Faleceu aos 91 anos, na madrugada desta sexta-feira (26), José Caetano Belisário, o Tobias, compositor e sambista, fundador na década de 1960 da escola de samba Gente Humilde de Itabira – e que depois ressurgiu para desfilar na avenida Carlos Drummond de Andrade, no início da década de 1980.
Foi em meados da década de 1950 que Tobias conheceu aquele que virou o seu grande mecenas, o compadre e ex-prefeito Daniel de Grisolia (1959 a 1963 e de 1967 a 1970), para quem compôs jingles para as suas campanhas eleitorais.
De volta a Itabira, antes de fundar a Gente Humilde, ele montou a sua histórica charanga com “os meninos do Capim Cheiroso”. “Começamos a fazer batucada batendo nas latas.”
Na entrevista, Tobias contou que nunca frequentou escola e que aprendeu a ler sozinho, lendo jornais.
O primeiro sucesso para a campanha de Daniel foi o samba-jingle Eleitor de Cuia, que compôs em parceria com o amigo Zé Pinto.
“Ele trouxe a letra pronta, escrita à mão. Eu falei, ‘ô Zé, assim eu não sei ler. Traz em letra de jornal que eu entendo’. E assim ele trouxe e compus a música.”
Uma de suas composições, Proibiram o meu samba, é uma resposta bem humorada ao autoritarismo do coronel Fonseca, que o perseguia a mando dos adversários de Daniel Grisolia. Diz a letra:
“Proibiram o meu samba, mas não incomodei, não/ Sou sambista lá do morro, gosto de alegrar o povo, mas não sou de confusão/Moro no Morro de Santo Antônio, procure o meu nome, sou o maioral de lá/Meu direito é livre, quero-me desabafar/Dá o que dá, dá o que dá. Proibiram o meu samba…”.
Segundo o sambista, esses mesmos adversários perseguiram o padre Lopão, que também apoiava Daniel. “Ameaçaram mandar o padre pro quinto dos infernos, ou para uma paróquia bem pequenina, se não mudasse de opinião”, recordou.
O padre permaneceu em Itabira e não mudou de opinião. O episódio acabou virando tema de mais um samba do criativo compositor:
“O nosso padre Zé Lopão não larga Itabira, não/Não sai de nossa união/Não vai fazer gosto a ninguém, não./Na matriz ou nas procissões, praticamos a nossa religião./Não vai largar a nossa paróquia, não/ Vamos rezar com devoção/Ave Maria, ave Maria.”
Linguagem de macaco
Tobias era poliglota. Além do português, era um exímio conversador na linguagem de camaco (macaco), que ele aprendeu ainda no tempo em que “garimpava” minério de ferro na mina Cauê.
Foi quando ele disse ter surgido a linguagem, tratando logo de aprender. “Foi um modo de conversar que inventamos para os ingleses não entenderem o que a gente falava.”
Sem perder tempo, o nosso menestrel do samba compôs Ah, que tosgoso, no recém-criado “dialeto”.
Ah, equ tosgoso, ah equ tosgoso. (Ah, que gostoso, ah, que gostoso)./E on lhevo pemto do Pacim Reichoso. (E no velho tempo do Capim Cheiroso)./E a ita Lecicia zafia o lobo, ás Mencletina zafia o facé. (e a tia Cecília fazia o bolo, e sá Clementina fazia o café)./Uem aip Ez ad Vilsa xupava o lofe na saquinha de pasé. (Meu pai Zé da Silva puxava o fole na casinha de sapé)./Ah que tosgoso, ah que tosgoso. (Ah que gostoso, ah que gostoso)./On lhevo pemto no Pacim Reichoso. (No velho tempo do Capim Cheiroso).”
Pneumonia
Na entrevista a este site, Tobias se vangloriou de só ter entrado em um hospital para tratar de uma gripe forte que o acometeu no ano de 2012.
“Até então eu não tomava remédio de farmácia. Só das plantas, Meu remédio para gripe era chá de Santo Antônio com Mané Magro”, disse ele, que misturava “carquejo, babaçu e juburão numa garrafada.”
Pois recentemente ele teve de ser internado para tratar de uma infecção pulmonar. “No hospital, ele pegou covid e não resistiu”, conta o seu filho Osni Belisário.
Genial, Tobias, poeta e sambista bilíngue, hoje deixa essa vida, mas se torna o eterno sambista itabirano.