Em tempos de ensino remoto e todas as dificuldades que ele representa, a educação em Minas Gerais tem pela frente mais um enorme desafio: saber quantos dos mais de 60 mil alunos da rede particular abandonaram a escola nesta pandemia. A evasão no ensino infantil, algo inédito na educação brasileira, se tornou realidade preocupante nos últimos meses. Belo Horizonte tenta um raio-x da situação, desconhecida até mesmo pelas escolas privadas, e estuda plano para tentar acolher os pequenos. Já o Ministério Público de Minas Gerais alerta que pais de crianças a partir de 4 anos, idade a partir da qual a educação é obrigatória, podem ser responsabilizados.
As consequências também ainda precisam ser medidas, mas já se mostram na forma de fechamento de escolas inteiras (pelo menos 10 na capital) e demissão de professores e auxiliares. Nas que optaram por não adotar o ensino remoto ou o adotaram em tempo reduzido, muitos pais preferiram tirar as crianças para não pagar mensalidades. No bolso de quem perdeu o emprego ou teve a renda diminuída, o valor da escola, mesmo com desconto, passou a pesar ainda mais. Com um serviço também rompido por força da circunstância, pais e mães não se veem na obrigação de manter um contrato cujos termos não estão sendo cumpridos a rigor.
Não há base legal para regulamentar atividades on-line na educação infantil, mesmo em momentos de excepcionalidade. O resultado é que, no contexto da pandemia, essa fase da educação aparece como o elo mais frágil da cadeia: obrigatória a partir de certa idade, mas sem consequências no percurso escolar, passou, em alguns casos, a ser considerada “não tão necessária assim”. Um erro com sérias repercussões, segundo educadores.
O cenário é considerado catastrófico, com instituições particulares de pequeno porte simplesmente encerrando as atividades, na capital e no interior. O Sindicato das Escolas Particulares de Minas Gerais (Sinep-MG) tem notícia de uma dezena de estabelecimentos fechados na capital, mas assume que o número está subnotificado, porque nem todos estão inscritos na entidade. Não se sabe tampouco a quantidade de alunos que saíram de escolas, mas não pediram transferência – um indicativo de que não estão matriculados.
O peso para cada um
» As famílias
O Ministério Público alerta que pais podem ser responsabilizados pela decisão de retirar da escola filhos em idade obrigatória
» As crianças
Alunos perderão pelo menos um ano de um período em que a socialização é considerada imprescindível por educadores
» As escolas
Unidades da rede particular estão encerrando turmas ou todo o ensino infantil. As que só se dedicam a ele vêm fechando as portas
» Os trabalhadores
Professores e auxiliarem têm sido dispensados de escolas particulares diante
da crise. Os que conservam o emprego
estão inseguros
» A rede pública
Não consegue sequer estimar quantos dos
60 mil alunos hoje na rede privada acabarão demandando matrícula no sistema gratuito
MP se preocupa com fuga e sobrecarga
A evasão no ensino infantil preocupa o Ministério Público de Minas Gerais. Para além do aspecto pedagógico, questões contratuais e econômicas incorrem em riscos de rescisões e consequente sobrecarga à rede pública de ensino – estadual ou municipais – , alerta a promotora de Justiça Daniela Yokoyama, da Promotoria Estadual de Defesa da Educação (Proeduc). Em caso de ação ou omissão dos pais ou do poder público (o que inclui negativa de matrícula), quando se trata de criança ou adolescente em idade obrigatória fora da escola, o MP tem que atuar.
A promotora esclarece que, sem matrícula, providências protetivas devem ser adotadas e elas começam pela instauração de um procedimento e o acionamento da família ou do Estado, dependendo de cada caso, para fornecer explicações. A partir delas, se tomam medidas para garantir que o aluno seja matriculado, com possibilidade de expedição de recomendações administrativas ou pedido judicial para aplicação de medidas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), representação por prática de infração administrativa e, em casos extremos, crime de abandono intelectual.
Segundo ela, o MP tem mantido contato, tanto pela área da educação quanto do consumidor, com o Conselho Estadual de Educação, sindicato de escolas e Secretaria de Estado de Educação, visando a estimular o diálogo entre escolas privadas e familiares, para que solucionem questões contratuais da melhor maneira possível, minimizando os casos de rescisões. “E, no caso da migração para as redes públicas, para que sejam garantidas as vagas escolares de que necessitam os estudantes”, esclarece.
A Secretaria de Educação de Belo Horizonte informou em nota que ainda não tem como precisar a demanda que receberá. Acrescentou que, normalmente, quem sai de outras cidades ou escolas particulares depois do período de matrícula e início das aulas procura as secretarias de escolas que, hoje, por causa da pandemia, estão fechadas. “Só quando as escolas voltarem ao funcionamento normal é que saberemos a real demanda por transferências. Quando retornarmos, faremos um recenseamento de vagas e anunciaremos o mecanismo de um cadastro excepcional para acesso a elas.”
Progressão
Embora reconhecida como direito da criança e com referencial próprio, a educação infantil tem aspectos diferentes dos do ensino fundamental. “A formação da criança se faz a partir da interação, da relação com o outro. Ela aprende com o coleguinha, por meio das brincadeiras. É um educar sempre associado ao cuidado. Não tem como garantir esses objetivos por meio de educação on-line, neste isolamento social”, afirma a presidente do Conselho Municipal de Educação, Bernadete Quirino Duarte Blaess.
Também está na lei que a educação infantil não é pré-requisito para a progressão do acesso à escola. Ou seja, ela é importante para trabalhar o desenvolvimento da criança, mas sem ela o aluno não fica impedido de começar o fundamental (no caso dos alunos do 2º período) nem avançar de “série” (no caso dos matriculados no maternal e 1º período).