Com aumento expressivo no número de casos graves de covid-19 e já sob risco de falta de oxigênio, prefeituras do norte de Minas Gerais e da Bahia improvisaram um troca-troca intermunicipal de cilindros do insumo para tentar garantir o fornecimento a hospitais e evitar a morte de pacientes com a doença.
Em Minas, o transporte dos cilindros entre uma cidade e outra é feito muitas vezes em caminhonetes particulares de secretários e servidores das prefeituras. Não há pagamento pelos cilindros. “É na base da solidariedade. É um socorrendo o outro”, afirma o prefeito de Januária, Maurício Almeida (PP). Uma das últimas negociações do município foi com Urucuia, que emprestou 18 cilindros para Januária. A distância entre as duas cidades é de 200 quilômetros.
Até fevereiro, o hospital de Januária gastava 18 cilindros de oxigênio por dia. Hoje, o consumo é de 36 cilindros por dia. A suspeita, como ocorre em todo o País, é de que as novas cepas do vírus estejam provocando tanto a alta nas internações como a necessidade de mais oxigênio para tratamento dos pacientes. Januária tem seis leitos de unidade de terapia intensiva para tratamento de covid-19. Todos ocupados.
Outros quatro leitos poderiam ser abertos, conforme o prefeito, mas o problema no fornecimento do oxigênio impediu o funcionamento das novas unidades de UTI, que acabaram transferidas para Brasília de Minas, também na região norte. Januária, que tem cerca de 68 mil habitantes, registra 150 casos de covid-19 com 21 mortes, nenhuma, ao menos por enquanto, por falta de oxigênio. “É um momento muito frágil nosso. Não fosse a ajuda entre os municípios, mais gente já teria morrido”, disse o prefeito.
O procurador-geral de Manga, Reginaldo da Silva Pinto, conta que o município já pediu ajuda a Januária (105 quilômetros de distância), Janaúba (144 quilômetros de distância), e que também já forneceu o insumo para outras prefeituras.
“O ideal seria que a gente tivesse estoque de oxigênio, para dar tempo de a empresa vir aos municípios e recarregar os cilindros”, afirma o procurador. As entregas são semanais. Com o aumento do consumo, a necessidade de reposição foi ampliada. “Outro dia, fizemos o cálculo de oxigênio para que durasse uma semana. Porém, acabou em dois dias”, conta o representante da prefeitura.
O diretor-presidente do único hospital de Manga, a Fundação Hospitalar de Amparo ao Homem do Campo, Edílson da Silva Pinto, afirma que antes utilizava de dez a quinze cilindros de oxigênio por semana. “Somente no último fim de semana, gastamos 17”, disse o diretor-presidente do hospital, que tem 16 leitos de terapia semi-intensiva para tratamento de covid-19. Pacientes mais graves da doença têm que ser transferidos para cidades com unidades de terapia intensiva. Manga já teve 11 mortes por covid-19. Há 128 casos ativos na cidade.
Cilindros
O proprietário da empresa Corsino, do setor de oxigênio medicinal, Aristides Corsino da Silva, afirma haver em todo o País hoje falta de cilindros para acondicionar o oxigênio. “O problema chama-se vasilhame”, apontou. Segundo o empresário, uma empresa que fabrica cilindros em São Paulo direcionou a pedido do governo federal toda a sua produção para Manaus durante a crise no sistema de saúde local.
“Oxigênio não acaba nunca. O problema é ensacar”, argumentou. “A produção nesse setor é muito estável, mas com a pandemia a procura triplicou e ninguém estava preparado”, acrescentou. A empresa fica em Montes Claros, a maior cidade da Região Norte de Minas.
A Associação dos Municípios da Área Mineira da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Amams) pediu ao governo de Minas a adoção de medidas imediatas que assegurem o fornecimento de oxigênio a hospitais de 12 cidades da região. A associação afirma ter feito contato com as empresas fornecedoras de oxigênio. A informação, conforme a entidade, é de que nenhuma estaria em condições de atender a novas demandas.
A reportagem entrou em contato com a Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais e aguarda posicionamento. Na terça-feira, 16, o secretário estadual de saúde Fábio Baccheretti afirmou ter acionado o Ministério da Saúde para garantir o fornecimento de oxigênio a Minas Gerais. Disse, no entanto, que não há crise de abastecimento do insumo. A reportagem também entrou em contato com o Ministério da Saúde e aguarda retorno. O mesmo ocorre com uma das fornecedoras de oxigênio em Minas e na Bahia, White Martins.
Consumo em uma hora
O esquema de troca de cilindros vem funcionando também na Bahia. O prefeito de Queimadas (Norte do estado), André Andrade (PT), afirmou em vídeo divulgado nas redes sociais que o cenário da covid-19 na cidade piorou mesmo depois da decisão de lockdown e toque de recolher, e que há dificuldades para aquisição de oxigênio para o hospital. “Tem paciente consumindo um botijão daqueles em apenas uma hora”, disse, no vídeo.
A cidade tem sete pessoas internadas com necessidade de oxigênio para tratamento. A capacidade total é para nove. “Para vocês terem ideia do que estamos passando aqui em Queimadas, estamos tentando cilindros com Feira de Santana (175 quilômetros de distância) e outras prefeituras amigas”, afirmou, no vídeo. “Nossas cidades irmãs não têm mais como ajudar e nem nós como ajudá-las”, disse.
Em nota, a secretaria de saúde da Bahia disse que o abastecimento de oxigênio no Estado segue normal em todas as unidades da rede estadual. “Temos elevada capacidade de armazenagem nos hospitais, pois utilizamos tanques ao invés de cilindros. Além disso, temos contrato com diversos fornecedores que têm condições de dobrar a produção caso seja necessário, não havendo risco de faltar oxigênio”.
Ainda segundo a nota, “em caso de risco de interrupção da assistência em alguma unidade, os municípios são orientados a informar a Central Estadual de Regulação para que, se necessário, os pacientes sejam transferidos para outros locais que tenham recursos indicados para os pacientes”.
Fonte: Estadão Conteúdo