Fonte: CNN BRASIL
Entre os 82 países que registraram ao menos 100 mil casos do novo coronavírus desde o início da pandemia – e que, juntos, representam 97% de todas as infecções pela doença no planeta –, apenas 59 já começaram a vacinar suas populações.
Somadas, todas essas nações já aplicaram mais de 186 milhões de doses dos vários imunizantes aprovados contra a Covid-19, mas apenas 6% (pouco mais de 11 milhões) foram utilizados na África, na América Central e na América do Sul.
Já Ásia, Europa e América do Norte, juntas, foram responsáveis pelo uso de 94% dos imunizantes (cerca de 175,6 milhões de doses).
Os dados analisados pela CNN foram retirados do Our World in Data – publicação mantida por pesquisadores da University of Oxford e pela ONG Global Change Data Lab – e da Universidade Johns Hopkins.
“O que é importante termos em mente é que essa disparidade, essa falta de equidade em relação às vacinas já aconteceu em surtos recentes, como por exemplo na época que foi desenvolvida a primeira vacina contra influenza”, afirmou o pesquisador titular da Fundação Oswaldo Cruz, Rodrigo Stabeli.
Ele relembrou que, naquela ocasião, depois que EUA, Europa e Canadá imunizaram suas populações, houve uma forte pressão do mercado pelo alívio das medidas de emergência mesmo em países onde a imunização não tinha acontecido.
“Voltar a ter essa situação em outra pandemia indica que não aprendemos com a história. Vírus não respeita fronteiras, então essa falta de equidade vacinal gera uma proteção aparente – ou seja, quando países ficam sem vacinas isso propicia o surgimento de variantes que afetarão também os países vacinados”, continuou.
À CNN, Virginia Rodríguez, responsável pelo estudo de Incidência Política do Instituto de Saúde Global de Barcelona (ISGlobal), também apontou a disparidade econômica entre os países e sua capacidade de negociação com os produtores de vacina como a principal explicação para a alta concentração de imunizantes nos países mais ricos.
“O processo de produção é demorado e por isso o número de doses ainda é limitado para atender a demanda global. Essa situação privilegia países e regiões com mais recursos e capacidade de estocar vacinas, algo que o Diretor-Geral da OMS [Tedros Adhanom Ghebreyesus] descreveu há um mês como ‘falha moral catastrófica’”, afirmou.
EUA e China desequilibram balança
No caso das vacinas contra a Covid-19, Estados Unidos e China são os dois países que contribuem para desequilibrar a distribuição mundial dos imunizantes.
Isso porque os norte-americanos já aplicaram 56,2 milhões de doses (30,14% do total global e 95,7% do usado na América do Norte) e os chineses 40,5 milhões (21,7% do total global e 60,66% das doses na Ásia).
Na terceira posição, mas longe dos líderes em imunização, está o Reino Unido, com 16,4 milhões de doses de vacinas aplicadas (8,83% do total mundial e 33% das aplicações na Europa).
Na outra ponta do ranking, entre os que menos imunizaram suas populações, aparecem Colômbia, Argélia, Japão, República Dominicana e Egito, todos com menos de 5 mil doses de vacinas já usadas.
Também se destaca a situação de Peru, República Checa, Argentina, Holanda, México, Irã e Colômbia, países que superaram a marca de 1 milhão de casos de Covid-19, mas que até o momento ainda não conseguiram aplicar, sequer, essa quantidade de doses de vacina.
Além disso, entre os 38 países que ainda não usaram ao menos 1 milhão de doses de vacinas, outro dado relevante é que mais da metade deles (20) fazem parte do programa Covax – iniciativa liderada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) que visa garantir 6 bilhões de doses de vacina para as nações mais pobres.
Covax como fonte
Stabeli diz que para muitas nações que não têm poder financeiro para negociar diretamente com os laboratórios, as doses que receberão por meio da Covax devem ser a principal forma pela qual terão acesso aos imunizantes contra o novo coronavírus – quando não forem a única forma de conseguirem as vacinas.
“Esse é um cenário muito verdadeiro. Principalmente porque alguns países são absolutamente dependentes das agências internacionais em relação à atuação em saúde pública – mas também no combate à fome ou em crises de imigração”, afirmou o pesquisador.
“A Covax é uma iniciativa que conta com dois mecanismos distintos de fornecimento de vacinas. Um para fornecer vacinas aos 94 países de menor renda do mundo, cuja aquisição é financiada com contribuições de países doadores. Outro para economias que podem arcar com a compra de vacinas com seus recursos, [e usam o programa] para aumentar os volumes de compra em melhores condições do que fariam bilateralmente”, explicou a especialista espanhola.
Rodríguez foi além e disse, ainda, que o programa da OMS acabou se tornando a “única possibilidade de acesso razoavelmente precoce às vacinas para muitos países que não estão entre os 94 de menor renda cobertos pelo mecanismo de aquisição subsidiada”.
“[Nesse cenário] estão muitos países de renda média, incluindo 37 da região ibero-americana, que começarão a receber as primeiras doses da vacina da AstraZeneca/Oxford nos próximos dias graças ao programa”, completou.
A situação do Brasil
O Brasil, terceiro país com a maior quantidade de casos de Covid-19 (mais de 9% do total global), aparece na 6ª posição entre os que mais vacinaram, segundo dados da Our World in Data.
Os números da Our World in Data, atualizados até a quarta-feira (17), indicam ainda que o país é responsável por mais de 65,31% das vacinas já utilizadas na América do Sul.
No nosso caso, no entanto, o pesquisador diz que não faltou poder financeiro para fechar contratos com as farmacêuticas, mas que houve um erro estratégico do governo ao apostar em mecanismos não eficazes de combate ao coronavírus, como a cloroquina e a ivermectina.
“Nosso ministro da Saúde (Eduardo Pazuello) não apostou no que a história das pandemias modernas mostrou que é eficaz: isolamento físico e vacinação em massa. Foi assim que vencemos a varíola, o sarampo e a H1N1”, apontou.
“Agora, ficamos para trás na fila das vacinas, apesar de sermos o país com o maior sistema público de vacinação.”
Pensando em formas de não repetir os mesmos problemas no futuro, caso o planeta seja acometido por uma nova pandemia, Stabeli diz que nossa sociedade deveria aprender pelo menos duas lições.
“Primeiro, temos que entender que a saúde é um bem que não é individual. Ela é um bem coletivo. A segunda lição é que quando falamos doenças infecciosas, principalmente olhando para a preparação contra surtos e emergências que virão, quanto mais degradamos o meio ambiente, mais a pressão que fará surgir uma nova pandemia se torna real”, finalizou.