O governo de Minas assinou este mês o termo de compromisso com a Vale para construção de uma biofábrica para produzir o mosquito Aedes aegypti com a bactéria Wolbachia. O objetivo é reduzir o número de casos de dengue e zika principalmente nas regiões afetadas pelo desmoronamento de barragens da Vale. Segundo cientistas, o aumento de arboviroses, doenças transmitidas por mosquitos, aranhas e carrapatos é também uma das consequências da trajédia ambiental da ruptura de barragens.
A bactéria está presente em mais da metade dos insetos, mas o Aedes não a tem. Inserida nos ovos do mosquito, a Wolbachia reduz a capacidade de ele transmitir os arbovírus. Soltos na natureza junto com os mosquitos selvagens, os Aedes aegypti com a bactéria passam a ser dominantes, reduzindo a transmissão dos vírus e, consequentemente, os casos de dengue e zika.
— Houve desequilíbrio ambiental a partir do rompimento da barragem da Vale. Estamos realizando estudos para identificar se houve aumento da incidência de arboviroses nestes locais, avaliando fatores climáticos, ambientais e casos de arboviroses na população. Compreender a ecologia das arboviroses é de suma importancia para identificar se o desequilibrio ambiental gerado pelo rompimento da barragem gerou o aumento de numero de casos de arboviroses nos municipios afetados pelo rompimento da barragem — explica a virologista Carolina Amaral, coordenadora do Nucleo de Pesquisa e Inovação em Doenças infecciosas Emergentes e Re-emergentes da SES/MG.
Em Minas Gerais, os casos de dengue nos 22 municípios atingidos pelos rejeitos da barragem da Mina Córrego do Feijão saltaram de 858 em 2018 para 77.741 em 2019, ano da tragédia. Os de zika, passaram de 23 para 309. Só em Brumadinho, que abrigava a mina, os casos de dengue chegaram a 2.105 em 2019, contra 25 no ano anterior à tragédia.
Não foi diferente na região de Mariana, onde o rompimento da barragem do Fundão, em 2015, tomou toda a extensão do Rio Doce, até alcançar o mar. Um estudo feito pela FGV, publicado em 2019, com base no sistema de notificações do SUS (SINAN), mostra que a incidência de febre de chikungunya aumentou em 38 dos 45 municípios atingidos, a da doença aguda pelo vírus Zika, em 39 municípios. A febre amarela, em 30. Os registros de casos de dengue aumentaram 10 vezes mais nos 45 municípios atingidos, em Minas Gerais e Espírito Santo, do que nos municípios controle — que ficam na mesma região mas não foram afetados diretamente pela tragédia.
Não há estudos científicos que comprovem a correlação direta entre o aumento de casos e as duas tragédias socioambientais. Em 2019, praticamente todo o estado de Minas teve epidemia de dengue, com a entrada do tipo 2. É certo, porém, que a solução do problema na região de Brumadinho pode estar mais perto. E a aposta é o controle biológico do mosquito.
O novo projeto faz parte de um compromisso de R$ 135 milhões da Vale com o governo de Minas Gerais, para financiar a construção da biofábrica e projetos da Fundação Ezequiel Dias (Funed). A biofábrica deverá ser operada pela Fiocruz em parceria com a Secretaria de Saúde de Minas Gerais e suas atividades devem ser bancadas pela mineradora durante cinco anos. A expectativa é que a unidade se transforme a maior biofábrica da América Latina e sua construção seja iniciada ainda este ano. O contrato entre as partes ainda está sendo negociado.
O método Wolbachia, desenvolvido inicialmente na Austrália, é testado no Brasil desde 2015. O primeiro município a receber o projeto foi Niterói (RJ). O resultado preliminar apontou redução de 75% nos casos de Chikungunya. O percentual é bem parecido com do primeiro estudo completo sobre o método, feito na Indonésia, que mostrou que os Aedes aegypti com a bactéria Wolbachia reduziram em até 77% a incidência de casos de dengue nas áreas urbanas onde foram soltos.
Luciano Moreira, pesquisador da Fiocruz e líder do Método Wolbachia no Brasil, afirma que o primeiro estudo clínico randomizado no Brasil começou a ser feito em outubro passado, em Belo Horizonte. Trata-se de um estudo clínico padrão ouro, onde áreas que receberam o Aedes aegypti com a bactéria serão comparadas com áreas de mosquitos selvagem. O prazo é de conclusão é de três anos.
— É importante dizer que não há qualquer modificação genética no processo, nem no mosquito, nem na bactéria — explica Moreira.
Moreira ressalta que o método é sustentável. Em Niterói, cinco anos depois da liberação dos mosquitos pela Fiocruz, 100% dos Aedes aegypti coletados têm a bactéria. Uma vez que o mosquito com a bactéria cruza com um exemplar selvagem, a prole já nasce com a Wolbachia.
A biofábrica da Fiocruz, no Rio de Janeiro, que atua para aplicação do Método Wolbachia, produz cerca de dois milhões de ovos de Aedes aegypti com Wolbachia por semana. A nova unidade, em Minas, deverá triplicar essa produção.
Moreira explica que as solturas são feitas por bairro, semanalmente, durante 16 semanas. A cada 50 metros é aberto um tubo e são liberados 150 mosquitos. Antes disso, o projeto é discutido com os moradores.
Carolina Amaral afirma que, sozinha, a biofábrica não resolve o problema dos mosquitos. O Método Wolbachia vai se integrar a diversas outras iniciativas na região de Brumadinho, como a conscientização da população para reduzir criadouros e aplicação de produtos químicos, como o fumacê. Na região, a Vale, por exemplo, usa até mesmo drones para localizar criadouros de Aedes aegypti e fazer a aplicação de larvicidas, quando necessário.
O Wolbachia é um projeto do World Mosquito Program, já adotado em 11 países. Trazido por Moreira para o Brasil, além de BH, também está sendo implantado pela Fiocruz em Campo Grande (MS) e Petrolina (PE), em iniciativa patrocinada pelo Ministério da Saúde.
Fonte: O GLOBO