Congonhas – A preocupação com a estabilidade da Barragem Casa de Pedra, que passa por obras para prevenir a ameaça de um rompimento que afetaria milhares de pessoas, em uma catástrofe sem precedentes na cidade histórica de Congonhas, na Região Central de Minas, fez com que a prefeitura local organizasse um plano emergencial que será colocado em prática dentro de 16 dias, no próximo 26 de novembro. A situação não mobiliza apenas a administração municipal: ontem, o Estado de Minas mostrou que a apreensão com a estrutura operada pela Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) é tão grande que levou o governo mineiro a criar, sigilosamente, um grupo de ação emergencial para tratar da questão.
Documentos obtidos pela reportagem mostram que esse gabinete é formado especialmente por Corpo de Bombeiros, Coordenadoria Estadual de Defesa Civil e Polícia Militar. A missão é intervir no salvamento de pessoas em caso extremo e capacitar a comunidade, independentemente de providências da empresa. O próprio comandante dos Bombeiros na região, capitão Ronaldo Rosa de Lima, classifica a represa de rejeitos como “propensa a rompimento”, o que tem levado a corporação a cobrar medidas da CSN e dos órgãos de defesa civil.
“Não há risco iminente, mas essa é uma barragem propensa ao rompimento. Sobretudo agora, com a chegada da estação de chuvas”, define o comandante dos Bombeiros, referindo-se a previsões climáticas como as do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), que desenham um mês de novembro com chuvas intercaladas para a região, inclusive nesta semana. “Essa situação nos preocupa muito, pois a barragem está muito próxima da comunidade”, admite o oficial. O número de pessoas em risco, que inicialmente foi estimado em 1.500, mais que triplicou após levantamentos mais detalhados, chegando a 4.688, de acordo com a prefeitura local.
“Seria catastrófico um rompimento, sobretudo do Dique de Sela”, afirma o oficial, citando uma das estruturas da Barragem Casa de Pedra, que contém 9,2 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro e se eleva a cerca de 80 metros sobre o município de Congonhas (veja mapa). O dique a que o bombeiro se refere se apoia em estruturas montanhosas, e foi exatamente nesse ancoramento que o aparecimento de infiltrações ou “surgências”, como são definidas tecnicamente, obrigou a empresa a adotar obras de emergência. Por causa dessa situação, o MP e o Ministério do Trabalho cobram explicações e ações da mineradora, que chegou a ter as atividades no barramento interditadas, em 11 de outubro deste ano. Ontem, operários chegaram a suspender os trabalhos, apreensivos com a falta de informações sobre a segurança no canteiro de obras, mas foram convencidos por dirigentes da mineradora a retomar seus postos.
“Não há risco iminente, mas essa é uma barragem propensa ao rompimento. Sobretudo agora, com a chegada da estação de chuvas”
Capitão Ronaldo Rosa de Lima, comandante do Corpo de Bombeiros da região.
De acordo com laudo do Centro de Apoio Técnico do MP, ao qual o EM teve acesso, as surgências são fortes indicadores de que o represamento “apresenta infiltrações ou fraturas”, que podem evoluir para um rompimento caso nada seja feito. Nesse mesmo relatório, o fator de estabilidade da barragem apresentado foi de 1,3, abaixo do nível exigido pela legislação, de 1,5, segundo o MP. A CSN afirmou, ontem, que a barragem não corre risco de rompimento e que esse fator já foi superado, chegando a 1,6 e a 1,7, levando-se em consideração os dois lados da barragem.
O relatório do Ministério Público também critica a falta de um plano emergencial satisfatório em caso de desastre. Devido à deficiência, um plano acabou sendo elaborado pela Prefeitura de Congonhas. Providência semelhante vinha sendo ensaiada pelo grupo de trabalho criado veladamente pelo estado. A CSN sustenta que tem aprimorado seu plano emergencial e que instalou duas das cinco sirenes que seriam necessárias segundo compromisso firmado com o MP. “No dia 26, vamos fazer um simulado, um exercício com a comunidade, que é necessário em todo tipo de empreendimento de risco, como a operação de uma barragem ou de um tanque de petróleo”, compara o gerente-geral de Sustentabilidade da CSN, Eduardo Sanches. De acordo com ele, as obras na barragem devem terminar ainda neste mês.
MAIS ALTURA Outro programa polêmico da empresa é o de alteamento da barragem, para mais 11 metros de altura, que foi licenciado e deve ser retomado em breve. “Os problemas de surgências que ocorreram no Dique de Sela da barragem se desenvolveram devido ao proprietário de um terreno vizinho ter barrado a água de um córrego e formado um lago”, argumentou o gerente Eduardo Sanches. O Ministério Público, que fiscaliza as condições no complexo da CSN, não tem tanta certeza. Ao EM, o promotor de Justiça Vinícius Alcântara Galvão disse anteontem que foi pedido à mineradora que apresente estudos, principalmente em relação à qualidade do solo. Até o próximo dia 30, os levantamentos geotécnicos e geológicos devem ser entregues para avaliação dos peritos da Central de Apoio Técnico do órgão. “Só então o MP terá condições de afirmar se a barragem é ou não segura”, pontuou.
Falhas na barragem da CSN, de acordo com o MP
- Faltam sirenes para alertar sobre emergências e sinalização de campo
- Famílias vulneráveis não receberam treinamento adequado
- Mapas que simulam inundação não indicam pontos de fuga
- Falta clareza nas rotas de fuga e pontos de encontro de eventuais desabrigados
- Pessoas suscetíveis ao rompimento não haviam sido cadastradas
- Deve ser encaminhado estudo completo com investigação geológico-geotécnica, para a compreensão global do comportamento da barragem principal e do Dique de Sela
- Não constam dos estudos atuais relatórios sobre a estabilidade dos morros que sustentam os barramentos, que devem ser enviados ao fim da obra no Dique de Sela
- O Plano de Ação de Emergência das Barragens de Mineração deve envolver membros do Comitê de Gestão de Segurança, agentes externos e população suscetível
Pontos que a CSN afirma ter providenciado
- Instalação de duas sirenes, nos bairros Lucas Monteiro e Barragem. Outras três devem ser instaladas até 15 de dezembro
- Durante a atividade de recadastramento, treinamento dos moradores com noções básicas de abandono de área
- Novos mapas, com resoluções melhores, foram entregues à Defesa Civil no dia 1º
- Definidos três abrigos: CET, Escola Judith e Lar dos Idosos
- Definidos oito pontos de encontro: lote vago no Bairro Residencial; Praça do Bairro Dom Oscar; em frente à Escola Pingo de Gente; Campo de Futebol Fonte dos Moinhos; Romaria; em frente ao Clube Recanto da Serra; lote vago no Bairro Eldorado; em frente ao Clube Astra
- Cadastradas 1.367 casas
- Pessoas com dificuldades motoras foram recadastradas, bem como animais domésticos
EM