Ao longo dos últimos três anos, a Avenida Lima Júnior, conhecida como Curva do Vento, em Ouro Preto, Região Central de Minas Gerais, foi palco de diversos eventos envolvendo vítimas de suicídios.
As tentativas e consolidações são por causa de um perigoso precipício de mais de 200m de altura. Para amenizar a imagem de que o local é ponto de sofrimento e angústia, na sexta-feira (21/5) foram instaladas 13 placas informativas e de acolhimento.
De acordo com o 2º tenente do Corpo de Bombeiros Anderson Aquino, em 2018, foram registradas pela corporação 10 ocorrências de tentativas de suicídios e uma consumada. Em 2019, foram 16 tentativas e três consumados. E em 2020, foram 21 ocorrências, sendo uma consumada.
Os crescentes dados apontam o que o Departamento de Saúde Mental e de Abuso de Substâncias da Organização Mundial de Saúde (OMS) afirma na cartilha de prevenção de suicídio, publicada em 2006: “A apropriada disseminação de informação e a consciencialização são elementos essenciais para o sucesso dos programas de prevenção ao suicídio”.
De acordo com o professor do Departamento de Medicina da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) Aislan de Assis, as placas servem como uma primeira e inovadora iniciativa para mudar a história do local e das pessoas que passam por ali.
“Estamos trabalhando para realizar intervenções culturais, artísticas e de acolhimento no local de modo a ressignificar o espaço, que é belo e aprazível, passando para um cenário de vida e beleza natural da cidade de Ouro Preto”.
O professor ressalta que o que é mais eficaz nas abordagens ao suicídio é o cuidado e acolhimento, por meio de ações de escuta atenta e qualificada, valorização do sofrimento e dos motivos que as pessoas apresentam.
“Nesse sentido, é importante a suspensão dos preconceitos e, especialmente, a construção coletiva de ações de prevenção humanizadas e com garantia de direitos que são fundamentais para o atendimento às vitimas e sobreviventes”.
Como começou
A iniciativa veio de uma proposta de prevenção no local apresentada pelo 2º sargento bombeiro Dionello Magalhães, após constatação do aumento gradual no volume de ocorrências dessa natureza.
A ideia foi prontamente acolhida pelo comando da fração e potencializada pelo comando da unidade.
Diante deste cenário, instaurou-se uma comissão multidisciplinar, formada por profissionais especialistas em áreas correlatas à temática do suicídio para a construção de uma proposta de intervenção.
A coordenação foi do 2º tenente Anderson Aquino, então comandante do pelotão de Ouro Preto, e a supervisão do major Kleber Silveira de Castro, estudioso do assunto há mais de 15 anos e que ministrou diversos treinamentos para os militares da corporação.
Aquino conta que todos os detalhes que compõem as placas, como cores, palavras e telefones de contato, foram cuidadosamente selecionados a partir das doutrinas existentes e debatidos entre todos os membros da comissão, que contou, além dos bombeiros militares, com médicos, enfermeiros, psicólogos e estudiosos da suicidologia.
A concessão de autorização para instalação das 13 placas foi feita pela prefeitura em fevereiro. Devido à entrada do município na onda roxa do Plano Minas Consciente, a instalação só foi feita nessa sexta-feira.
Na inauguração, o coordenador da comissão enfatizou que o local necessita de intervenções culturais em vários níveis com o propósito de redução do estigma gerado ao longo do tempo.
“A presença do prefeito de Ouro Preto, juntamente com demais representantes do Executivo e Legislativo municipais, refirmou o compromisso do poder público local em dar andamento à demanda”, disse o tenente Anderson.
Para além das placas
A cartilha da OMS aponta que, em termos da prevenção do suicídio, é importante considerar níveis de intervenção primária, secundária e terciária.
O nível primário diz respeito a pessoas que ainda não mostram sinais de tendência suicida, ou em que os transtornos são ainda muito limitados.
A prevenção deve focar-se no apoio e melhoria do funcionamento em contextos interpessoais e sociais, bem como em diminuir significativamente as condições de risco emocionais, físicas e econômicas.
O professor da UFOP Aislan de Assis conta que existe muito preconceito no modo de falar e abordar o suicídio.
“Alguns acreditam, inclusive, que não se pode falar nisso. Um erro, pois o silenciamento dessa experiência humana silencia também as pessoas que, devido a motivos tão diversos e particulares, recorrem à prática como recurso de esgotamento”.
Com a parceria da coordenadora de saúde mental de Ouro Preto, Paula de Brito, e a estudante de medicina da UFOP Ana Carolina Vaz foi realizado, em 2019, o curso de extensão “Abordagens do Suicídio: cuidado, acolhimento e prevenção”, com o objetivo de vencer o silenciamento em torno do tema.
“Esse é um problema grave e incidente em Ouro Preto, sensibilizando e convocando esforços para a construção de abordagens de cuidado e acolhimento às vítimas, sobreviventes e comunidades tão sofridas com esses acontecimentos”.
Segundo o professor, devido à pandemia do coronavírus, não foi possível dar seguimento às atividades já construídas na finalização do curso, que, entre tantas, previa a construção de um plano coletivo e popular para as abordagens do suicídio em Ouro Preto.
Para além de Ouro Preto
De acordo com a Organização Mundial de Saúde, estima-se que 815.000 pessoas em todo o mundo cometeram suicídio ao longo do ano de 2000, o que representa uma morte a cada 40 segundos.
Em indivíduos que se encontram entre 15 e 44 anos, o suicídio foi a quarta causa de morte e a sexta causa de incapacitação.
Além disso, para cada óbito por suicídio, há no mínimo cinco ou seis pessoas próximas ao falecido cujas vidas são profundamente afetadas emocional, social e economicamente.
Em todo o estado, o Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais (CBMMG) atendeu nos últimos cinco anos mais de 15.000 tentativas de suicídio – o SAMU Belo Horizonte, por exemplo, atende diariamente mais de 10 tentativas, seja via teleatendimento, seja com suas viaturas em campo.
Segundo o 2° tenente Anderson Aquino, a Polícia Militar de Minas Gerais, dada sua capilaridade, bem como as guardas municipais, são chamadas a atender ocorrências de difícil intervenção.
“Para isso, esses profissionais devem estar devidamente preparados técnica e taticamente”.
Fonte: Estados De Minas