Experimento na França quer avaliar como corpo e psique reagem quando não há referência temporal. Mas esse tipo de experiência é arriscado, como mostram alguns exemplos do passado.
Mais da metade do experimento já foi concluída. Mas os 15 voluntários na caverna provavelmente não sabem disso, já que não têm relógios ou telefones celulares para consultar as horas. A ideia do experimento, afinal, é justamente avaliar como corpo e mente se comportam quando todas as referências temporais e espaciais foram perdidas.
Para o experimento espetacular – ainda que eticamente questionável – “Deep Time” (Tempo Profundo), 15 pessoas foram trancadas numa caverna no sudoeste da França em 14 de março. Sem luz do dia, sem contato com o mundo exterior. Aos participantes, só resta imaginar quanto tempo já se passou e quantos dias ainda restam na caverna.
Quatro toneladas de material foram levadas para o local do experimento com antecedência. Mas isso não torna a caverna de Lombrives, uma das maiores da Europa, mais aconchegante. Nela vigora uma temperatura constante de 12 graus Celsius e uma umidade de 95%.
Na caverna, foram montados, para os voluntários, “três espaços separados: um para dormir, um para conviver e um para pesquisar a topografia do lugar, a fauna e a flora em particular”, segundo o iniciador do projeto, o franco-suíço Christian Clot.
É fato que há comida suficiente para os 40 dias. Mas a eletricidade para lâmpadas e um pequeno fogão elétrico precisa ser gerada pelos próprios participantes, com a força dos músculos. Já a água eles têm de retirar de um poço natural a uma profundidade de 45 metros.
Conhecimento valioso para missões espaciais
Clot, chefe da missão e fundador do Instituto de Adaptação Humana, conta que teve a ideia do experimento durante a pandemia de covid-19, por causa da percepção diferente de tempo durante o lockdown, com as estruturas habituais do cotidiano alteradas.
De acordo com Clot, esse experimento único em todo o mundo tem por objetivo mostrar como as pessoas reagem à chamada perda de referência, ou seja, a retirada de um ponto de referência no tempo, como quando o sol nasce ou se põe. A experiência adquirida pode ser importante para missões de longo prazo no espaço, assim como para as tripulações de submarinos ou em estações de pesquisa remotas no Ártico ou Antártico.
É por isso que a experiência de 1,2 milhão de euros não é financiada somente por fundos públicos e privados, mas também pelo Centro Nacional Francês de Estudos Espaciais.
O que soa como uma aventura dispendiosa é, na verdade, um empreendimento extremamente arriscado: a atemporalidade pode ter efeitos dramáticos na psique e no corpo, razão pela qual os participantes são monitorados permanentemente através de sensores por uma equipe de médicos e psicólogos.
Os sensores registram metabolismo, circulação sanguínea, sono e outras funções vitais. Além disso, voluntários devem participar de testes de concentração, equilíbrio e coordenação de forma espontânea e sem aviso prévio.
Grupo heterogêneo
Entre os 15 participantes do projeto estão sete mulheres e sete homens com idades entre 27 e 50 anos, além do próprio Clot. Eles combinam biografias de vida e habilidades muito diferentes.
Entre os voluntários estão uma enfermeira, um anestesista, um biólogo, uma terapeuta psicomotora, um mediador científico, uma geocientista, uma guia de trilhas, uma analista econômica, um professor de matemática, um empresário, um técnico de cabos, uma neurocientista, uma joalheira e um desempregado.
Apesar do monitoramento contínuo, críticos do experimento temem que eventuais danos psicológicos de curto ou longo prazo não sejam justificáveis. Os organizadores, porém, garantem que há um comitê de ética controlando todos os aspectos e que também fará um acompanhamento psicológico intensivo do grupo.
Entretanto, tais preocupações não são totalmente infundadas. Antes desse experimento “globalmente único” e “sem precedentes”, já houve dois experimentos muito semelhantes, um dos quais quase saiu fora do controle.
“Meu Deus, por que raios eu tenho essas ideias?”
Em 1962, o geólogo francês Michel Siffre passou dois meses sozinho sem relógio numa caverna a uma temperatura constante de zero grau e 100% de umidade. Equipamento, barraca, roupas, sapatos – tudo permanentemente molhado. Siffre também sofreu de fortes dores nas costas e ficou deprimido. Em algum momento, ele rabiscou em seu diário: “Meu Deus, por que raios tenho essas ideias?”
Quando ele foi retirado da caverna, após 58 dias, ele acreditava que haviam se passado apenas 25 dias. Seu corpo mudou completamente para um ciclo de 48 horas. Ele ficava acordado por 36 horas e depois dormia por 12.
Esse conhecimento sobre o ritmo do sono também chamou a atenção da Nasa, que viu um uso potencial para longas viagens no espaço. A agência espacial americana então persuadiu Siffre a fazer outro experimento de isolamento – desta vez por seis meses inteiros. Em 1972, Siffre, então com 33 anos, passou 205 dias sozinho na Caverna da Meia-Noite do Texas.
As primeiras semanas foram tranquilas, mas depois de três meses, o experimento saiu do controle. Siffre teve ataques de pânico, ficou deprimido, teve pensamentos suicidas e perdeu a memória. Ele relatou que até quis quebrar a perna de propósito apenas para sair da caverna.
“Meu orgulho e ambição como cientista me impediram de simplesmente desistir – mas eu realmente queria sair da caverna.” Ele pensou então em desculpas: “Eu pensava seriamente em quebrar minha perna ou inalar poeira para contrair uma doença pulmonar. Eu estava totalmente louco”.
Foi só por medo de dívidas enormes também para sua família que ele não desistiu da empreitada. Quando finalmente deixou a caverna, depois de 205 dias sem nenhuma referência temporal, a alegria de sobreviver à provação predominou. Mas mesmo muitos meses após a arriscada experiência, ele ainda sofria de depressão e letargia, de problemas nos olhos e de grandes lacunas de memória.
Felizmente, os atuais exploradores são monitorados de perto e não estão sozinhos. Em 23 de abril, eles finalmente poderão deixar a caverna de Lombrives.
Fonte: DW