O Tribunal Constitucional do Chile declarou inadmissível nesta terça-feira (27) a impugnação apresentada pelo governo contra a lei que permite um terceiro saque de até 10% dos fundos de pensões, o que representa um duro golpe para o presidente Sebastián Piñera, que agora terá que promulgar ou vetar a iniciativa do Congresso.
Por sete votos a favor e três contra, o plenário do Tribunal Constitucional resolveu indeferir o requerimento apresentado pelo governo contra a lei despachada na sexta-feira pelo Congresso e que permite um terceiro saque de até 10% dos fundos privados de pensão como um salva-vidas para enfrentar a crise econômica provocada pela pandemia, segundo um comunicado oficial.
“O presidente Sebastián Piñera deu um tiro no pé; cometeu um erro histórico”, disse um deputado opositor do partido de centro-esquerda PPD, Raúl Soto, assim que foi divulgada a votação do Tribunal.
Após esta decisão, o presidente deverá promulgar a iniciativa ou também pode vetá-la. Mas neste caso, a norma deverá voltar a ser debatida no Congresso.
Piñera anunciou que promulgará a lei.
“Como governo, respeitamos e aceitamos a decisão do Tribunal Constitucional, sem preconceito por não compartilhá-la. Por estas razões, vamos promulgar hoje a reforma para permitir o saque de 10% das economias provisórias”, disse, em declaração no Palácio de La Moneda, em seguida a uma disputa de poderes inédita que marcou uma das piores crises políticas nos 31 anos de democracia no Chile.
Em 30 de dezembro, o Tribunal Constitucional tinha decidido contra uma iniciativa similar que propunha um segundo saque de fundos de pensões e que também foi impugnada pelo governo conservador, mas acabou se concretizando após a apresentação de um projeto similar pelo próprio governo.
O Tribunal não explicou as razões da decisão, mas antes do início da sessão nesta terça, um dos juízes, Iván Aróstica, comentou algumas das argumentações que seriam consideradas.
“Ocorreram situações bem importantes entre 30 de dezembro e o dia de hoje. Há mudanças não só em situações factuais; agravaram-se as medidas de salubridade, há resoluções, há leis e está a própria sentença do Tribunal Constitucional”, afirmou o magistrado, que diferentemente da decisão anterior, nesta terça votou contra a solicitação de impugnação apresentada pelo governo de Piñera.
– Confronto com o Congresso –
O confronto com o Congresso levou Piñera a protagonizar uma nova crise política, que tem como pano de fundo as cinco semanas de quarentena em grande parte do país e o ressurgimento de protestos sociais devido ao atraso e excesso de requisitos para se qualificar para a ajuda social.
A oposição acusa Piñera pelas ajudas sociais terem sido escassas, seletivas e tardias, considerando a magnitude das quarentenas prolongadas que afetaram o bolso das classes média e baixa deste país, em uma posição à qual aderiram amplos setores de sua coalizão de governo.
Em resposta à iniciativa da oposição, Piñera apresentou seu próprio projeto de lei na noite de domingo para estabelecer uma terceira retirada de fundos de pensão. O presidente considera o projeto aprovado pelo Congresso “inconstitucional”.
A nova proposta previa um auxílio de 200.000 pesos (285 dólares) para quem teve suas contas zeradas com os dois saques anteriores autorizados em julho e janeiro e uma polêmica proposta de recuperação dos fundos, com um aumento de 2% nas contribuições dos empregadores e uma contribuição do Estado para recuperar os fundos das questionadas Administradoras de Fundos de Pensão (AFP), um dos eixos da indignação cidadã que deu origem aos protestos sociais de outubro de 2019.
Entre as opções que Piñera tem após a decisão do Tribunal Constitucional, pode vetar todo o projeto ou propor modificações, como a entrega da fiança de 285 dólares, por meio de um “veto substituto”, caso em que o projeto também voltaria a Congresso.
– Forte derrota-
Sem tentar um acordo prévio com a oposição ou ouvir a reclamação das manifestações para acessar rapidamente um terceiro saque, a nova estratégia de Piñera acentuou a profunda crise institucional e política que seu governo enfrenta, afirmou o cientista político acadêmico da Universidade de Santiago, Marcelo Mella.
“A forma de tomar decisões não é apenas tecnocrática, mas também extremamente elitista, com pouca conversa, e parte do mal-estar que caracteriza a sociedade chilena hoje é a demanda por uma democracia onde os destinatários das políticas sejam mais considerados”, disse Mella à AFP.
Com a popularidade no nível mais baixo para um presidente desde o retorno da democracia (9%), Piñera perdeu inclusive o apoio de seus aliados, o que foi ilustrado na dura derrota política que sofreu no Congresso na sexta-feira passada.
Em um ano eleitoral no qual em três semanas a população vai às urnas para eleger prefeitos, vereadores e constituintes, antes das eleições presidenciais e parlamentares de novembro, as posturas mais radicais e populistas crescem como nunca antes no Congresso.
Fonte: MSN