Uma alteração de regras do governo tailandês para entrada no país, introduzida – literalmente – de última hora, fez com que um casal de brasileiros passasse quase três dias preso dentro de um aeroporto na Etiópia, sem conforto ou acesso à sua própria bagagem.
Ao planejarem sua lua de mel em Phuket, a atriz Bia Hader, de 32 anos, e o engenheiro de dados Demétrio Zanini, de 39, pesquisaram minuciosamente o que precisariam fazer para não correr o risco de serem barrados em virtude do rigoroso controle de turistas na Tailândia por causa da pandemia de Covid.
Providenciaram toda a documentação necessária, pagaram um seguro viagem, reservaram hotel e transporte, preencheram uma série de termos, fizeram os testes de saúde no prazo exigido e embarcaram tranquilos.
Eles só não contavam que as autoridades de Phuket fossem alterar as regras exatamente enquanto estavam a caminho, dentro de um avião em um voo de 13 horas entre São Paulo e Adis Abeba, na Etiópia, onde fariam apenas uma breve escala.
Surpresa
Ao chegarem ao país africano, às 19 horas de terça-feira, 23 de novembro, encontraram uma funcionária da companhia aérea já à sua espera, para avisar que eles teriam problemas em prosseguir viagem.
“A moça da companhia sugeriu alterarmos nosso destino final pra Bangkok, também na Tailândia, mas como todos esses termos foram feitos pra Phuket não tinha possibilidade de aceitarem lá. Hotel específico para cumprir quarentena obrigatória (existe uma lista de hotéis autorizados), local do PCR, seguro viagem, tudo que preenchemos era pra Phuket, e se chegássemos em Bangkok com essas coisas ficaríamos presos lá”, explica Bia ao g1, ressaltando que tudo isso já estava pago.
Foi então que, conta a atriz, começou o drama do casal, agravado pelas dificuldades de comunicação e a má vontade dos funcionários do aeroporto de Adis Abeba.
Embora falassem inglês, o forte sotaque atrapalhava a compreensão e o descaso e falta de empatia eram chocantes, diz a brasileira.
“Tirando raras exceções, nos trataram tão mal que é de desacreditar. As pessoas da imigração até riram da nossa cara quando estávamos pedindo para sair porque precisávamos descansar”, lembra.
‘Salinha’
Depois de uma longa espera em uma pequena sala, Bia e Demétrio foram informados de que só receberiam uma resposta na manhã seguinte, e que deveriam retornar aquele espaço às 6 horas da manhã. Eles então tiveram que passar a primeira noite nas desconfortáveis cadeiras do saguão do aeroporto. Para piorar, sua mala não foi localizada, e eles não podiam trocar de roupa ou ter acesso a outros itens pessoais que haviam despachado.
Ela conta que ficaram em frente ao local, onde estavam aglomeradas dezenas de pessoas, de várias nacionalidades e enfrentando os mais diversos tipos de problemas. Nenhuma outra, porém, em situação semelhante à do casal brasileiro. “Nos disseram que nunca viram nada igual”, diz Bia.
A manhã chegou e nada foi resolvido, a resposta era sempre de que deviam esperar ou retornar mais tarde. Os brasileiros chegaram a tentar trocar sua passagem para outro lugar, mas não conseguiram inicialmente. Por fim, a companhia os colocou em voo de volta ao Brasil, mas que só decolaria no sábado, dia 27.
Eles decidiram então que tentariam pelo menos sair do aeroporto para descansar até lá, mas para isso precisariam de um visto de entrada na Etiópia. Passaram a partir daí a tentar contato com a embaixada brasileira para conseguir a documentação.
Saída negada
Após diversas tentativas, só na quinta-feira (dia 25) Demétrio pode falar com a vice-cônsul brasileira, e os dois receberam vistos, encaminhamento para a realização de testes PCR e conseguiram reservar um hotel para descansar até a partida de seu voo.
Como a essa altura já era noite, não puderam deixar o aeroporto por questões de segurança, mas a autoridade brasileira conseguiu convencer os funcionários do local a cederem espaço em uma sala vip para que o casal pudesse ter um pouco mais de conforto até o dia seguinte.
Segundo conta Bia, mesmo com a interferência da embaixada, vistos e exames em mãos, eles ainda enfrentaram dificuldades para finalmente deixar o aeroporto na sexta-feira. Como a Etiópia enfrenta uma guerra civil, os etíopes estavam “irredutíveis” em autorizar a saída de turistas do local, explica.
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Desde novembro do ano passado, a Etiópia está atolada em um conflito entre os combatentes da Frente de Libertação do Povo Tigré (TPLF), o partido no poder na região, e as forças federais. Os combatentes da TPLF avançaram nos últimos meses em direção às regiões vizinhas e não descartam chegar à capital etíope, Adis Abeba.
Eles só conseguiram sair às 15h40, e ainda foram fazer os testes no caminho para o hotel. Apenas nesse momento receberam sua bagagem. “Parecia um sonho, banho, trocar de roupa e dormir”, lembra Bia.
Prejuízos
Além de todas as despesas na Tailândia que já estavam pagas e foram perdidas, Bia e Demétrio também tiveram que pagar pelos vistos, testes e diária de hotel em Adis Abeba, que não estavam previstos. “Foi desgraça financeira e emocional”, resume a atriz.
Para piorar, esta nem é a primeira vez que uma tentativa de viagem de lua de mel do casal termina em frustração. “Na primeira, compramos a passagem pra África do Sul em 2019, antes da pandemia, já que nosso casamento seria em 2020. Mas perdemos essa passagem”, conta.
Bia diz que eles entraram em contato com uma advogada para saber se existe algo que pode ser feito. “Ainda vamos saber”, diz.
Como a viagem de 15 dias para a Tailândia foi programada para coincidir com as férias de Demétrio, o casal decidiu aproveitar a última semana restante de folga para celebrar o casamento bem mais perto.
“Para não passar em branco e lembrarmos só do trauma vamos de moto na segunda-feira pra Angra, mas já vamos voltar na sexta. Chega de perder passagens! Dessa vez vai ser por terra”, brinca Bia, ainda conseguindo manter algum bom humor.
Ômicron
Já de volta, o casal soube que o terceiro caso identificado no Brasil de uma pessoa contaminada pela variante ômicron do coronavírus foi de alguém que desembarcou no sábado (27) em Guarulhos, de um voo vindo da Etiópia.
Segundo Demétrio, o único voo vindo do país naquele dia era o mesmo em que eles estavam. Por isso, procuraram autoridades de saúde para saber como proceder, se oferecendo para realizar testes de Covid para auxiliar em um possível rastreamento de casos, por exemplo.
Mas, segundo ele, em um contato por telefone com o SUS – em um número que consta no site do Sistema Único de Saúde – foi informado que eles não estariam autorizados a realizar os testes de forma gratuita pelo sistema, já que estes são reservados apenas a pessoas com sintomas da doença.
Fonte: G1