Cabe acrescentar que situações de desvio de conduta por membros da corporação são encaminhados à Corregedoria-Geral, para que seja feita a análise da dinâmica do caso”.
A Polícia Civil não respondeu ao pedido da Agência Brasil até o fechamento desta matéria.
O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) informou que não tem conhecimento dos números que foram apresentados no questionamento da Agência Brasil sobre a quantidade de conversão de prisões em audiências públicas. Por isso, não pode comentar sobre esses números.
O TJ reforçou que a lei prevê que, em determinadas circunstâncias, o juiz poderá converter a prisão em domiciliar nas medidas que poderão ser aplicadas em mulheres gestantes, independentemente do tempo de gestação e da sua situação de saúde, ou que tenha filho menor de 12 anos. “No entanto, a presença de um desses pressupostos, isoladamente, não assegura ao acusado, automaticamente, o direito à substituição da prisão preventiva por domiciliar. O juiz sempre analisa as circunstâncias do caso”, completou.
Fonte: Agência Brasil