“Um programa para a mulher, um programa para você”. Era assim que começava a vinheta do Alô Daisy, programa da Rádio Nacional, na década de 1970. Lançado em 19 de abril de 1971, foi pioneiro na prestação de serviço. Com o microfone na mão, a apresentadora Daisy Lúcidi ajudou muitos ouvintes, ao longo de 46 anos. Desde cadeira de rodas a empregos, o programa contribuiu para mudar a vida de quem o acompanhava e a ele recorria.
Ao receber o convite para apresentar um programa diário em 1971, Daisy aplicou os conhecimentos adquiridos em um curso de serviço social. Na Rádio Nacional desde 1952, ela já tinha atuado em radionovelas e outros programas da casa, como o Seu Criado, Obrigado!, com César Ladeira, e encarou, naquele momento, o desafio de comandar um programa diário em uma fase de reestruturação da emissora. Reveja um trecho do programa Caminhos da Reportagem sobre os 80 anos da Rádio Nacional.
Prestação de serviços
Marcado pela prestação de serviços, o Alô Daisy era transmitido, inicialmente, nas tardes de segunda a sexta-feira, com duas horas de duração. Pedidos de emprego, cadeiras de rodas e coletes ortopédicos eram frequentes no programa. “Ela botava a boca no microfone e conseguia muitas coisas”, afirmou Egle Miranda Bozza, nora de Daisy. Fátima Bonfim, produtora do Alô Daisy por mais de 30 anos, lembra: “Era uma troca permanente de doações.”
Para dar conta de todo o material disponibilizado, Daisy mantinha um depósito em Braz de Pina, zona norte do Rio de Janeiro. Com o auxílio de uma kombi, conseguia levar e buscar o que era doado a quem precisava. A equipe tentava sempre atender aos pedidos. “Eram pessoas carentes, que não tinham condições, e a gente fazia esse canal de atendimento”, contou Fátima.
O programa tentava solucionar as denúncias feitas por ouvintes, que participavam ativamente, tanto do auditório do Edifício A Noite, na Praça Mauá, no Rio de Janeiro, como pelo telefone. Daisy cobrava as autoridades e solicitava soluções para inúmeros problemas.
Quadros de destaque
A radialista Astrid Nick, da Rádio Nacional, foi estagiária do programa e depois convidada por Daisy para fazer parte da atração. Ela chegou a substituir a apresentadora em férias e outros momentos. Astrid conta que, além de atender às demandas que a audiência trazia, o programa tinha quadros como o Tititi.
A equipe de jornalismo também participava do programa, com entradas ao vivo e ouvindo a opinião das pessoas na rua. O Alô Daisy contava com o quadro Cidade, Atenção, que apresentava matérias sobre os assuntos que mais repercutiam no dia a dia do Rio de Janeiro. Daisy já abria o programa com um editorial, que abordava o assunto mais importante do dia.
Temas de destaque e interesse geral eram debatidos em dois quadros: Agora é que São Eles e Agora é que São Elas. O primeiro ia ao ar toda quarta-feira, com um grupo formado por homens. Já o segundo era um debate só de mulheres, transmitido às sextas-feiras. Daisy Lúcidi mediava os dois encontros, que reunia profissionais liberais, políticos e artistas. “Tinham uma grande repercussão, os ouvintes participavam pelo telefone”, lembrou Fátima.
O ponto forte do programa era a hora das entrevistas com artistas, que divulgavam peças e álbuns. Passaram pelo Alô Daisy nomes como Agnaldo Timóteo, Jerry Adriani e Ellen de Lima. Na época do auditório na Praça Mauá, eles se apresentavam ao vivo, com a presença do público.
Relação com os ouvintes
Uma das razões do sucesso do programa foi a proximidade de Daisy Lúcidi com os ouvintes. Muitos viraram amigos e passaram até a trabalhar com ela. É o caso de Nilza Mendes. Assessora da apresentadora, ela conheceu o Alô Daisy por meio da irmã e chegou a vencer um concurso da atração, o Cinderela do mês. A partir daí, continuou a escrever cartas para o programa e tornou-se muito próxima da radialista. Vivenciou muitas histórias ao lado de Daisy, tanto na Câmara Municipal do Rio como na Rádio Nacional. Uma delas chamou a atenção de tão inesperada.
A nora Egle Bozza considera que o carinho dos ouvintes aumentou ainda mais o alcance do Alô Daisy. “A empatia que ela tinha com os fãs era uma coisa doida”, disse. Para a produtora Fátima, a apresentadora transmitia força e coragem. “Os ouvintes sabiam que podiam contar com ela”, afirma. “Tudo que caía no colo dela, ela dava um jeito de resolver”, acrescentou. Parte desse público fiel estava presente todas às terças no Edifício A Noite, para participar ao vivo do Alô Daisy.
Lar de Clarice
A prestação de serviços levou Daisy a ser convidada para entrar na política. Ela foi eleita primeiro como vereadora, em 1978. Quatro anos depois, em 1982, chegou à Assembleia Legislativa, tornando-se deputada estadual. Seu último mandato terminou em 1998. Casada por 64 anos com o locutor esportivo Luiz Mendes, falecido em 2011, ela optou por não se candidatar a um mandato de deputada federal, na Câmara de Deputados, em Brasília, pois não queria ficar longe da família no Rio de Janeiro.
Com o trabalho na política, a assistência social do Alô Daisy estendeu-se para a comunidade Roquette Pinto, em Ramos, onde a apresentadora manteve por muitos anos o Lar de Clarice, uma creche que atendia cerca de 60 crianças de zero a seis anos. Além do ensino, a instituição oferecia atendimento odontológico e médico aos seus assistidos.
Últimos anos e morte de Daisy Lúcidi
Com a saída da Rádio Nacional do Edifício A Noite, o programa passou a ser feito nos estúdios da Avenida Gomes Freire, na Lapa. Sem o auditório para shows ao vivo e com redução de uma hora no tempo de duração, o programa chegou a ser transmitido aos sábados.
O fim do programa veio a partir do momento que Daisy Lúcidi decidiu aderir ao Programa de Demissão Voluntária (PDV) da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), no início de 2018. A despedida de Daisy dos microfones veio depois de mais de 46 anos no ar com prestação de serviços, debates e incentivo à música brasileira.
Daisy morreu aos 90 anos, em maio de 2020, no Hospital São Lucas, no Rio de Janeiro, vítima da covid-19. Deixou saudade e uma trajetória marcada pela prestação de serviços, sempre lembrada no Alô Daisy. Ouça aqui reportagem especial sobre 90 anos da apresentadora, veiculada na Rádio Nacional em agosto de 2019, com depoimentos da atriz Nicette Bruno e da radialista Astrid Nick.
Fonte: Agência Brasil