Reconhecida em agosto deste ano como a capital nacional do grau, Belo Horizonte ainda não tem garantia de um espaço oficial para a prática da modalidade a partir de 2023. Desde de março deste ano, a Associação Mineira dos Motociclistas de Esportes Stunt e Grau (Astung) tem autorização da prefeitura para usar uma área de 58.776m² na avenida Professor Clóvis Salgado, no bairro Bandeirantes, na região da Pampulha. No entanto, o decreto que autoriza o uso da ‘Arena Grau’ termina neste mês e ainda não há solicitação para prorrogação. Cerca de 1.500 praticantes passam por mês pelo local.
O presidente da Astung, Cristiano Gonçalves da Silva Júnior, 26 anos, disse à Itatiaia que o pedido para manutenção do decreto será formalizado, mas ressalta que o funcionamento da Arena Grau no endereço encontra resistência de moradores insatisfeitos com o barulho.
“As pessoas têm preconceito por não conhecerem e não terem o contato com o esporte. O grau foi marginalizado, como o skate, que hoje é um esporte olímpico. Vamos fazer isso também com o grau, se Deus quiser”, disse Cristiano, que tem mais de 55 mil seguidores no Instagram.
Apesar do impasse, Cristiano acredita que a situação será resolvida. “Temos esse temor de não concederem esse espaço para continuarmos praticando o nosso esporte. Porém, a prefeitura vai ter essa consciência de que o grau vai virar um esporte reconhecido”, afirma o presidente, que pratica a modalidade desde os 13 anos e hoje é professor do esporte. “Vamos fazer por onde e mostrar que não é como eles (moradores) pensam”.
O decreto permite à associação o uso do espaço, disciplinado em termo de permissão específico. O documento destaca ainda que encerrada a autorização de uso, as benfeitorias realizadas no imóvel serão incorporadas ao patrimônio da prefeitura, sem que a associação tenha direito a indenização. Ainda conforme o decreto, a PBH pode retomar o espaço quando entender necessário.
‘Modelo’
Cristiano participa de eventos pelo Brasil e considera que, mesmo diante dos problemas, a capital mineira é modelo para outras cidades. “Temos que agradecer por sermos ‘a capital do grau’. A prefeitura está dando um passo a mais em relação ao Brasil”.
Barulho
A reportagem conversou com moradores da região sobre o impasse. Eles citam barulho além do permitido pela legislação e dizem que já formalizaram reclamações na Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), mas ainda não tiveram retorno. Eles pedem que o uso do espaço tenha regras, possibilitando fiscalização eficaz.
“O problema que nós enfrentamos é o excesso de barulho. Eles falam que têm regras, mas não as seguem. O escapamento das motos esportivas e alteradas causa um transtorno muito grande. E os apoiadores do projeto incentivam esse tipo de barulho. Então, não tem ninguém com controle de verdade sobre o espaço”, aponta Robert Aguiar, síndico de um condomínio vizinho ao espaço.
“A solução é, se for continuar usando o espaço, que faça pensando no próximo. Não deixem que as motos entrem lá com escapamento alterado, não deixem cortar giro (quando o motociclista acelera com a embreagem engatada). Mas eles deixam, apoiam e incentivam”, disse Robert, que enviou um vídeo que mostra um praticante sendo incentivado a cortar giro.
Procurada, a PBH informou que foram feitas 15 reclamações de poluição sonora diurnas. “Nas vistorias realizadas, não foi constatada a irregularidade”, diz. O Executivo Municipal também informa que a Astung foi multada em R$ 13 mil por falta de ‘alvará de localização e funcionamento’, mas não especificou como o documento pode ser obtido.
O presidente da Astung garante que a Arena Grau funciona das 9h às 17h e que não é permitido o uso de escapamento barulhento.
Volta para ruas
Cristiano e outros praticantes da modalidade avaliam que muitos adeptos do grau podem voltar às ruas, caso Belo Horizonte fique sem um espaço oficial destinado à modalidade. “Tira o pessoal das ruas, já tem um espaço específico para praticar o grau, que hoje é um esporte. Temos um trabalho de conscientizar os praticantes de que temos um espaço, e que em via pública é crime grave de trânsito”, pontuou, garantindo que a modalidade é segura e não há registro de acidente grave na Arena Grau.
“Nenhum acidente grave. Não tem nenhuma ligação para o Samu ou bombeiros para resgatar alguém aqui dentro. É um esporte perigoso, porém não é como o pessoal pensa. Usando os equipamentos de segurança, se torna tranquilo”.
A prática de empinar motos em via pública é considerada infração gravíssima de trânsito, com multa de R$ 293,47, perda de sete pontos na carteira de habilitação e suspensão do direito de dirigir.
Cracolândia
Comerciante e morador da região, Elbert Andrade Neves, 39 anos, é praticante da modalidade e considera que o barulho não atrapalha os vizinhos. Ele conta que o local abrigava dois campos de futebol, ficou abandonado por anos e virou ponto de usuários de drogas.
“Era uma cracolândia, tudo avacalhado. As pessoas que passavam para ir para a escola ficavam assustadas. Tinha muito assalto. Hoje a situação é diferente. Todo mundo passa tranquilamente e sempre tem gente aqui. Acho que mudou muita coisa”, destaca o comerciante, que também prevê volta de praticantes para as ruas, caso a capital nacional do grau fique sem um espaço oficial. “Todo mundo tem seu esporte, tem seu lazer, tem seu hobby. Se o nosso hobby é empinar, é gostar de grau, e se temos um espaço legalizado para isso, a gente vai nesse espaço, porque na rua é crime”.
No último domingo (18), um evento irregular chamado ‘rolezinho do grau’ no Anel Rodoviário resultou na morte de um casal em Belo Horizonte. As famílias garantem que as vítimas não participavam do encontro e que foram perseguidas e derrubadas por uma viatura da Polícia Militar (PM). A Corregedoria da corporação apura o caso.
Iniciantes
A Arena do Grau atrai praticantes de outras cidades. É o caso do auxiliar administrativo Deivy Gabriel, 19 anos, que mora em Vespasiano, região metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). Iniciante, ele treina há quatro meses no local. “Cair faz parte. Quem pratica vai cair. O espaço é muito importante. Eu mesmo moro lá em Vespasiano e venho pra cá praticar o esporte. Se ficar empinando (a moto) na rua, tem vizinho que liga para a polícia, é melhor vir aqui. Sem esse espaço, as pessoas voltariam a praticar nas ruas”, disse.
Lei
A lei que transforma Belo Horizonte na capital nacional do “grau” foi sancionada pelo prefeito Fuad Noman (PSD) em agosto deste ano. A modalidade, também conhecida como “wheeling”, consiste na realização de acrobacias com motocicletas. O projeto de lei foi aprovado em definitivo pelos vereadores em julho deste ano. Na época, os idealizadores destacaram que o ‘grau’ é uma oportunidade de lazer com potencial para fomentar os negócios e turismo.
Fonte: Rádio Itatiaia