Livros na mesa, aula ligada no computador ou na TV e interação com os colegas restrita aos aplicativos virtuais. Estudante do terceiro ano do ensino médio de uma escola pública no bairro Betânia, região Oeste de Belo Horizonte, Rubia Luiza Gonçalves viu a rotina mudar drasticamente por conta do coronavírus. Sem previsão de voltar para as salas de aula, ela vive diariamente os tempos de incerteza trazidos pela pandemia.
A situação piora diante da falta de definição para a realização do Enem neste ano – ela quer cursar Medicina ou Física em 2021. “Sem dúvida, a pandemia gera um medo sobre o futuro. É uma mudança repentina e uma desordem da vida pessoal, que precisa ser reorganizada, que causa insegurança e ansiedade”, conta. E as angústias vividas pela Rubia já se tornaram uma realidade de muitos outros jovens. É o que aponta uma pesquisa do Núcleo Brasileiro de Estágios (Nube), realizada com pessoas de 15 a 29 anos.
Questionados se a crise provocada pelo coronavírus afetou a saúde mental e o bem-estar, quase 32% dos entrevistados foram enfáticos e afirmaram que a chegada da doença trouxe mais ansiedade e insegurança. Outros 26% responderam que o panorama atual abalou “um pouco” o psicológico, com o humor sendo afetado “constantemente”.
Sofrimento maior
Além das incertezas provocadas pela paralisação das escolas, a preocupação com a perda de renda, seja por demissões ou falta de trabalho para quem está no mercado informal, é uma das responsáveis pelo problema, conforme a pesquisa. A estudante Rubia Gonçalves cita ainda as dificuldades para se adaptar às aulas virtuais, inclusive dos próprios professores, como outro fato que contribui com o aumento da ansiedade. “É muito difícil estudar e manter tudo em dia assim. Vejo bastante, principalmente nas conversas online, que as pessoas não aguentam mais”, acrescenta.
Para a psicóloga Adriana Cruvinel, as restrições vividas nos últimos três meses podem provocar um sofrimento ainda maior entre os jovens, na comparação com outras faixas etárias. “A maior ansiedade não é única desse público, mas ela se acentua na adolescência e juventude. Essa é uma fase da vida em que as pessoas saem mais, encontram os amigos, diferente dos mais velhos. Fazer esses programas fora de casa tem um papel muito importante, inclusive na construção da identidade social, e precisaram ser interrompidos por conta do isolamento social”, explica.
A especialista cita os efeitos causados na saúde mental, como a maior irritabilidade, mudanças de humor e até agressividade. “Um exemplo é de quem teve alguma restrição de renda. Isso causa um impacto enorme, com uma preocupação sobre como a pessoa vai manter seus compromissos financeiros. E até quem já voltou a trabalhar, como os funcionários do comércio, sente que não há a mesma procura de antes da pandemia e isso também causa um sofrimento”, afirma.
Porém, Adriana Cruvinel afirma que é possível amenizar os problemas psicológicos agravados por conta do coronavírus. Segundo a profissional, a tecnologia pode ser uma grande aliada nesses momentos. “O que tem sido uma grande ferramenta hoje em dia é a internet, que proporciona os encontros virtuais e a experimentação de novas coisas. Sugiro para quem enfrenta a ansiedade buscar algo diferente, como fazer um curso online, se aprimorar profissionalmente”, finaliza.
Jovens mais depressivos
O levantamento do Nupe revelou também que 12,1% dos jovens entrevistados declararam que estão mais depressivos e desanimados por conta da pandemia. Diante desse resultado, a recrutadora da entidade, Marianne Lisboa, lembra sobre a importância de cada um respeitar os próprios limites. “Esse estado de alerta constante nos modifica até mesmo fisiologicamente, aumentando por exemplo as substâncias responsáveis por nos manter atentos. No entanto, não podemos ser guiados exclusivamente por esses sentimentos”, diz.
Apesar do pessimismo mostrado pela pesquisa, há outros dados que trazem um panorama diferente: para 18,29% dos jovens, a pandemia aumentou o tempo para se decicar às atividades físicas e outros 11,83% viram uma redução do ritmo exigido pela rotina diária. “O fato de poder acordar um pouco mais tarde e não se preocupar se vai conseguir chegar no horário planejado tira um peso de nossas costas, mas também impõe uma transformação dos espaços e das relações de trabalho”, explica a recrutadora.
O estudo foi realizado entre os dias 25 de maio e 5 de junho, com 13.902 participantes de todo o país.