Nova Era – No ano em que os católicos do mundo inteiro celebram São José como patrono da Igreja, um templo barroco dedicado ao esposo de Maria e pai de Jesus se torna alvo de polêmica. E rende muito assunto entre a população e em redes sociais. Em Nova Era, na Região Central do estado, a 140 quilômetros de Belo Horizonte, a iniciativa do padre Elvis José Corrêa, há seis meses titular da Paróquia São José da Lagoa, de colocar três peças novas na capela-mor, diante do altar esculpido pelo português Francisco Vieira Servas (1720-1811), vem provocando forte reação popular.
Com uma campanha em andamento para contribuição comunitária, padre Elvis pretende trocar a mesa da eucaristia (de madeira tipo cavalete, adquirida há 10 anos) por outra que trará na frente, em dourado sobre fundo branco, entalhes imitando a ornamentação do retábulo. Além disso, deverá substituir o ambão (suporte para leitura) e a sédia (conjunto de três cadeiras para o celebrante da missa e os ajudantes). Na ação “em prol do novo altar” da Igreja São José da Lagoa, localizada no Bairro Manjahy, o líder católico conclama os paroquianos: “Vamos deixar nossa igreja-mãe ainda mais bela, com o conjunto estético no seu estilo de construção”.
Vozes contrárias ecoam, inclusive entre especialistas. “Não podemos aceitar tal descaracterização. Nossa igreja é do século 18, o altar, de Servas, e o tombamento, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), então nada pode ser feito sem autorização”, diz o restaurador-conservador Ricardo Emiliano, nascido em Nova Era e batizado na Igreja São José da Lagoa.
A dona de casa Polyana Maria Costa é uma das que também mostram indignação. “Trata-se de uma agressão ao retábulo da nossa igreja. A comunidade não foi consultada em momento algum. Não podemos permitir”, afirma Polyana, vestida com uma camisa com a estampa da igreja e na qual se lê a frase “Valei-nos, São José”.
Desgostoso com a proposta do padre, Ricardo Emiliano afirma que as peças se encontram em ótimo estado de conservação, sem interferir na atmosfera barroca do templo. “As cadeiras são de palhinha, leves, enquanto as idealizadas pelo padre, revestidas de branco, são inadequadas. A ornamentação da mesa vai criar um clima fake, algo que destoa do original”, avalia. Ao lado de Polyana, o restaurador mostra o projeto do pároco impresso em papel e exposto logo na entrada da matriz para adesão dos devotos. “Veja: está escrito aqui ‘novo altar’”, apontou.
Considerando o gasto com as peças totalmente desnecessário, ainda mais em tempo de pandemia, o conterrâneo José Bonifácio Costa, servidor público, avisa que há urgências na igreja, como reparos na cobertura para evitar goteiras. “O padre diz que a igreja ficará mais bela. Ficando ou não mais bela, o problema é que haverá interferência, tirando a atenção para o altar. Queremos a igreja do jeito que ela é. A madeira crua da mesa atual não compete com o retábulo.”
Nas redes sociais, foi postada uma foto do retábulo com o alerta do grupo: “Podemos não estar reunidos. Mas estamos unidos. Pare! Não aceitaremos intervenções no nosso bem patrimonial”.
Estilo próprio
Nascido em Portugal, Francisco Vieira Servas (1720-1811) trabalhou como entalhador e escultor em madeira também na Igreja Nossa Senhora da Conceição, em Catas Altas, no Santuário Senhor Bom Jesus do Matosinhos e Igreja Nossa Senhora da Conceição, em Congonhas; e Igreja Nossa Senhora do Rosário, de Mariana, além de outras em Ouro Preto, Itaverava e São João del-Rei. Segundo os especialistas, criou estilo próprio na concepção dos altares, com destaque para um elemento denominado arbaleta (arremate sinuoso).
Templo de meados do século dezoito
De acordo com registros históricos, a Igreja Matriz São José da Lagoa foi construída em Nova Era antes de 1754. Em 3 de setembro daquele ano, Domingos Francisco Cruz, morador na área de mineração denominada Passagem (hoje Bairro Santa Maria), por meio de escritura pública lavrada no cartório do Arraial de Nossa Senhora da Conceição de Catas Altas (Diocese de Mariana), fez ao “Glorioso Patriarca São José” a doação de “uma roça (na freguesia São Miguel do Piracicaba) para patrimônio de sua nova capela”. Na escritura e em petição, há referência à capela como já existente, “construída pelos moradores há quase um ano e nela se celebra o Santo Sacrifício da Missa em altar”.
O templo recebeu sua primeira bênção em 10 de novembro de 1768, pelo padre Antônio Pereira Moura Vasconcelos. O sino maior data de 1795.
Intervenções continuaram até o início do século 20, e talvez uma das últimas transformações tenha sido a escada em espiral, feita por um marceneiro. A maior mudança na construção ocorreu em 1848, quando da passagem de capela para paróquia.
Em 11 de agosto de 1923, a energia elétrica chegou à Matriz São José da Lagoa. Há registro de que, em 1941, foram feitas obras de reconstrução e restauração, pois o edifício estava danificado e adulterado. Na década de 1980, teve início uma grande obra de restauração que durou 25 anos e recebeu intensa participação da comunidade.
Pároco procura o Iphan e diz que há “confusão”
Responsável pela Matriz São José da Lagoa e por 24 capelas, padre Elvis recebeu a equipe do EM na casa paroquial e na Igreja São Caetano, no Centro da cidade. Adiantou que, na próxima quarta-feira (2/6), por videoconferência, terá uma reunião com a superintendente do Iphan em Minas, Débora do Nascimento França, para tratar do assunto.
Na avaliação do pároco, está havendo uma confusão, pois ele sustenta que jamais quis interferir no altar e na arquitetura do templo, tombado em 1953 pelo Iphan. “A proposta é trocar a mesa da eucaristia para haver mais harmonia no interior da igreja, valorizar o acervo. Não esperava uma reação assim de algumas pessoas e asseguro que a campanha que estamos fazendo tem ótimo resultado, com grande participação.”
Padre Elvis, cuja paróquia está vinculada à Diocese de Itabira e Coronel Fabriciano, ainda não dispõe de um orçamento para a proposta, mas conta que a mesa será feita em São João del-Rei, na Região do Campo das Vertentes. Sobre goteiras e infiltrações na igreja, observa que, nas chuvas deste ano, não verificou qualquer estrago. De todo jeito, afirma que vai buscar recursos para manutenção do templo.
De acordo com o Iphan, a paróquia precisa aprovar os projetos na superintendência em Minas, “o que não foi feito até o momento”. Assim, esse será um dos principais pontos tratados na reunião.
Interpretações equivocadas
Nas redes sociais, o padre postou uma nota: “Diante de interpretações equivocadas sobre a Campanha dos Devotos de São José, esclarecemos que o vocabulário dos objetos litúrgicos e do espaço celebrativo prevê que o uso da palavra ‘altar’ é referido à mesa onde é celebrada a eucaristia. A palavra ‘ambão’ é referida à estante onde são proclamadas as leituras, e todo o conjunto é denominado de presbitério. Portanto, o objetivo da campanha não é em hipótese alguma alterar ou destruir as obras de arte do português Francisco Vieiras Servas ou quebrar e substituir o retábulo-mor onde fica a imagem de São José, mas, sim, a mesa de madeira colocada provisoriamente para o padre celebrar de frente para o povo.
E mais: “Essa mesa provisória não é tombada, e destoa do conjunto. O ambão, feito de madeira de uma forma contemporânea e provisória, também não comunga com o estilo arquitetônico da Matriz São José”.