As mãos deles enchem baldes de água e sabão. Varrem pisos, esfregam paredes e os deixam limpos, prevenindo o novo coronavírus(Sars-CoV-2) e outras contaminações. As importantes faxinas que desinfectam todos os ambientes profissionais e até de saúde, contudo, têm um preço alto a ser pago na pandemia. Faxineiros, garis e auxiliares de limpeza respondem por 62% dos profissionais que já foram internados pelo menos um dia em hospitais da Grande BH por COVID-19.
Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (PNAD) COVID-19, do IBGE, realizada entre maio e novembro de 2020 em 295 residências em que pessoas foram hospitalizadas na Região Metropolitana de Belo Horizonte (veja o quadro). Segundo o sindicato dos trabalhadores de asseio e conservação, condomínios e limpeza urbana de Belo Horizonte e região (Sindeac), que realizou 4 mil testes de COVID-19 em 2020, a prevalência da doença afeta 30% dos trabalhadores.
Na linha de frente, profissionais de saúde, socorristas e de segurança pública mineiros também sofrem, com uma média de 23 bombeiros e policiais militares sendo infectados todos os dias desde o início da epidemia. Destes, 171 morreram infectados pelo vírus de março de 2020 a abril deste ano, segundo as entidades representativas das classes.
A dor da perda da irmã para a COVID-19 é um luto que assombra a faxineira Maria de Lourdes Rocha, de 53 anos, todas as vezes que ela precisa embarcar em um ônibus lotado e se deslocar até o Hospital da Santa Casa, na região dos hospitais, a área de BH onde mais pacientes com o vírus são tratados. “Moro em Ibirité (Grande BH), pego ônibus para vir trabalhar, e a gente tem receio sim, medo. No início da pandemia, cheguei a ficar três meses afastada por conta de uma mucosa que eu tenho, mas também já fui vacinada e estou mais tranquila. Mesmo assim, a gente tem que ficar com atenção, perdi uma irmã para a COVID em dezembro também, com 50 anos. É muito complicado”, desabafa.
Em seguida, entre as profissões que mais ingressaram nos hospitais vêm os aposentados, respondendo por 30% dos pesquisados, muitos deles ainda se mantendo ativos em setores como o de limpeza, entregas, transportes, escritórios e vendas para complementar a renda média de R$ 1.531.
Na sequência das profissões mais internadas, de acordo com a PNAD, aparecem os empregados domésticos, diaristas e cozinheiros, com 6,5% de participação nas internações de pelo menos um dia. Também um grupo de baixa renda e alta exposição a uma rotina com aglomerações e fontes de contaminação. O salário médio dessas pessoas que trabalham nas casas de outros é de R$ 1.056 mensais. Na sequência, com 0,3% cada, apareceram os técnicos ou profissionais de saúde de nível médio, vendedores, caminhoneiros, entregadores de mercadorias e auxiliares de produção e o mesmo somatório de outras ocupações.
Do total de pessoas internadas por pelo menos um dia, as idades são em sua maioria acima dos 55 anos. A internação em hospitais foi ainda mais grave para 8% dos profissionais dos domicílios que acabaram sendo sedados, intubados ou colocados em respiração artificial com ventilador mecânico. Desses, todos acima de 65 anos, a amostragem assinala que 49% eram faxineiros e auxiliares de limpeza, 25% aposentados, 17% empregados domésticos, diaristas ou cozinheiros, 4% eram entregadores de mercadorias de restaurantes, farmácias, lojas e aplicativos do comércio, mesmo percentual também de auxiliares de produção acometidos pelas formas mais graves de internação médica segundo a pesquisa e 1% de outras ocupações.
Impacto
De acordo com o Sindeac, os profissionais de limpeza como garis e faxineiros “são extremamente expostos, pois lidam com resíduos de limpeza comercial e residencial de origens desconhecidas. A distribuição de equipamentos de proteção individual cabe aos empregadores, mas nem sempre é seguida de forma satisfatória e com isso nem sempre são utilizados de forma abrangente. O sindicato trabalha com notificações em cima de denúncias, pois a quantidade de condomínios na Grande BH é muito grande para ser efetivamente fiscalizada”. Segundo a entidade, os trabalhadores que atuam no setor da saúde foram vacinados prioritariamente, mas ainda se aguarda que os demais sejam, assim como os garis que continuam em greve pela imunização.
A PNAD COVID-19 tinha por objetivo estimar o número de pessoas com sintomas referidos associados à síndrome gripal e monitorar os impactos da pandemia no mercado de trabalho brasileiro. A coleta teve início em 4 de maio de 2020, com entrevistas realizadas por telefone em, aproximadamente, 48 mil domicílios por semana, totalizando cerca de 193 mil domicílios por mês, em todo o Brasil. Para os entrevistados que apresentaram algum sintoma, perguntou-se quais as providências tomadas, se buscaram por atendimento médico e qual o tipo de estabelecimento de saúde procurado, com a reportagem selecionando as pessoas internadas por mais de um dia, por se tratarem de estágios mais graves da COVID-19. Em novembro, a taxa de desemprego chegou a 14,2%, a maior da série histórica da pesquisa, correspondendo a 14 milhões de pessoas sem trabalho.
Essenciais, expostos e adoecidos
Os trabalhadores essenciais na linha de frente do combate à COVID-19 também sofrem pela alta exposição ao contágio pelo novo coronavírus. Segundo os sindicatos da categoria, de março de 2020 a abril deste ano, em média 23 bombeiros e policiais militares têm sido infectados diariamente em Minas Gerais. Foram 1.067 bombeiros militares e 7.822 PMs que testaram positivo para o vírus, um total de 14.789 militares infectados e que necessitaram de isolamento ou tratamento médico mais complexo. Desses, 160 policiais e 11 bombeiros perderam as vidas na luta contra a COVID-19, de acordo com as entidades de classe.
Em Belo Horizonte, já chega a 10% o quantitativo dos funcionários públicos que se afastaram por transtornos mentais e sobrecarga durante o enfrentamento da pandemia, somando 1.177 profissionais da Secretaria Municipal de Saúde (SMSA). Os profissionais que precisaram ser afastados por transtornos mentais podem aderir a um projeto de acolhimento profissional com acompanhamento virtual com funcionários da linha de frente. A Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) também oferta desde abril um acompanhamento aos profissionais da linha de frente com psicólogos, psiquiatras e assistência social com mais de 400 atendimentos já registrados.
Vacinados
Segundo a SMSA, até a última quarta-feira receberam a primeira dose das vacinas contra a COVID-19 6.594 profissionais e moradores de Instituições de Longa Permanência, residências inclusivas e Serviços de Residência Terapêuticas, mas apenas 12 tiveram o reforço aplicado. Entre os trabalhadores da saúde foram 87.226 vacinados com a primeira aplicação e 67.902 com a segunda. Até o momento 2.386 funcionários públicos da linha de frente testaram positivo para o vírus, a maioria 1.106 (46,3%) advindos dos postos de saúde da capital mineira.
Fonte: Estado de Minas